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9 de May, 2025

O dia em que fui da família do Chefe do Estado

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Em memória de Sancho Quipiço

Na tarde de domingo de 13 de Abril corrente, recebi de vários amigos e familiares a triste notícia do falecimento de Sancho Enosse Quipiço Júnior (1968-2025), quadro sénior dos Caminhos de Ferro de Moçambique e antigo presidente do Clube Ferroviário de Maputo. Sancho era um colega de trabalho e amigo de alguns meus familiares e amigos, logo também meu amigo.

Durante as cerimónias fúnebres, certamente que o seu percurso de vida, em particular o profissional, foi passado em revista. Fora o percurso profissional, Sancho teve, obviamente, também o seu percurso social. Nesta dimensão, vem-me à memória uma viagem à Bilene, um destino balnear da província de Gaza.

Corriam os primeiros meses da paz e o país se abria por dentro. A praia do Bilene foi para os maputenses um dos primeiros locais de usufruto do direito de ir e vir e de desfrute da bela natureza do país, que se erguia de esperança e sem o som das armas.

Nessa altura, num final de semana longo, e na primeira viagem à Praia do Bilene, em tempos de paz, conheci e privei com o ora saudoso Sancho Quipiço. O primeiro contacto foi na Macia, uma paragem técnica que era a última escala para o abastecimento ou reforço de toda logística.

No carro em que eu seguia, conduzia um familiar e colega de trabalho de Sancho. Feitas as apresentações e fechada a logística restava a etapa final do percurso da viagem (Macia-Bilene). Um detalhe: no carro em que ia o Sancho, um velho inglês (Land-Rover), sobejamente conhecido e já com a pele desbotada, a carroçaria estava abarrotada de caixas do Vale do Infulene e nem um sinal de algum líquido adoçado.

No destino, madrugada dentro e com a adrenalina no pico, chega à varanda, da residência em que me encontrava hospedado, dois ocasionais vizinhos. Era o Sancho e o igualmente saudoso Magaia, ambos colegas de trabalho e amigos, então uma dupla. Um deles trazia às costas uma caixa com vasilhames e procuravam refrigerantes para a ala feminina. Este detalhe ficou para a história registado como a primeira falha logística pós- Acordo de Roma, o Acordo Geral de Paz.

De regresso da Praia do Bilene, todo o cuidado na via se resumia na partilha de informação sobre a polícia. O velho inglês comandava a fila indiana de três viaturas. A viagem corria satisfatoriamente e todas as paragens técnicas eram rigorosamente respeitadas até que em Bobole, salvo erro, a comitiva é mandada parar pela polícia.

Pela abordagem posicional da polícia o assunto parecia sério. Uma vez ao comando do pelotão, e para se valer da posição, Sancho deixa o velho inglês em grande estilo e vai ao encontro da polícia, que no momento já estava preparada para iniciar uma revista aos carros do seu pelotão.

“Transporto a família do Chefe do Estado”. Foram as palavras mágicas do Comandante Sancho para a polícia, e esta, em seguida, em total aprumo protocolar, deu sinal para que o pelotão seguisse a viagem.

Na última paragem técnica, a de balanço, Sancho, justificando a inspiração da senha dada aos polícias, conta que seguia atrás da comitiva do então presidente Joaquim Chissano, que regressava da sua terra natal, Chibuto, província de Gaza, e por conta dessa proximidade a ideia de capitalizá-la para libertar o pelotão.

No passado dia 16 de Abril de 2025, o dia da sua última viagem, a do além, e ao som da chuva miudinha que caía, seguramente que a mesma inspiração não lhe faltou para a senha que o encaminhou, em sossego, para a paz eterna. Saravá, Sancho Quipiço!

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