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5 de May, 2025

“O sindicalismo perdeu a capacidade de mobilizar, inspirar e representar os trabalhadores” – Ruth Castel-Branco

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Ruth Kélia Castel-Branco é académica, sindicalista e activista. Doutorada em Sociologia pela Universidade de Witwatersrand, é docente na mesma instituição e investigadora sénior no Southern Centre for Inequality Studies [Centro Sul de Estudos para a Desigualdade] onde dirige o ramo de pesquisa sobre o Futuro do Trabalho. As suas áreas de especialização incluem: a transformação económica e a reestruturação dos mercados de trabalho, o trabalho precário e organização de trabalhadores informais, o papel redistributivo do Estado e a protecção social. “Carta” aproveitou o Primeiro de Maio para interpelá-la e entrevistá-la sobre a história e situação actual dos trabalhadores moçambicanos.

Carta da Semana (CS): Com o país independente há mais de 49 anos, a situação dos trabalhadores moçambicanos só se tem deteriorado, como se vê pelos acentuados conflitos laborais. O que estará por detrás desta degradação da condição social e económica dos trabalhadores moçambicanos? Até que ponto as opções de políticas económicas podem ter contribuído para o agravamento da situação dos trabalhadores moçambicanos?

Ruth Kélia Castel-Branco (RKCB): Moçambique tem um dos índices mais elevados de pobreza e de desigualdade no mundo. Uma das razões chave é a falta de emprego digno. Apenas 15% da população economicamente activa são trabalhadores assalariados. Destes, pouco mais da metade são considerados trabalhadores formais, com acesso a protecções laborais e sociais. Leis e regulamentos inadequados, evasão por parte dos empregadores e a fraca fiscalização por parte da Inspecção Geral do Trabalho são algumas das razões pelas elevadas taxas precarização no sector formal. Os restantes 85% não têm outras opções a não ser tentar “desenrascar” a vida através de uma multiplicidade de actividades no sector informal, largamente como camponeses, artesãos e pequenos comerciantes. Porém, como indicam as taxas oficiais de pobreza, que andam por volta de 65%, a maioria não ganha o suficiente para satisfazer suas necessidades básicas. A precariedade do trabalho é resultado de uma série de factores, incluindo a subordinação histórica da economia moçambicana às lógicas do capital internacional, as políticas económicas adoptada pelo governo da Frelimo e as dinâmicas de luta de classes.

É difícil resumir os 49 anos da nossa independência numa história linear, pois, houve várias rupturas na conjuntura política e económica. Durante o tempo colonial, a maioria dos trabalhadores moçambicanos era considerada “não qualificada”, recebia salários extremamente baixos, trabalhava sob condições muito precárias, era proibida de formar sindicatos ou de contribuir para a segurança social, e podia ser recrutada para o trabalho forçado a qualquer momento.

Após a independência, o governo da Frelimo tentou eliminar estruturas de opressão colonial, fortalecer o poder popular e construir as bases para uma sociedade socialista. Socializou os meios de produção, desracializou as relações laborais e expandiu o acesso aos serviços públicos, incluindo a saúde, educação, saneamento e habitação. A esperança era que Moçambique se tornaria num país desenvolvido dentro de uma década. Porém a campanha de destabilização pela Rodésia e a Africa do Sul contra o país, as contradições das políticas centralizadas adotadas pelo governo da Frelimo, e a intensificação da guerra com a Renamo contribuíram para uma crise profunda no país.

Nos finais dos anos 80, o partido da “aliança operária-camponesa” adotou o Programa de Reestruturação Económica sob pressão do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. O PRE resultou na liberalizar a economia, a privatização das empresas públicas e redução da despesa pública, incluindo para os serviços sociais básicos. O impacto destas reformas para as classes trabalhadoras foi terrível. Cerca de meio milhão de trabalhadores perderam os seus empregos, a Organização dos Trabalhadores de Moçambique perdeu dois terços dos seus membros, e os novos empresários (muitos deles aliados ao partido no poder) adoptaram estratégias extremamente repressivas. Foi durante este período, que as empresas começaram a terceirizar as suas funções e os trabalhadores permanentes foram reclassificados como trabalhadores auxiliares com contractos de curta duração. A incapacidade de resposta da OTM, resultou na fragmentação do movimento sindical no início do 1990, e a criação de uma segunda confederação, a CONSILMO.

A expansão das indústrias extractivas no novo milénio criou grandes expectativas sobre o futuro económico do país. No entanto, resultou na aceleração da expropriação de terras e de recursos naturais, na “afunilação” da base produtiva e a redução de investimento em sectores de mão-de-obra intensiva, e na crise da dívida pública que, por sua vez, reduziu a capacidade redistributiva do estado. Para o movimento sindical, a concentração de investimento em sectores intensivos em capital constitui um problema estrutural, pois, limita a sua base social. Muitas empresas são abertamente hostis perante os sindicatos nacionais e o estado pouco faz para proteger os trabalhadores. Hoje, o movimento sindical tem pouca influência política, enfrenta grandes dificuldades em negociar e implementar os acordos colectivos de trabalho, e está a perder membros rapidamente. Na última década, os sindicatos nacionais filiados à Organização dos Trabalhadores de Moçambique-Central Sindical sofreram uma redução da taxa de sindicalização de em média 25%.

