A suspensão do financiamento do programa Millennium Challenge Corporation (MCC) por parte do Governo dos Estados Unidos deixa Moçambique sem um dos maiores investimentos estrangeiros públicos da última década.
Com um valor total de 537,5 milhões de dólares, dos quais 500 milhões seriam doados pelos EUA e 37,5 milhões pela contrapartida nacional, o chamado Compacto II era mais do que um plano de obras: era um projecto de reforma estrutural e transformação social.
Com o encerramento anunciado da MCC, todos esses projectos correm o risco de serem cancelados, afectando directamente o crescimento económico sustentável, o desenvolvimento da infraestrutura rural e a segurança alimentar em uma das províncias mais populosas e vulneráveis do país.
Além disso, Moçambique já tinha beneficiado de um primeiro compacto da MCC, entre 2007 e 2012, no valor de 506,9 milhões de dólares, aplicado em projectos de água e saneamento, reabilitação de estradas e apoio aos produtores de coco na luta contra doenças devastadoras. A interrupção de novos financiamentos representa, assim, uma perda significativa de continuidade nos esforços de desenvolvimento.
Durante a reunião interna, os funcionários da MCC foram informados que a agência deverá encerrar as suas operações dentro de 90 dias, após a decisão do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), liderado por Elon Musk. A suspensão ocorre apesar dos históricos de boa gestão e auditorias limpas da MCC, e não resulta de má conduta financeira.
A suspensão dos fundos da MCC coloca em risco os avanços já planeados e aprofunda a vulnerabilidade de Moçambique no acesso a financiamento externo para os programas estratégicos de desenvolvimento económico e social. O Compacto II estava estruturado em três pilares fundamentais, cuja implementação visava melhorar significativamente a vida de milhares de moçambicanos:
1. Infraestrutura de transporte e conectividade rural
Previa-se a construção de uma ponte de 1.800 metros sobre o rio Licungo, a cerca de 5 km da travessia actual, e uma estrada circular de 16 km que conectaria a nova ponte à Estrada Nacional Número 1, na nevrálgica província da Zambézia. Além disso, estava planeada a reabilitação de diversas estradas rurais. Estes projectos visavam facilitar o acesso a mercados, escolas e unidades sanitárias, melhorando a mobilidade e o escoamento de produtos agrícolas.
2. Promoção do investimento na agricultura comercial
Este pilar propunha reformas fiscais e políticas para atrair o sector privado à agricultura comercial, com a criação de uma plataforma comercial na Zambézia. A ideia era transformar a agricultura de subsistência em uma actividade economicamente viável e sustentável, com geração de renda para milhares de camponeses.
3. Meios de vida costeiros e resiliência climática
O terceiro componente era voltado à protecção ambiental e adaptação às mudanças climáticas, incluindo a restauração de mangais, promoção da pesca sustentável e fortalecimento das comunidades costeiras para resistirem aos impactos do clima. Essas acções eram particularmente importantes para regiões vulneráveis da Zambézia.
Para além das intervenções em infraestruturas, o MCC incorporava um robusto pacote de reformas institucionais e reforço da governação, com destaque para a capacitação institucional, onde os órgãos públicos locais e nacionais ganhariam autonomia e eficiência na gestão de projectos.
O programa apostava na promoção da boa governação, com transparência e prestação de contas, e na inclusão social, assegurando a participação activa de mulheres e jovens nos processos de desenvolvimento. Ou seja, com a implementação do Compacto II, esperava-se também a criação de milhares de empregos directos e indirectos, bem como o fortalecimento das capacidades institucionais locais.
O Millennium Challenge Account (MCA-Moçambique), criada especificamente para gerir os fundos e projectos do programa, simbolizava um passo importante rumo à gestão transparente e autónoma de recursos de desenvolvimento.
Daniel Chapo desdramatiza a situação
Falando na última quinta-feira, durante o briefing da sua visita de trabalho à província de Tete, o Presidente da República, Daniel Chapo, defendeu que o corte não causa qualquer impacto, visto que as obras ainda não tinham começado.
“Ainda não tinha acontecido a obra, estava basicamente na província da Zambézia, em Mocuba. Se tivesse começado, se interrompesse, enquanto as obras já começaram, aí é que seria complicado. Portanto, é um corte, que nós gostaríamos de ter a obra, mas como ainda não começou a obra, achamos que é um corte legítimo. O dinheiro é americano e não moçambicano e cabe aos donos tomarem decisões e a nós cabe respeitar”, disse.
Aliás, desdramatizando a situação, Daniel Chapo enfatizou que o corte não era somente para Moçambique, mas para todo mundo. “Há informações de que são cortes só de Moçambique, não é só de Moçambique. O Governo norte-americano está a fazer corte em todo mundo, incluindo Moçambique. Neste corte não há excepção. É preciso clarificar isso”.