O acórdão do Tribunal Administrativo Central declarando como nulas as decisões do Banco de Moçambique sobre o Moza Banco foi um golpe final na personalidade de uma figura que tenta gerir o sector financeiro com mãos de ferro quando ele se move sob pés de barro. Desde que a Carta de Moçambique nasceu temos acompanhado o seu percurso errático e a intervenção no Moza foi a mais gravosa decisão aberrante do Xerife, como alguém cunhou para ele esta alcunha que não se lhe encaixa. Para contextualizar os leitores, eis três artigos que consideramos como ferramenta útil para compreender que o caso Moza foi uma decisão tomada emocionalmente contra um banco criado por moçambicanos que almejavam uma instituição financeira com seu centro de decisão em Maputo.
Rogério Zandamela e sua ladainha corriqueira sobre corrupção burocrática (8 de Abril, 2019)
Na semana passada, alguém recuperou uma intervenção do Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, e pôs a circular como se fosse uma espécie de “Ted Talk” seminal sobre os efeitos nefastos da corrupção burocrática no investimento estrangeiro. Mas era uma ladainha corriqueira sobre o assunto. Funcionários obrigam os investidores a olear a máquina para que seus processos andem. Os investidores são uns santos sempre com boas intenções, merecedores de todo o tipo de hosanas, incluindo tapetes vermelhos fiscais. Zandamela olha para a corrupção burocrática sem dissecar suas causas sistêmicas. Não diz nada de novo. Seu discurso foi, no entanto, partilhado de todos os lados, como algo genial. Na verdade, a corrupção burocrática aumentou tremendamente em Moçambique. E esta é uma percepção isolada com base nas minhas observações: a crise do calote da dívida fez aumentar a corrupção; os esquemas e as boladas tornaram-se para muitos a principal fonte de rendimento, mecanismo funcional para a paz social.
Mas, do alto do seu pedestal, com um salário de 35 mil USD por mês, Zandamela não se cansou de atirar farpas às classes baixas da sociedade, esquecendo-se do papel do Banco de Moçambique na aprovação do calote (no consulado de Ernesto Gouveia Gove), que nos mergulhou na crise, e das suas medidas brutais (já no seu consulado), as quais agravaram o custo de vida para os moçambicanos. Com a descoberta do calote, o custo de vida subiu drasticamente e os moçambicanos das classes média e baixa foram obrigados a apertar os cintos. Senhor Governador Zandamela, recorda-se? Recorda-se que, nos últimos anos, o Ministério da Economia e Finanças cortou subsídios aos preços do pão, combustíveis e outros, e actualizou os salários da função pública a uma taxa muito inferior à taxa de inflação, cortando dramaticamente o poder de compra dos funcionários do Estado? E suspendeu muitos projectos de investimento público, decisões que em outros países dariam origem a revoltas populares. O Ministro da Economia e Finanças, diga-se, foi de uma coragem extrema.
E o que fez o Banco de Moçambique? Limitou-se a agravar as taxas de juros e as de reservas obrigatórias, controlando a taxa de inflação e a desvalorização do Metical. Mas o preço social destas medidas foi catastrófico: centenas de PME foram à falência, lançando para o desemprego milhares e milhares de trabalhadores. E este batalhão de cidadãos se entrincheirou nas oportunidades de corrupção como mecanismo de sobrevivência e redistribuição de riqueza.
Na semana passada, ao ouvi-lo falar naquela conversa, ficou para mim claro que o Governador do Banco de Moçambique não tem nenhum peso de consciência pelos danos causados por sua intervenção correctiva, que só agravou o estado das coisas. Hoje, Moçambique tem as taxas de juros reais (taxa de juro nominal – inflação) das mais altas de mundo. Nenhum jovem pode suportar as taxas de juros de crédito para habitação e o Banco Moçambique não sente que exagerou nas medidas que tomou; fez as subidas à bruta, não se preocupando com os seus efeitos – alguns dos quais são novos factores causais da corrupção agravada com a crise.
Nunca ninguém explicou (e nem o Banco de Moçambique quer fazê-lo, fechando-se hoje em copas, em contramão do acesso à informação) porque é que a instituição se preocupa apenas com a estabilidade monetária (inflação e estabilidade do Metical), ignorando outras preocupações macroeconómicas, como, por exemplo, a de crescimento económico e criação de emprego! Em quase todos os países, em momentos de recessão económica, as taxas de juros tendem a ser baixíssimas: a nossa economia está em crise, mas as taxas de juros, como consequência da política monetária, são as mais altas do mundo.