⁠CS: Há uma “captura” político-partidária dos sindicatos tradicionais, pelo partido no poder, Frelimo, que retira legitimidade a essas organizações e fragiliza a luta sindical. ⁠Essa captura é uma herança do tempo em que vigorou o princípio da “aliança operário-camponesa” que a Frelimo impôs no tempo de partido único?

RKBC: Moçambique nunca teve um movimento sindical independente, com uma cultura de contestação. Durante o período colonial, os únicos sindicatos permitidos eram os sindicatos criados pelo governo fascista. Com a independência, o governo da Frelimo criou os conselhos de produção ao nível das unidades de produção. No início, os trabalhadores tinham alguma autonomia para fazer decisões sobre o processo laboral, mas ao andar do tempo, os conselhos de produção se tornaram em condutores das decisões tomadas ao nível central. O seu objectivo principal era promover a consciência de classe para cumprir as metas de produção. Qualquer forma de resistência era considerada um exemplo de falta de consciência de classe e um atentado contra a soberania do estado. Após a adopção do PRE, o sindicalismo perdeu a sua força. Hoje, a cultura de medo, aliada à captura política pelo partido no poder, constrange o seu campo de acção. Portanto, em períodos, quando a conjuntura política favorecia as classes trabalhadoras, esta aliança ao poder resultou em algumas victórias. Porém, a actual conjuntura política favorece as oligarquias nacionais e internacionais. Por tanto, é imperativo que o movimento sindical assuma uma abordagem mais interventiva em prol dos interesses das classes trabalhadoras moçambicanas.
CS: Como reverter esta situação…

RKBC: Existem quatro possíveis cenários para o movimento sindical: a marginalização total; a contínua dualização do mercado de trabalho, com a focalização sindical num núcleo restrito das classes trabalhadoras; a substituição dos sindicatos por organizações não-governamentais; e a revitalização do movimento sindical. Se o movimento sindical vai sobreviver, tem de assumir um papel mais interventivo na sociedade. Isto requer uma visão política mais clara sobre a sua função e a sua base social. A sua base social não pode ser limitada a um núcleo restrito de trabalhadores no sector formal. Tem de incluir todas as classes trabalhadoras, incluindo jovens e mulheres, os trabalhadores casuais, informais e até desempregados. É também necessário reforçar os processos democráticos internos, promover a independência partidária e forjar alianças estratégicas com outros elementos da sociedade civil. Só assim é que o movimento sindical poderá fortalecer o seu poder associativo de modo a influenciar as decisões políticas e transformar as condições de trabalho e de reprodução social.

CS: Ao nível da Função Pública há a emergência de novas organizações de defesa dos interesses dos trabalhadores, como está a acontecer com os professores, enfermeiros e médicos. Estas associações são uma alternativa ao sindicalismo tradicional e tem força suficiente para se afirmarem como defensores das classes dos trabalhadores que representam?

RKBC: Para o movimento sindical, os trabalhadores da função pública são um grupo estratégico, pois constituem um terço dos trabalhadores assalariados.

Porém, o movimento sindical tem tido uma grande dificuldade em sindicalizar este sector, dadas as restrições impostas pelo governo da Frelimo. Na ausência de uma presença sindical no sector, surgiram várias associações que zelam pelos interesses de certas profissões. Esta tendência não é atípica em contextos onde existe uma lacuna de representação sindical. Aliás, com a precarização do trabalho ao nível mundial, temos visto o surgimento de várias estruturas híbridas – associações, cooperativas, organizações não governamentais – que assumem as funções de sindicatos, mas não são sindicatos tradicionais. Algumas operam completamente fora do movimento sindical, a maioria opta por algum nível de integração.

Em conjunto, elas fazem parte de um movimento laboral mais abrangente. Um dos desafios das respostas sectoriais é que podem reproduzir desigualdades no mercado laboral. Por exemplo, em 2022, o Governo introduziu uma Tabela Salarial Única, que foi extremamente controversa. Mas a TSU também reduziu a desigualdade salarial. Entre 2021 e 2022, o salário mínimo para a função pública aumentou em 87%, de 4.691,00 Meticais a 8.758,00 Meticais. Portanto, uma estratégia que foca apenas num sector ou profissão dificilmente poderá avançar uma agenda transformadora ao nível nacional. Por isso, é importante ter uma maior concertação entre organizações laborais. (José Machicane)

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