Dois anos após a sua entrada em funcionamento em Moçambique, o táxi por aplicativo da Yango está, nos últimos dias, sob forte crítica de seus usuários, com vários relatos nas redes sociais digitais apontando para o perigo iminente de usar esses serviços na Área Metropolitana do Grande Maputo.
Yango é um serviço de táxi por aplicativo de mobilidade urbana, que iniciou as suas operações em Moçambique em novembro de 2022, na cidade de Maputo, com vários motoristas registados no sistema. No início das suas actividades, a plataforma atendia cerca de 10% da população moçambicana como seus clientes e cobrava uma tarifa-base que variava de 50 a 70 MZN. Na mesma época, o serviço da Yango foi bastante contestado por vários motoristas de táxis de praça, sobretudo aqueles que não operam por aplicativo por causa dos preços.
O relato de quem perdeu tudo
Amina Lourenço Mondlane (nome fictício) conversou com “Carta” e contou que, na última semana de janeiro, por volta das 20 horas, solicitou um Yango da cidade da Matola para levá-la ao Alto Maé, sua residência. Quando o motorista chegou, Amina notou que ele aparentava ter cerca de 40 anos de idade e estava conduzindo um Alion cinza, mas no aplicativo constava um Sienta. Um facto estranho.
“Ele perguntou o meu nome e se eu tinha solicitado um Yango. Respondi que sim. Por estranhar a viatura, assim que entrei no carro, compartilhei todas as informações com meu irmão.”
A viagem parecia estar a correr bem até chegarem no Alto Maé, próximo à Praça 21 de Outubro, quando o motorista decidiu entrar numa das ruas escura e pouco movimentada. Quando a rota mudou, a passageira perguntou o que estava acontecendo. O motorista respondeu que precisava de um minuto para urinar em algum lugar, pois estava apertado.
“Fiquei apreensiva e, quando tentava desbloquear meu celular para informar ao meu irmão o que estava acontecendo, o motorista tirou uma arma, apontou para mim e disse que era um assalto. Retirou minha bolsa, meu celular e a peruca e mandou que eu descesse do carro. Sem olhar para trás, ele me disse para sair correndo, e arrancou o carro em alta velocidade. Em pânico, comecei a pedir socorro e fui imediatamente socorrida por um casal que me levou à esquadra mais próxima para denunciar o caso e pedir para ligar para o meu irmão para que ele fosse me encontrar”, contou.
“Quando o meu irmão chegou, me levou para casa e pedi que não relatasse o ocorrido aos meus pais, pois eu havia ido a uma festa sem a permissão deles. Agradeço a Deus que o pior não tenha acontecido, mas, a partir daí, jurei para mim mesma que nunca mais pegaria um Yango”, enfatizou.
Um assaltante cinquentão
Uma cidadã, que preferiu anonimato, compartilhou a sua história que aconteceu no sábado, 22 de fevereiro. Ela conta que solicitou um táxi por aplicativo na zona do Jardim. Ao chegar, percebeu que o motorista tinha pouco mais de 55 anos e, na sua maior inocência, entrou no carro, convicta de que chegaria ao destino sem problemas.
“Quando solicitei o carro, era para me deixar em casa, no bairro da Malanga. Mas, pouco tempo depois, o motorista fingiu ter recebido uma chamada de uma cliente que habitualmente solicita os seus serviços. Acreditei e não vi problema em ele desviar para pegar a suposta cliente e dividir a viagem. No meio do caminho, o motorista desviou da rota e seguiu para uma rua no Fajardo, onde estacionou o carro, usou uma máscara e anunciou o assalto. Levou meu dinheiro e celular”, contou a segunda vítima.
Desconfiança da Carmen salvou-a de pesadelo
Carmen Chissico (nome fictício), uma jovem de 25 anos, passou por um constrangimento em janeiro. Ela conta que usou o aplicativo Yango para chamar um táxi próximo para levá-la ao destino desejado. Por volta das 21h, o carro chegou, mas, ao observar as descrições no aplicativo, ela notou que o carro não correspondia às informações fornecidas.
