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24 de Agosto, 2021

Das confirmações às contradições de Cipriano Mutota: Saiba o que o primeiro arguido respondeu ao juiz

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Já decorre, no Estabelecimento Penitenciário da Máxima Segurança (vulgo B.O.), na província de Maputo, o julgamento do maior escândalo de corrupção em Moçambique, no período pós-independência, no qual estão envolvidos 19 arguidos, entre eles antigos dirigentes dos Serviços de Informação e Segurança de Estado (SISE).

 

Esta manhã, o juiz do caso, Efigénio Baptista, interrogou Cipriano Sisínio Mutota, oficial do SISE, Director do Gabinete de Estudos e Projectos à data dos factos.

 

Nascido na Localidade de Mugeba, distrito de Mocuba, província da Zambézia, a 02 de Janeiro de 1958, Mutota é apontado como o indivíduo que recebeu, em primeira mão, o Projecto de Protecção da Zona Económica Exclusiva de Moçambique, proposto pela Abu Dhabi Mar LC, pertencente ao grupo Privinvest.

 

Até ao fecho deste texto, Cipriano Mutota ainda estava sendo ouvido, porém, Carta patilha as perguntas e respostas referentes à primeira parte da sua audição. Aqui constam as perguntas feitas pelo juiz e as respostas dadas pelo arguido.

 

Juiz: Então, Sr. Cipriano Sisínio, ontem ouviu a digna representante do Ministério Publico a ler a acusação, então o que tem a dizer dos factos que lhe são imputados.

 

Cipriano Mutota (CM): A respeito dos factos que me são imputados, quero retornar ao assunto. Na minha qualidade de Director do Gabinete de Estudos e Projecto, o meu Director me incumbiu uma missão de fazer um estudo sobre as grandes ameaças, sobre as recolhas de informação que as linhas operativas tinham recolhido. Fizemos um estudo, onde tínhamos o fenómeno do terrorismo, fenómeno da pirataria, imigração ilegal, tráfico de drogas via marítima e sequestro. Fizemos o estudo, elaboramos as conclusões e submetemos ao Conselho de Direcção e que submeteu ao Conselho Consultivo (…) para que depois elaborasse a informação que segue para os consumidores, portanto, nesta medida já tínhamos cumprido a nossa missão.

 

Juiz: Quando foi incumbido para fazer estes estudos?

 

CM: Os estudos levaram por um a dois anos. Iniciaram entre 2007 a 2008.

 

Juiz: Quem são os consumidores?

 

CM: Existe uma lista de consumidores (linguagem técnica), o Comandante Chefe (Presidente da República é o número 1), o Primeiro Ministro. No caso vertente, acredito que esta informação obedeceu só este canal (…), naturalmente que depois disso tivemos uma resposta.

 

Juiz: Quando?

 

CSM: Meritíssimo, não posso precisar as datas, mas tivemos uma resposta por aí, em 2010. Uma das respostas, foi que temos que elaborar soluções especificas sobre as diversas situações que estavam elencadas. As medidas eram adotação de meios humanos para a fiscalização de fronteiras e para o controlo da costa, lacustres, fluviais e ilhas que efectualmente temos na costa moçambicana (…). Num certo dia, o Director me contactou e disse que tenho que ir assistir um encontro que tinha as propostas de soluções sobre certas soluções que poderiam nos ajudar. Estava com os colegas de informática e que trabalham com tecnologias e informação. O encontro realizou-se no Ministério de Ciências e Tecnologias, no tempo do então Ministro Venâncio Massinga (…), assistimos a apresentação e que estava realizado com a Zona Económica Exclusiva. A empresa identificou-se como Abu Dhabi Mar.

 

Juiz: Quem estava neste encontro?

 

CM: O senhor Jean Boustane e uma senhora que se dizia ser representante da empresa Abu Dhabi Mar para zona austral de Africa. Recolhemos as brochuras do encontro e fui dar ao meu Director, o Senhor Gregório Leão (…), no fim do encontro foi onde fomos a um encontro com o Senhor Boustane, Batsatsane, o Teófilo e outros, onde falamos dos projectos em questão (…).

