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19 de May, 2025

Sociedade Civil congrega-se em núcleo tenaz e lança o repto: “Fundo Soberano devia estar na Constituição da República”

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O Fundo Soberano devia constar da Constituição da República para evitar a “vulnerabilidade política” da existência e gestão daquela conta alimentada pelas receitas do gás natural, consideram activistas. A inclusão do Fundo Soberano na lei fundamental do país foi defendida durante um seminário sobre o “Papel da Sociedade Civil na Monitoria da Gestão do Fundo Soberano de Moçambique”, realizado na quarta-feira, em Maputo.

“Os recursos naturais são do povo soberano e, por isso, a conta das receitas provenientes dessas riquezas deve merecer dignidade constitucional”, afirmou o jurista e docente universitário João Chicote, com vários trabalhos sobre a indústria extractiva.

A estabilidade, segurança e rigidez da Constituição da República pode blindar o Fundo Soberano de uma utilização errática desta conta e a sua dependência em relação aos ciclos legislativos, acrescentou Chicote.

“A lei sobre o Fundo Soberano é relativamente nova, talvez não fosse sensato modificá-la agora, para suprir as lacunas que lá estão, mas a abertura já manifestada pelo actual Chefe de Estado para a alteração da Constituição podia ser uma oportunidade soberana para a estipulação de cláusulas sobre o Fundo Soberano”, afirmou.

João Chicote entende que os recursos colossais que serão “embolsados” pelo Fundo Soberano e a importância deste instrumento para o desenvolvimento económico e social e para as futuras gerações justificam a consagração constitucional.

“Estamos a falar de um fundo que vai receber valores astronómicos e que terá um tempo de vida útil, se calhar, de mais de 100 anos de vida, o que justifica a sua dignidade constitucional”, enfatizou.

João Chicote apontou a consagração constitucional do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) como exemplo da necessidade de fazer a previsão de instrumentos estruturantes na “carta magna” da República.

“Timor-Leste tem na sua Constituição uma indicação expressa de que as receitas provenientes dos recursos petrolíferos serão destinados para as reservas financeiras criadas pela própria Constituição da República”, comparou.

Enquanto o legislador constituinte institui instrumentos financeiros fundamentais, caberá ao legislador ordinário a regulação, através da indicação das percentagens a adjudicar a esses mecanismos, explicou.

Por seu turno, Fátima Mimbire, coordenadora do Movimento Cívico Sobre o Fundo Soberano, criticou o facto de a lei não indicar especificamente as áreas para onde devem ser canalizadas as verbas do Fundo Soberano destinadas aos projectos de desenvolvimento.

“A lei fala de áreas estruturantes, mas não indica exactamente quais e que percentagens, abrindo caminho para uma utilização oportunista dos recursos do fundo”, enfatizou Mimbire.

Apontou os sectores de desenvolvimento humano como saúde e educação como domínios que deviam merecer prioridade na alocação de recursos, porque têm um efeito multiplicador para o país.

A preocupação sobre a falta de discriminação das áreas para as quais devem ir as verbas do Fundo Soberano também foi manifestada por João Chicote, que assinalou que a lei só fala de canalização para a “poupança, estabilização fiscal e desenvolvimento”.

“Por exemplo, na rubrica sobre desenvolvimento, podiam ser canalizados recursos com potencial de retorno, como construção de uma estrada com portagem, porque vai gerar uma remuneração geradora de receitas que podem ser usadas para programas de desenvolvimento ou áreas essenciais”, enfatizou Chicote.

Fátima Mimbire criticou ainda o silêncio do Banco de Moçambique sobre a constituição do mecanismo de gestão operacional do Fundo Soberano, mais de um ano após a aprovação desta conta, onde devem ser depositados 40% das receitas de gás natural do Rovuma.

 “O Banco de Moçambique tem a responsabilidade da gestão operacional do Fundo Soberano, mas, mais de um ano após a sua criação, mantém-se calado”, afirmou Fátima Mimbire, coordenadora daquela entidade.

Mimbire considera que o silêncio do banco central adensa os receios de opacidade na gestão do Fundo Soberano, que levaram organizações da sociedade civil a contestar a decisão – vertida em lei – de que os recursos provenientes das receitas de gás natural sejam administrados pelo regulador financeiro moçambicano.

“As dúvidas em relação à transparência na gestão do fundo tem a ver com o controlo político do Banco de Moçambique, o que não dá garantias de independência”, sublinhou.

Aquela activista social também manifestou dúvidas em relação à independência das figuras que serão escolhidas para a comissão de gestão operacional do Fundo Soberano, criticando o facto de esse processo ser da responsabilidade do governador do Banco de Moçambique.

O economista Rui Mate, do Centro de Integridade Pública (CIP), também criticou o “silêncio” do Banco de Moçambique, notando que essa postura pode estar relacionada com o uso indevido de recursos provenientes da exploração de gás natural.

“O Governo tem problema de liquidez, seria estranho estar em condições de guardar dinheiro [para o fundo soberano], pode ser este o movimento que leva o Banco de Moçambique a estar calado”, salientou Mate. (José Machicane)

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