“Em comunicação com o motorista, fui direccionada ao veículo. Antes de entrar, questionei o motivo de a matrícula e a marca do carro serem diferentes da descrição. O motorista disse que havia trocado de carro, pois o outro estava em manutenção. Essa situação me fez perceber que a informação no aplicativo nem sempre condiz com a realidade. Apesar da insistência do motorista, não cedi e optei por um transporte público”, detalhou.
Artista Kátia Agy escapa a sequestro
Kátia Agy, artista musical, empreendedora e profissional da mídia moçambicana, partilhou nas redes sociais o susto que viveu na quarta-feira da semana passada, depois de solicitar um serviço da Yango. Ela conta que, após um dos seus afazeres, chamou um Yango. O motorista ligou para avisar que estava a três minutos de distância e, ao chegar, telefonou novamente.
“Quando atravessava a rua para entrar no carro, percebi um desconforto imediato: haviam dois homens dentro do veículo. O que aparecia no aplicativo estava no banco do passageiro, mas o condutor era outro não identificado. Recusei-me para entrar e o motorista, com tom apressado, tentou justificar: “Sou instrutor do Yango e estou ensinando a ele como funciona, pois, é a primeira vez dele.” Isso não fazia sentido. Questionei: ‘Se você é instrutor, sabe que não deveria estar no carro com ele, pois, os motoristas passam por uma formação antes de começar a trabalhar e não andam com instrutores!'”
O motorista insistiu para que ela entrasse, dizendo que iria descer. Katia permaneceu firme na recusa. Então, o motorista mudou a história: “Na verdade, ele só veio-me deixar. Meu carro está perto, vou descer e você pode subir “.
“Eu já desconfiava, mas agora tinha certeza de que algo estava errado. Cancelei a viagem e me afastei rapidamente. Ele não desistiu, desceu do carro e veio atrás de mim, com um sorriso estranho e repetindo a mesma história. Meu coração disparou. Pedi que ele se afastasse. Ele hesitou, voltou ao carro e arrancou! Arrepiei e a pergunta que me faço até hoje é: O que teria acontecido se eu tivesse entrado naquele carro?”
Ainda insegura, Kátia chamou outro Yango e, para esclarecer a sua suspeita, perguntou sobre o procedimento para motoristas iniciantes. O condutor confirmou que a instrução é dada na sede e que nunca há instrutores acompanhando motoristas durante as viagens. Na verdade, isso é expressamente proibido!
“Fica o alerta: nunca entre num carro onde estão duas pessoas. Se algo parecer errado, confie na sua intuição, cancele a viagem e saia do local”, alertou.
A resposta da Yango a Kátia Agy
No dia seguinte, Kátia Agy compartilhou na sua página no Facebook a resposta que obteve ao canalizar a sua denúncia à Yango:
“A Yango Moçambique ficou de me informar sobre o andamento da ‘investigação’ que supostamente estão conduzindo sobre a minha denúncia. No entanto, considerando o histórico da empresa, que se limita a chamadas e mensagens automáticas sem qualquer acção concreta, sinceramente, tenho poucas expectativas de que façam algo. Afinal, banir um motorista por conduta duvidosa não parece ter impacto nas suas vidas ou agendas “.
“Diante disso, sinto-me na obrigação de divulgar a matrícula do carro em questão para que todos fiquem em alerta. Se a Yango realmente se preocupa com segurança e organização, tomará providências. Caso contrário, ficará claro que se trata de negligência “.
Mais uma tentativa de sequestro
Marla Joaquim Mahumana (nome fictício), escreveu também na sua página no Facebook, que, apesar das histórias de susto sobre a Yango, resolveu chamar um táxi por aplicativo. Ela perguntou se o motorista não era um dos “famosos” por razões sobejamente conhecidas. Ele respondeu que não havia evidências de que os relatos fossem verdadeiros e que poderia ser apenas concorrência tentando destruir a boa imagem da Yango.