 

Juiz: Quando ocorreu esta apresentação?

 

CM: Por aí entre finais 2010 a princípios de 2011, levei a apresentação ao meu Director e ele disse que já havia recebido a informação do Rosário, meu colega (…). Depois disso, tivemos encontro com uma série de entidades, entre eles, o Ministério das Pescas, Transportes, Interior, Defesa e no SISE (…). Esta indicação veio depois de uma sugestão do Ministro das Finanças (Manuel Chang) e que tinham um projecto similar nestes ministérios sobre questões da imigração ilegal, pesca ilegal (…) e tínhamos que parcelar estes projectos isolados num único projecto e este depois ia verificar a questão do financiamento. Felizmente, as instituições anuíram e convertemos num único projecto (importa salientar que no inicio de 2011, já fazia contactos com o Senhor Teófilo Nhangumele e falei com ele e sugeri – conheci o senhor Teófilo na Escola, no Instituto Superior de Relações Internacionais, hoje Universidade Joaquim Chissano, por volta de 2004 por ai). A ideia foi para ajudar numa empresa chamada MULEPE e que tínhamos dificuldades nas instalações e o Senhor Teófilo mostrou-se aberto e partilhamos o mesmo escritório na Avenida Amílcar Cabral e quando a renda subiu mudamos juntos. Foi aí que começamos a interagir e convidei ele para fazer parte, uma vez que a empresa dele tinha os serviços de tradução e interpretação (…) e tinha comunicado ao meu Director que ia com o Senhor Teófilo.

 

Juiz: A MULEPE, o que é?

 

CM: A MULEPE é uma sociedade limitada, composta por mim, Cipriano Mutota, Gregório Leão e o Senhor Pen. O representante do Senhor Gregório Leão era o irmão da Ângela Leão, Benjamim Marcelo Buque e que depois viria a integrar a equipa de sócios e a empresa Esculapio.

 

MU – Mutota; LE – Leão; PE – O Senhor Pen

 

Quando o senhor Benjamim Buque sai então, pedi ao Teófilo para acompanhar-me e fiz o relatório e apresentei ao Senhor Director (…). Houve uma serie de apresentações e o Senhor Director levou para os consumidores e pediu-se para recolher mais elementos e pediu-se para que se fizesse um estudo de viabilidade (que compunha a parte da fundamentação que era sobre a parte de os custos, até que ponto, os valores iam viabilizar o retorno dos valores e o número global que tínhamos era de 360 milhões de USD e com este valor, dissemos que este estudo era viável (…). As FDS é que iriam fazer parte do estudo e que as empresas que não fazem parte das FDS, seriam continuamente contactadas (…). A partir disso, começaram as comunicações com outras entidades (participei em dois encontros com o Comandante-em-Chefe, com os Ministros das Pescas, Interior, Finanças e da Defesa). Participei em duas apresentações no Gabinete do Presidente da República (eu fiz a fundamentação e o Teófilo fez a apresentação da parte financeira).

 

JUIZ: Quem deu esta ordem?

 

CM: Foi o Director-geral e também foi abordado neste encontro pelo Comandante-Chefe (…). O Ministro da Defesa já comandava o grupo e passou a dirigir a reunião, onde se decidiu que já deveriam começar com questões concretas e que cada sector tinha que indicar os «focal point» para os projectos.

 

JUIZ: Quando se decidiu…?

 

CM: Já tínhamos o draft e que o Ministro das Finanças indicou a Senhora Isaltina Lucas, que era Directora do Tesouro, que trabalhou com o Senhor Teófilo – teve vários encontros com ela, até sair o draft definitivo.

 

JUIZ: O focal point nas finanças era a senhora a Isaltina?

 

CSM: Sim, Meritíssimo.

