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28 de April, 2025

Nova Era: Cem dias de uma “lua-de-fel”

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A dois dias do fim dos primeiros 100 dias de governação de Daniel Chapo, que terminam a 30 de Abril, a realidade e a percepção no terreno rejeitam liminarmente o timbre triunfalista da avaliação que o executivo faz do seu período de “lua-de-mel” ou de “fel” de um matrimónio que para muitos sectores foi celebrado sob coação, atento à rejeição, pontuada com bastante violência, dos resultados das eleições gerais de 09 de Outubro de 2024.

Herdeiro de um profundo descontentamento dos funcionários públicos, Daniel Chapo colocou em posição cimeira o pagamento de salários e subsídios em atraso aos trabalhadores do Estado. Enquanto se exultava com esse alegado feito, muitos servidores públicos denunciavam à imprensa que os ordenados estavam a ser saldados “a conta-gotas” e de forma aleatória.

Magistrados disseram à “Carta” que quase todos os subsídios devidos à classe ainda não foram liquidados e que há juízes que apanham “Chapa” com arguidos que condenaram, porque não têm dinheiro para pagar combustível para a viatura.

No último quarto do tempo de “lua-de-mel”, a Associação dos Profissionais de Saúde (APSUM) já anunciou a realização de greve, acusando o Governo de Daniel Chapo de ter enganado estes trabalhadores. Para a APSUM, os 100 dias mostraram que “muda o disco, toca o mesmo”, uma metáfora para enfatizar que continuam a sentir-se ludibriados, como foram no governo de Filipe Nyusi.

Uma associação representativa dos professores também já anunciou a realização de greve, mantendo-se um “divórcio” com uma classe que foi fundamental para a manutenção da Frelimo no poder.

Criação de emprego

Atormentado com o peso que o elevado nível de desemprego jovem jogou nos tumultos pós-eleições, Daniel Chapo prometeu medidas com impacto na criação de postos de trabalho, mas a realidade tem sido dominada com dados que indicam que mais de 12 mil pessoas se juntaram ao contingente de desempregados, na sequência das manifestações contra as eleições gerais.

Com mais um recuo no Produto Interno Bruto (PIB), no primeiro trimestre deste ano, a seguir a uma queda de 4,87% no quarto trimestre de 2024, em termos homólogos, de acordo com dados do Banco de Moçambique, Daniel Chapo não encontrou alicerces favoráveis à criação de emprego, nos primeiros 100 dias.

Diálogo nacional inclusivo

Durante uma campanha eleitoral em que teve o diálogo e a reconciliação nacional como pano de fundo, Daniel Chapo conseguiu a aprovação em lei, pelo parlamento, e a consequente promulgação do Compromisso Político para o Diálogo Nacional Inclusivo, bem como um encontro com Venâncio Mondlane.

Mas a violência política, ainda que de baixa intensidade, continua, com assassinatos e ataques a figuras da oposição, como aconteceu com o homicídio de dois membros do PODEMOS, em Vilankulo, e a tentativa de assassinato do MC Trufafá, “mobilizador” dos comícios de Mondlane.

O celebrado encontro entre o Presidente da República e o segundo candidato presidencial mais votado não tem impedido que os dois políticos troquem acusações sobre a violência pós-eleitoral, inflamando o actual ambiente de “paz armada” em que Moçambique se encontra.

Fundo de Recuperação Económica

Para socorrer as micro, pequenas e médias empresas severamente atingidas pela destruição que acompanhou os distúrbios pós-eleitorais, o executivo de Daniel Chapo aprovou o Fundo de Recuperação Económica (FRE), no valor de 10 mil milhões de meticais.

Logo após o anúncio do envelope financeiro, a Confederação das Associações Económicas (CTA) atacou a taxa de juro de 15% do referido mecanismo e outros empresários apontaram a burocracia e complexidade como empecilhos no acesso ao dinheiro.

As ligações entre uma empresária da restauração, que recebeu um cheque desse fundo das mãos de Daniel Chapo, e a Frelimo adensaram os receios de que as verbas vão novamente ser drenadas através de esquemas de clientelismo político, embolsando a favor de elites ligadas ao partido no poder.

Renegociação com as multinacionais

O ímpeto inicial do discurso de Daniel Chapo de renegociar contratos com as multinacionais do sector extractivo já esbarou com a ameaça da empresa irlandesa Kenmare de levar Moçambique a tribunal, caso Maputo se recuse a renovar o contrato de produção das areias pesadas de Moma, na província de Nampula.

A Kenmare entende que tem o respaldo da lei para exigir judicialmente o prolongamento do vínculo que lhe dá a concessão mineira de Moma e diz estar disponível para uma maior contribuição para os cofres do Estado moçambicano, mas não descarta a hipótese de levar Maputo a tribunal internacional arbitral, caso não seja “honrado o direito claro” da extensão do contrato.

A empresa comunicou às autoridades moçambicanas a disponibilidade para aumentar a taxa de royalty de 1% para 2.5% e aumentar os investimentos na comunidade, mas essa margem foi rejeitada pelo Governo.

Daniel Chapo reiterou a urgência da revisitação dos contratos com as multinacionais, apontando a Mozal como um dos casos de “caducidade” moral, mas não deu sinais de como é que irá quebrar compromissos geralmente rígidos e a favor do grande capital.

Outra proeza que o executivo de Daniel Chapo tem brandido sobre os primeiros 100 dias e ligado a multinacionais é o lançamento do projecto de construção da “Cidade Petroquímica Nacional”, em Vilankulo, avaliado em dois mil milhões de dólares.

A unidade terá uma capacidade para produzir mais de um milhão de toneladas de produtos petroquímicos por ano e é detida pelo grupo chinês, Phoenix International Group, com sede em Hong Kong, e a sua construção será concluída em 2028.

O projecto inclui área residencial, com escolas para os filhos dos trabalhadores, hospitais com tecnologia de ponta e centros comerciais. A infra-estrutura incluirá centrais térmicas, terminais marítimos, estações de tratamento e unidades de produção de todos polímeros termoplásticos.

Habitação

Na área da habitação, o acontecimento mais notório foi o lançamento no dia 02 deste mês do projecto habitacional “Phoenix”, que prevê a construção de cerca de seis mil apartamentos, com a promessa de que terá preços acessíveis e será um contributo para a solução do problema de habitação para os jovens.

Mas o elevado nível de desemprego jovem, altas taxas de juros e baixo poder aquisitivo geraram logo cepticismo sobre a viabilidade dessa solução. Por outro lado, voltaram a ecoar críticas de ambientalistas em relação ao local escolhido para o empreendimento, na zona de Chiango, em Maputo, numa espécie de retenção de água.

Cabotagem

Daniel Chapo cumpriu a promessa de relançamento dos serviços de cabotagem marítima em Moçambique, durante os primeiros 100 dias de governação, com a entrada em operação de dois navios de grande porte, adquiridos por entidades privadas, que vão assegurar o transporte regular de mercadorias, entre os principais portos nacionais.

As novas embarcações incluem um navio de carga geral de 120 metros de comprimento, com capacidade para transportar mais de nove mil toneladas — o equivalente a 250 camiões — e um navio porta-contentores de cerca de 80 metros, com capacidade para 144 TEUs (unidades equivalentes a contentores de 20 pés). Ambas reforçam as operações dos portos de Maputo, Beira, Nacala e Pemba.

Com 100 dias de uma “lua-de-mel” azeda, o Governo de Daniel Chapo terá uma dura empreitada para evitar um divórcio litigioso e traumático com os moçambicanos.

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