Eu gostava de perguntar (ao Governador Zandamela) sobre estas e outras coisas, mas o Banco de Moçambique iniciou agora um novo estilo, opaco, na sua relação com a imprensa, o qual vai contra o acesso à informação e é completamente anti-debate. Ao invés de uma conferência de imprensa em que um administrador (no passado podia ser o Dr. Waldemar ou a Dra. Joana Matsombe) discute com jornalistas, agora temos de enviar nossas listas de questões com antecedência de duas semanas e cabe a uma Directora de Comunicação interagir com os jornalistas no dia marcado para a suposta resposta. Suposta porque não é garantido que haverá resposta. Na sexta-feira passada, por exemplo, levamos uma grande tampa. Uma lista de questões (que vamos publicar brevemente) não foi respondida. E percebemos que, daqui em diante, não vale a pena enviar questões previamente: o Banco nunca vai responder.
Então, talvez colocá-las em público: será mesmo necessário o Banco de Moçambique gastar milhões e milhões de USD, com o país em crise, para construir duas casas protocolares para o Governador e para o Vice-Governador na Polana Caniço? Quanto custa o projecto? Quantas famílias estão a serem indemnizadas? Quanto é o valor de compensação às famílias? E para quem é a terceira casa projectada no local
Aquela intervenção do Governador do Banco de Moçambique sobre os bloqueios da corrupção burocrática foi interessante também porque ele falou de coisas que não pratica. Queixou-se da falta de “sintonia institucional”, em Moçambique. Mas, há cerca de dez dias, ele mostrou que navega na desarmonia. No seminário sobre fundos soberanos, Rogério Zandamela causou uma risada de pouca graça na sala. Coube-lhe chamar o PCA da ENH, Omar Mithá, para este fazer a sua intervenção. Mas Zandamela mostrou que não sabia quem era Omar Mithá. Não conhecer Omar Mithá é mesmo de quem anda nas nuvens. Como reclamar da falta de sintonia institucional se o Governador do Banco de Moçambique não conhece o PCA da ENH? Aquela conversa sobre corrupção era mesmo de quem não anda em sintonia com a realidade local. Era uma conversa nebulosa! (M.M)
A perda de reputação do Banco de Moçambique (23 de outubro de 2018)
Rogério Zandamela mostrou ontem que lida mal com perguntas difíceis. Ele ignora-as recorrentemente. O Banco de Moçambique é uma entidade pública. Não é um banco comercial privado. Por essa razão, o Governador deve responder a todas as questões que lhe são colocadas. Os administradores e directores do BM não estão ali a gerir património privado. Foram indicados para gerir políticas e património públicos. Eles devem prestar contas de forma assertiva aos contribuintes deste país. Rogério Zandamela ou anda mal assessorado ou se enclausura no limbo perverso do “one man show”.
Mas isso não esconde os problemas graves por que o banco está a passar. Nunca na história deste país o banco central recebeu uma opinião adversa de um auditor. Isso é grave. Afecta a credibilidade interna e externa do banco central. Zandamela não pode desvalorizar essa “opinião”, pois ela decorre de um facto objectivo: nas suas contas de 2017, o banco falseou seus resultados ao não fazer reflectir os prejuízos da Kuhanha (decorrentes da intervenção no Moza Banco) porque se o fizesse as contas do BM também estariam no vermelho.
O caminho escolhido pelo banco já absorveu prejuízos na ordem dos 97 milhões de USD. O banco central foi construído com esforço de muitos quadros moçambicanos saídos da Faculdade de Economia da UEM. Seus patamares de credibilidade eram altos. Suas contas eram reportadas de forma assertiva. Transparentes. Isso está a mudar com a gestão de Rogério Zandamela, que terá sido imposto pelo FMI. Não poder ser! O Governo tem de analisar profundamente que banco central pretende. E decidir se embarca nesta onda de desmoronamento ético surfada pelo actual governador. O BM não pode ignorar as normas internacionais de relato financeiro para falsear suas contas. O BM não pode ignorar as boas práticas internacionais e exigir ao mesmo tempo aos bancos comerciais que cumpram as boas práticas internacionais.