 

JUIZ: Quem fez a proposta final?

 

CSM: Fui eu, o senhor Teófilo e a Dra. Isaltina, com o seu saber técnico na parte financeira.

 

JUIZ: Que veículo é este?

 

CSM: O Veículo, numa conversa com o Teófilo, decidimos que seria PROINDICUS. A seguir começa a discussão de que estaria em frente, tendo ficado 50% para a Monte Binga (através do Ministério da Defesa) e o SISE propôs os nossos serviços sociais (através da GIPS) para ficar (…), mas o Ministério do Interior não tinha ainda nenhuma entidade para o representar, o que levou a que o SISE tivesse ficado com os outros 50%, mas o acordo era que logo que o Ministério do Interior ficasse com a sua respectiva parte através da DALO (…). Mas, entre 2013/14 comecei um estágio no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e que Dezembro de 2014, eu deveria seguir para a missão. Eu não assisti a legalização. Não testemunhei.

 

JUIZ: Tem mais alguma coisa a falar?

 

CSM: Sobre isso, não. Meritíssimo.

 

JUIZ: Nos autos consta que o Senhor recebeu uma chamada de uma senhora?

 

CSM: Meritíssimo, não confirmo. Conheço esta senhora no Ministério das Ciências e Tecnologias e a sala estava cheia e existe uma lista de participantes.

 

JUIZ: Quem mais estava?

 

CM: Estava na sala, o Ministro, o Secretário Permanente, o meu colega da Informática e outros oficiais…

 

JUIZ: E esta questão de que um certo dia, o senhor recebeu uma chamada…

 

CM: Levei o Senhor Teófilo para uma apresentação no Ministério das Ciências e Tecnologias.

 

JUIZ:  A dada altura, o senhor diz ter tido um encontro com senhor, chamado Guebuza, e não o Presidente da República, que se intitula de General e que era familiar do antigo Presidente da República…

 

CM: Confirmo.

 

JUIZ: O senhor já teve um encontro fora deste com o Senhor Teófilo?

 

CM: Sim, no Ministério das Finanças.

 

JUIZ: Consta nos autos que o Senhor disse que o custo inicial era de 302 milhões de USD e que o Senhor Teófilo falou com o Senhor Jean Boustani para acrescentar mais 50 milhões de USD.

 

CM: Meritíssimo, ao longo do processo, o valor flutuou, oscilavam entre 310 milhões de USD até chegar a 360 milhões de USD.

 

JUIZ: Senhor disse nos autos que o Senhor Teófilo aumentou o valor para 360 milhões de USD.

 

CM: Os custos aumentaram ao longo do processo para aquisição dos radares a curto e longo alcance (…).

 

JUIZ: Em relação a acusação do MP…

 

CM: Meritíssimo, o que eu disse não é isso, algum ruído aí neste texto. Estes são meus amigos do tempo da luta contra o Apartheid e trabalhei na protecção deles (…).

 

JUIZ: Tem aí o processo… o que eu quero é que verifique assinatura nas suas declarações.

 

CM: Eu não confirmo, mas a assinatura é minha.

 

JUIZ: O senhor não se reuniu no restaurante Sagres com os representantes da PRIVINVEST?

 

CM: Não é isso, Meritíssimo. Eu estive reunido com Joe para falar da estrada Moamba-Xinavane e que havia um concurso na altura (…).

 

JUIZ: Ainda na acusação sobre a vinda Batsatsane, que trouxe uma apresentação para ser encaminhada ao Presidente da República (…) que apresentou uma proposta de financiamento do projecto (…), o que significativa FEE?

 

CM: É um valor de agradecimento pelo trabalho prestado ao longo desse processo.

 

JUIZ: Qual é este processo?

 

CM: O projecto da ZEE, que seria pago no fim positivo do processo.

 

JUIZ: Acerca do acréscimo dos 50 milhões de USD, no contrato como FEE, o senhor disse na Procuradoria que os senhores acrescentaram o valor de 50 milhões como FEE.