“Decidi chamar outro Yango, que chegou em menos de um minuto. Eram dois homens e o motorista disse: ‘Podes entrar’. Respondi imediatamente: ‘Não subo em Yango com duas pessoas’. Ele disse que o outro senhor iria descer, mas ele ficou parado ao lado do carro, enquanto o motorista me chamava. Cancelei a viagem e chamei outro Yango “.
Marla compartilhou a foto do motorista para alertar a outras pessoas, especialmente mulheres: “Se o Sr. é inocente, recomendo que não volte a fazer isso, porque é muito suspeito. Para mim, foi um grande susto. Por que dois homens num carro para transportar uma passageira, especialmente uma mulher? E se o outro era passageiro, o que estaria fazendo no local de onde fui buscar?”
Outra face da moeda: o pesadelo dos motoristas
Mauro José Macamo, um motorista que opera com suporte do aplicativo da Yango, disse que vários motoristas estão a prejudicar a maioria. Nem todos têm comportamentos desviantes, mas existem também passageiros que provocam situações difíceis.
“Eu comecei como motorista da Yango no ano passado. O carro é de um amigo, e por semana ele exige que eu lhe dê 5.000 Mts. Em 2024, eu conseguia fazer esse valor, mas nos últimos dias tem sido difícil, pois muitas pessoas têm receio de pegar um Yango. Já tive duas situações em que passageiras, ao chegarem ao destino, baixaram as calças para que eu fizesse o que quisesse. Como não é minha maneira de ser, pedi que elas subissem as calças e as convidei para descer do carro, pois percebi que esse comportamento acontece quando elas não querem pagar”, relatou.
Macamo desabafa dizendo que o serviço da Yango tem se tornado menos rentável, pois a taxa que os motoristas pagam aumentou de 10% para 15% pela viagem.
“Temos tentado conversar com o proprietário do aplicativo para encontrar soluções, mas eles não entendem e nem se preocupam com as nossas dificuldades. Por isso, muitos de nós, nos últimos dias, pedimos que os clientes cancelem a viagem e os levemos com a viagem cancelada, para não termos que pagar a taxa. Estamos destruindo os carros, e o valor que arrecadamos no fim do dia não é suficiente para manutenção dos veículos”, explicou.
Izildo Silvestre, outro motorista da Yango, comentou que uma das fragilidades do serviço é o processo de cadastro dos motoristas.
“A Yango diz que para alguém usar o aplicativo precisa estar filiado a uma associação, mas isso não é verdade. Eu comecei a usar a plataforma sem passar por formação, sem serem feitas inspecções nos carros. Acho que é aí que entram os oportunistas “.
Silvestre acredita que a Yango precisa crescer, investir na segurança dos motoristas e passageiros e melhorar a qualidade do serviço.
“Nós motoristas, também temos nossos problemas não resolvidos. Em 2024, apresentei mais de 200 reclamações e não fizeram nada. Eles só actualizam o aplicativo em benefício próprio, mas o desconto oferecido aos clientes prejudica os motoristas. Não há descontos para abastecer ou para manutenção dos carros “.
Na Área Metropolitana do Grande Maputo, que comporta os municípios de Boane, Matola-Rio, Matola, Maputo e Marracuene, nos últimos tempos, têm aumentado os casos de tráfico de mulheres e órgãos, e assassinatos. Além disso, há cada vez mais relatos de motoristas da Yango com comportamentos estranhos. Como mecanismo de cidadania para autoprotecção e prevenção, grupos de cidadãos e indivíduos voluntariosos estão a divulgar nas redes sociais digitais algumas dicas de segurança, como a confirmação da matrícula e o envio da localização em tempo real pelo WhatsApp.
Após ouvir os depoimentos das vítimas, “Carta” interpelou o director da Yango em Moçambique, Mahomed Zameer Adam. Em contacto telefónico, este sugeriu que a solicitação da entrevista fosse feita correio electrónico. Assim procedemos. No entanto, até hoje não obtivemos resposta. (M.A.)