O antigo diretor das empresas beneficiárias das dívidas ocultas em Moçambique disse hoje em tribunal que estava fora de “cogitação” pagarem-se “gratificações” recorrendo aos montantes destinados aos equipamentos fornecidos pela Privinvest, empresa acusada de pagar subornos.
“Nem cogitávamos isso, não está no nosso imaginário que a Privinvest possa pagar gratificações” retiradas “do valor dos bens e serviços que nos forneceu”, declarou António Carlos do Rosário.
Rosário respondia a uma pergunta do Ministério Público sobre se havia garantias de transparência no tipo de contrato que as três empresas estatais beneficiárias do dinheiro das dívidas ocultas assinaram com a empresa de estaleiros com sede no Dubai.
“Não havia espaço para isso fazer parte do nosso debate ou ser preocupação para nós, como equipa de trabalho, como moçambicanos que estavam à procura de uma solução”, declarou.
Questionado sobre a opção do modelo de contrato “chave na mão” – entrega de equipamentos e bens prontos a usar mediante pagamento prévio -, o antigo presidente das três empresas observou que essa opção se afigurou como a melhor: assegurava que a Privinvest fornecia todo o sistema de que Moçambique necessitava para a implementação do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva.
“Nós comprámos uma solução e o fornecedor deu-nos essa solução com as especificações que nós queríamos, dentro do preço acordado”, afirmou.
O contrato com a Privinvest, continuou, previa o fornecimento de barcos de pesca de atum com dispositivos de recolha de informação sobre atividades suspeitas nas águas moçambicanas e ainda de patrulheiros, satélites, radares, lanchas rápidas e helicópteros para a proteção da Zona Económica Exclusiva.
O negócio também resultou na formação de moçambicanos no país, França e Alemanha para utilização dos referidos meios, acrescentou o antigo presidente das três empresas.
António Carlos do Rosário avançou que as especificações dos equipamentos foram discutidas por peritos moçambicanos e da Privinvest, tendo seguido requisitos internacionais preconizados nos “certificados de qualidade”.
Rosário referiu que não podia entrar em mais pormenores sobre as razões por detrás do tipo de contrato assinado com a Privinvest, apontando “razões de segurança de Estado”.
O antigo presidente das três empresas beneficiárias do dinheiro das dívidas ocultas afirmou que especialistas moçambicanos acompanharam no local a produção dos equipamentos previstos no contrato, visando a garantia de qualidade e das especificações técnicas.
O Grupo Privinvest é acusado pelo Ministério Público moçambicano de ter mobilizado recursos junto do Credit Swisse e do russo BTV para pagamento de subornos com o dinheiro das dívidas ocultas.
O dinheiro foi angariado junto daqueles bancos visando o financiamento da implementação do projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva.
O antigo presidente das três empresas e que também era diretor da Inteligência Económica do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) é acusado de ter sido subornado com 8,9 milhões de dólares (7,6 milhões de euros) pelo seu papel no projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva e criação das três empresas que a justiça considera que foram usadas como ardil para a mobilização dos empréstimos.
Rosário responde por associação para delinquir, peculato (apropriação ilegal de recursos do Estado) e branqueamento de capitais.
A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas de se terem associado em “quadrilha” e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) – valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso – angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.
As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.(Lusa)