A construção de um prédio de 22 andares (com mais quatro andares abaixo do solo) na Av. Julius Nyerere, um empreendimento da empresa Mota Engil (uma empresa de capitais portugueses, ligada ao Partido Socialista, e que em Moçambique tem estado a construir prédios para as elites governamentais) tem sido alvo de uma grande indignação por parte dos moradores dos prédios adjacentes à obra. Desde o ano de 2014 que as respectivas Comissões de Moradores (CM) tentam sem sucesso que o Conselho Municipal de Maputo (CMM) faça valer as leis, direitos e normas vigentes, obrigando os construtores da obra a cumprirem com o que as mesmas estipulam.
A principal questão para os moradores é o respeito pelas normas de segurança que o projecto de construção do prédio deve tomar em conta de modo a salvaguardar a infra-estrutura dos prédios adjacentes, bem como as normas em vigor de circulação e acesso visual.
No entender dos moradores, este caso reflecte a situação de in(justiça) com que se tem gerido os destinos da cidade.
Os moradores apresentam as suas preocupações ao CMM, as suas razões são reconhecidas pela lei, mas as instituições, no caso o CMM, o Tribunal e a Procuradoria da Cidade, acabam agindo a favor dos prevaricadores. Actualmente, ao fim de uma década de luta colectiva junto das instituições da autarquia municipal e da justiça, as Comissões de Moradores dos prédios adjacentes envolvidos nesta disputa enfrentam uma decisão judiciária, emanada pelo Juiz da 3ª Secção, José Macaringue, que, contra a proposta dos queixosos, agiu a favor da empresa Mota Engil, o que implica a cobrança do valor de 7.140.892 meticais (sete milhões, cento e quarenta mil oitocentos e noventa e dois meticais), a ser pago pelas respectivas Comissões de Moradores, agravado por uma notificação do mesmo tribunal obrigando que este pagamento seja efectuado no prazo de cinco dias, sob pena de penhora dos seus bens. Ou seja, os moradores agiram na defesa das leis, o CMM e a Procuradoria da Cidade negaram-se a intervir sobre ilegalidades por todos reconhecidas, incluindo o tribunal, mas no fim o Juiz decidiu a favor dos prevaricadores e instou os queixosos a pagarem uma quantia que lhes é completamente inacessível, sob pena de penhora dos seus bens.
Uma breve cronologia dos factos:
Fazem parte deste longo processo instaurado pelas respectivas Comissões de Moradores um volumoso número de contactos realizados ao longo do tempo entre cartas enviadas e recebidas, bem como diversas reuniões, com o CMM, Mota Engil e outras entidades envolvidas, estudos técnicos encomendados pelos moradores a consultores especializados na matéria, entre outras acções.
2014: As CM apresentam ao CMM várias preocupações relativas a construções na zona e solicitam informações sobre a avaliação ambiental bem como acesso ao projecto das obras. O CMM recusa a necessidade de Estudo do Impacto Ambiental e acesso ao projecto informando que apenas podia partilhar informações depois da aprovação do projecto.
2015: Depois de múltiplas insistências com trocas de expediente e encontros com colaboradores da Direcção de Urbanização e Construção (DUC), são feitas promessas de melhoria da comunicação e partilha de informação. As CM têm acesso a um projecto incompleto tendo sido levantadas várias questões que nunca foram respondidas.
2016: As CM contratam um estudo independente e preliminar de diagnóstico e avaliação de risco para os dois prédios adjacentes à obra projectada. Nesse estudo, são sugeridos vários riscos e feitas recomendações para mitigar os riscos. O estudo é partilhado com o CMM, mas nunca houve qualquer resposta por parte deste.
2017: Continuando a verem negado o acesso ao projecto, alegando o CMM confidencialidade, as CM recorrem ao Tribunal Administrativo, pedindo que se intime o Conselho Municipal da Cidade de Maputo a facultar documentos relativos às obras em curso.
2018: É exarado um Acórdão pelo Tribunal Administrativo que intima o Presidente do CMM a fornecer toda a informação bem assim facultar a consulta ao processo de construção. O CMM informa que o vai fazer, mas não cumpre a directiva judicial. Os moradores continuaram a não ter acesso ao projecto.
2021: A Mota Engil informa que está a preparar o início das obras e as CM negam a vistoria aos seus prédios enquanto não tiverem acesso ao projecto.
