Como Directores Nacionais da WaterAid no Malawi e em Moçambique, estamos profundamente preocupados com a eclosão da cólera que afecta os dois países. Segundo o Ministro da Saúde do Malawi, Khumbize Kandodo Chiponda, este é o pior surto de cólera dos últimos 20 anos, com quase 263.000 infecções e 852 mortes até então reportadas desde que o primeiro caso foi registado em Março do ano passado.
Do outro lado da fronteira, em Moçambique, foram registados quase 1.400 casos e 18 mortes, na sua maioria na província do Niassa. As províncias de Tete e Zambézia, que fazem fronteira com o Malawi, estão em alerta máximo. Domingos Guiole, do Departamento de Vigilância da Saúde Pública, alertou que os casos podem também facilmente alastrar-se à Província de Nampula (a mais populosa do país) devido à mobilidade de pessoas e bens.
Uma pessoa pode ser infectada através da ingestão de água ou alimentos contaminados com a bactéria da cólera (vibrião colérico), que provoca diarreia grave, vómitos e desidratação que pode ser fatal se não for tratada. Os surtos tendem a seguir o ciclo anual da estação das chuvas e afectam desproporcionadamente as comunidades que não têm acesso ao saneamento básico e à água limpa. Nas áreas que se debatem com o actual surto, a falta de infraestruturas e de recursos para campanhas de educação e sensibilização para a saúde pública está a dificultar o controlo da propagação. Tais crises são susceptíveis de ser agravadas pelas alterações climáticas à medida que os padrões pluviométricos se tornam cada vez mais intensos e imprevisíveis.
Tal como a pandemia da COVID-19, o actual surto de cólera sublinha a necessidade urgente dos governos investirem em água e saneamento seguros. A melhoria do acesso aos serviços sustentáveis de água e saneamento não servirá apenas para controlar a cólera, mas também ajudará a parar a propagação de uma série de outras doenças transmitidas por via da água, tais como a diarreia, responsável por 20% das admissões hospitalares em Moçambique e que é a segunda principal causa de morte em crianças menores de cinco anos nos dois países.
A redução do peso das doenças aumentará a produtividade na medida em que reduz os níveis de absentismo laboral. Poupará dinheiro do orçamento do estado na medida em que menos pessoas procuram cuidados curativos em hospitais e clínicas. Além disso, permitirá que mais crianças permaneçam na escola e recebam uma melhor educação. Este é, particularmente, o caso das raparigas que frequentemente têm a responsabilidade de percorrer longas distâncias para ir buscar água e optam frequentemente por ficar em casa quando estão na fase do período menstrual, devido as condições não higiénicas nas escolas.
Breve histórico sobre a cólera – um caso de sucesso
A cólera não é um fenómeno novo. Tem atormentado a humanidade durante séculos, e afigura-se como uma doença altamente letal. Em Londres, a população cresceu rapidamente durante o século XIX e o seu sistema de esgotos foi incapaz de fazer face a este fenómeno. Isto levou ao infame “Grande Fedor” de 1858, quando o Rio Tamisa ficou tão poluído que o fedor podia ser sentido durante quilómetros ao redor. Foi por volta desta altura que o médico britânico John Snow descobriu que a cólera era transmitida através da água contaminada. As suas descobertas levaram ao desenvolvimento de medidas de saúde pública, tais como a construção de um sistema melhorado de esgotos. Como resultado, os casos de cólera diminuíram significativamente. A lição da experiência de Londres é clara: investir no saneamento é crucial para prevenir a propagação da doença.
Instamos os governos do Malawi e de Moçambique a darem prioridade aos serviços de água e saneamento sustentáveis como um investimento “sem remorsos”. Dada a ligação clara entre alterações climáticas, água e saúde pública, defendemos também que a comunidade internacional disponibilize mais fundos para a adaptação ao clima a fim de apoiar melhorias na água e no saneamento em países de baixo rendimento. Tal acção será fundamental para ajudar construir a resiliência a médio e longo prazo das populações vulneráveis que não contribuíram quase nada para a pegada global de carbono, mas que já estão, injustamente, a suportar o peso do impacto das alterações climáticas.
Autoria:
Mercy Masoo, Director Nacional da WaterAid – Malawi
Adam Garley, Director Nacional da WaterAid – Moçambique