O Governo deve dizer uma palavra. O desvio de 11,7 mil milhões de Meticais (do património público) para injectar numa entidade privada (a Kuhanha), sem taxas de juro (quando o BM empresta a todos os outros bancos comerciais a taxas médias de 15%) deve ser devidamente explicado. Trata-se de dinheiros públicos entregues a um organismo privado sem prazo de reembolso (nenhum banco decente faz isso). A corrosão do capital próprio do banco é visível. O governador diz que o BM pode perder dinheiro para evitar um “risco sistémico”. Mas ele não explica que risco sistémico estava a evitar quando decidiu intervir no Moza com uma solução que hoje se mostra completamente ineficaz.
Quando chegou do FMI, Rogério Zandamela vinha banhado numa aura messiânica. Hoje, sua mão na gestão do banco central está a empurrar a instituição para os piores níveis de reputação. A gestão do banco central merece agora um inquérito independente. O Governo não deve deixar que o desmoronamento do BM prossiga sem mexer uma palha. O BM goza de independência operacional apenas. O Governo tem de intervir sobre as matérias que digam respeito ao uso desbaratado do património público. É isto que está em causa. (MM)
A deriva de Zandamela (26 de novembro, 2018)
O Governador do Banco de Moçambique aproveitou uma aparição pública em Quelimane para dar o tiro final na nuca da sua credibilidade. Esta já andava de rastos. Zandamela em Quelimane deu a derradeira mostra do caótico registo da incoerência que tem marcado o seu consulado desde que chegou de Washington. Dias antes, ele tinha ido à Assembleia da República (AR) apresentar um plano de contingência para o apagão provocado pelo imbróglio entre a Rede SIMO e a BizFirst. Foi taxativo que a empresa portuguesa estava a ser descartada e que novos fornecedores para o relevante “software” da rede interbancária estavam a caminho de Maputo.
Na mesma altura em que ele falava aos deputados da AR, a SIMO estava reunida em Conselho de Administração, onde representantes da banca comercial deixaram claro que a solução imediata do apagão passava pelo pagamento à BizFirst. Foi esta mensagem que a banca comercial foi transmitir ao Primeiro-Ministro, nessa mesma terça-feira. À noite, a notícia de que chegara a um acordo para a retoma da BizFisrt correu viral. Os bancos tinham assumido uma posição de força, ultrapassando o ego repreensivo do Governador, um homem cuja relação com a banca comercial é marcada pela hostilização constante e pelo excesso de zelo no cumprimento das regras de Basileia.
Em Quelimane, enclausurado em seu “nemesismo” profundo, Zandamela decidiu barafustar contra a banca. Mas antes chamou a si a responsabilidade de ter sido dele a mão messiânica que safou o país da crise. Essa era uma mentira crassa. Não foi ele! A crise foi resolvida quando ele estava no parlamento apresentando uma medida que enfraqueceria terrivelmente nosso sistema financeiro. Uma medida decida em Oslo, onde ele obteve a anuência do Presidente Nyusi. Mas era uma medida irresponsável. Em Quelimane, ele quis redimir-se. Mas saiu ridicularizado. Todos sabemos que sua solução apontava para o caos.
E como é sua praxe, voltou-se contra a banca comercial, exibindo a bandeira de um nacionalismo frugal. Disse que o ideal para Moçambique era que nossa banca devia ser cada vez mais moçambicana. Mas o que ele tem feito para que isso seja uma realidade? Nada! A intervenção do banco central no caso Moza, afastando a Moçambique Capitais (MC) da gestão sem ter no mínimo respondido aos seus pedidos de assistência de liquidez de emergência, foi uma oportunidade perdida. Ele podia ter demonstrado, desse dossier, o cometimento para com essa tal moçambicanização da banca, apoiando a MC.
Mas Zandamela olha para os moçambicanos, todos eles sem excepção, como uns “lobistas” e corruptos. O cisma, no caso do apagão, reside nesse seu preconceito. Em Quelimane, fez uma intervenção marcada por uma retórica anticorrupção que não encontra expressão prática na sua acção. É de esperar que ele desencadeie desde já os mecanismos necessários para a clarificação judicial de quem são os actores da corrupção no caso BizFirst. Já chega de fala-fala barata e desse apontar dos dedos à improbidade alheia quando ele também não é uma flor que exala odores imaculados. Ele é o supra-sumo da incoerência.(M.M)