 

CM: Confirmo.

 

JUIZ: Então, quanto era o valor inicial do Projecto?

 

CM: O valor inicial sem o acréscimo era 302 milhões de USD.

 

JUIZ: E qual foi o valor final do contrato de fornecimento?

 

CM: Já não estava lá.

 

JUIZ: E os 366 milhões de USD?

 

CM: A parte final de como ficou, eu já não estava lá.

 

JUIZ: Agora, esta parte que diz que entregou o documento ao senhor Teófilo e que o senhor Teófilo ficou por falar com Armando Ndambi Guebuza que iria falar com o pai para aprovação do projecto (…).

 

CM: Confirmo.

 

JUIZ: Quando contactado o senhor Armando Ndambi Guebuza, o que foi dito?

 

CM: Não mim recordo.

 

(…)

 

JUIZ: Houve uma viagem para Alemanha, onde visitou-se os estaleiros da Privinvest, onde faziam parte Armando Ndambi Guebuza, Bruno Tandane, António Carlos do Rosário no dia 19 a 20 de Dezembro de 2011…

 

CM: Confirmo. Este grupo deveria ser integrado por mim, Ndambi, António do Rosário e Bruno (…). Sucede que, eu tive um falecimento e pedi ao Director para ser substituído pelo Senhor Teófilo Nhangumele e o Director anuiu.

 

JUIZ: O senhor Bruno Tandane e Ndambi Guebuza eram membros do SISE?

 

CM: Não sei, Meritíssimo.

 

JUIZ: Quem financiou a viagem?

 

CM: Não sei. Na altura, eu tive uma infelicidade e dirige-me a Zambézia, acabava de perder minha irmã.

 

JUIZ: O senhor confirma quase tudo que está aqui na acusação, menos o encontro com o senhor Joe, onde foi apresentado o projecto?

 

CM: Confirmo, Meritíssimo.

 

JUIZ: Passando algum tempo, a Senhora Ângela Leão perguntou ao declarante se havia recebido a sua parte do valor e esta orientou que falasse com Teófilo Nhangumele sobre a sua parte (…). Confirma?

 

CM: Sim, confirmo.

 

JUIZ: Em conversa com estes, ficou acordado que Bruno Tandane e Teófilo Nhangumele iriam tirar 500 mil USD cada um e o que não veio acontecer.

 

CM: Confirmo.

 

JUIZ: Sobre a casa na África do Sul (…)

 

CM: Confirmo.

 

JUIZ: Sobre os pagamentos feitos por Jean Boustani em Abu Dhabi, onde ele recusou (…)

 

CM: Confirmo, Meritíssimo.

 

JUIZ: De Russell, o declarante recebeu 7 camiões cavalos sem atrelados importados do Reino Unido (…)

 

CM: Confirmo, Meritíssimo.

 

JUIZ: Dos 7 camiões, o declarante vendeu três para uma empresa situada na Matola (…)

 

CM: Confirmo, Meritíssimo.

 

JUIZ: Sabe qual é o despachante?

 

CM: Não me recordo, Meritíssimo.

 

JUIZ: Além dos camiões, recebeu valores que não pode especificar (…).

 

CM: Não me lembro.

 

JUIZ: De Austin, recebeu 600 mil USD, faltando a outra parte…

 

CM: Confirmo, Meritíssimo. Mas, entreguei o extrato e o valor da conta a PGR.

 

JUIZ: Para justificar o valor, o declarante mentiu ao banco que vendeu a sua participação as quotas da sua participação, numa empresa baseada em Londres vocacionada na Agricultura.

 

CM: Confirmo, meritíssimo, porque ainda não tinha vendido.

 

JUIZ: A comunicação com Boustani utilizava um email (…) e ao Telefone, não?

 

CM: Sim, Meritíssimo. Mas, via telemóvel era poucas vezes.

(Omardine Omar, na B.O.)

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