2021: Uma nova vereação no CMM compromete-se a disponibilizar o projecto e as CM contratam uma equipa especializada para a consulta. A equipa é convocada pelo CMM e depara-se com a situação de que, afinal, não existia projecto depositado no CMM. O Vereador compromete-se a não autorizar a obra enquanto não houvesse consulta ao projecto por parte dos moradores.
2022: A demolição da moradia existente no talhão inicia sem licença de demolição e medidas para proteger os vizinhos das poeiras provocadas. A licença de construção também não está finalizada e o trabalho é interrompido. Meses mais tarde, a mesma Vereação emite uma licença de construção sem que os moradores tivessem qualquer informação.
2023: Os moradores promovem uma interpelação extrajudicial junto do CMM pedindo cumprimento de decisão judicial feita ao CMM, referente ao cumprimento dos termos do Acórdão de 2018. Face à ausência de resposta por parte do CMM, os moradores apresentam uma denúncia na Procuradoria da Cidade sobre eventuais ilegalidades na obra pedindo o seu embargo. A Procuradoria não ordena um embargo, mas obriga o CMM a fornecer o projecto. As CM têm, finalmente, acesso ao projecto (na Procuradoria) e contratam especialistas para fazer uma avaliação do mesmo.
2024: É produzido um documento com o título “Avaliação dos Impactos Arquitectónicos e de Engenharia do Projecto da Construção dum Edifício de 22 Pisos, nos Edifícios Adjacentes Existentes”. O estudo constata várias ilegalidades e riscos à segurança dos moradores. A Procuradoria solicita à Universidade Eduardo Mondlane uma avaliação técnica a qual aponta igualmente vários problemas que requerem alterações. O CMM recebe os documentos, mas ignora-os, nunca tendo respondido aos moradores. A Mota Engil compromete-se a ter em atenção os relatórios, mas não satisfaz nenhum dos pedidos constantes nos mesmos.
Acção judicial
Não obstante vários encontros e declarações de boas intenções por parte da Mota Engil e do CMM, ambas entidades continuaram a não atender às questões levantadas nos três relatórios técnicos elaborados e na posse do CMM. Face a esta situação, as CM decidiram, em representação dos moradores, mover uma segunda acção judicial, solicitando o embargo da obra mediante a apresentação de múltiplas evidências de ilegalidade. As audiências decorreram em 2024, tendo o juiz decidido improcedente por questões de ordem técnico-jurídica. No acórdão são reconhecidas válidas as razões apresentadas pelos moradores, mas dados os problemas processuais, o embargo não poderia ser realizado, passando o assunto para julgamento. O julgamento considerou igualmente procedente pelos mesmos motivos alheios meramente processuais.
As CM recorreram de novo à Procuradoria da Cidade de Maputo, a qual promoveu um encontro entre as partes numa tentativa de concertação. Durante a reunião, a Procuradora constatou que a licença da obra estava expirada. Contrariando a postura tida durante uma década, a empresa Mota Engil disponibilizou-se, num prazo de cinco dias, a apresentar uma proposta de retificação do projecto de forma a ir ao encontro da lei e das preocupações dos moradores. Passaram-se vários meses e nenhuma proposta foi apresentada. Entretanto, a obra continuou.
Com enorme estupefação e indignação, as CM receberam uma intimação do Tribunal para pagamento, no prazo de cinco dias, do valor de 7 140 892 meticais (sete milhões cento e quarenta mil e oitocentos e noventa e dois meticais) referentes aos autos e sob pena de penhora de bens.
Os moradores dos prédios afectados são cidadãos, são munícipes, têm o direito de articular as suas preocupações legítimas, quer visando a sua segurança e bem-estar, quer defendendo a boa conservação da cidade e do meio ambiente. Por isso têm igualmente direito de monitorar a aplicação das leis e regulamentos existentes por quem de direito e não devem desistir de protestar quando for necessário. É por isso que, ao longo da década, muitos indivíduos têm investido o seu tempo e forças na procura de justiça.
A recusa do Tribunal, do CMM e da Procuradoria da Cidade em fazer valer direitos que lhe são reconhecidos, mas negados, constitui, do ponto de vista dos moradores, uma violação dos direitos dos munícipes e descredibiliza as instituições. Ademais, a intimação do Tribunal para pagamento, no prazo de cinco dias, do valor de 7 140 892 meticais referentes aos autos e sob pena de penhora de bens, foi recebida com indignação pelos moradores e seus representantes que, ao clamarem pelo respeito da lei e o respeito pelas normas em vigor na autarquia, se vêem finalmente condenados pelos órgãos de quem esperavam respeito pelos seus direitos e JUSTIÇA! (Carta de Moçambique)