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Maputo -

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5 de May, 2025

VAMOS FAZER DIFERENTE?

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Cabotagem em Moçambique: é desta vez?

Acredito que o relançamento da cabotagem em Moçambique, no dia 11 de Abril, foi acolhido com enorme satisfação pelo empresariado nacional, não ligado aos transportes rodoviários. Num país tão extenso em comprimento e com uma costa marítima de cerca de 2720 Km, fica difícil compreender por que razão o uso da via marítima, que não carece de endividamento dos parceiros de cooperação, que não sujeita o país à manipulação dos concursos, a adjudicação de empreitadas a empresas de consultoria, que não carece de tapamento sistemático de buracos e crateras, encontra morte prematura ao seu nascimento!

Há quatro anos, o grupo francês de logística Peschaud e o governo moçambicano relançaram o serviço de cabotagem, transporte marítimo de mercadorias, porto a porto, em Moçambique, com a ambição de ligar o país de norte a sul. O serviço ainda conectou durante cerca de um ano o porto de Maputo com Afungi, mas o ataque a Palma em 2021, para além de paralisar o investimento, afastou o maior cliente do Serviço Moçambicano de Cabotagem com a paralisação das actividades da TOTAL e a consequente interrupção da navegação por parte da SMC.

Diga-se, que já antes haviam sucumbido outras tentativas de fazer da cabotagem a opção para transportar boa parte das mercadorias e passageiros em Moçambique tendo a SMC, em 2020, diagnosticado a necessidade de processos mais simplificados, menos onerosos e que dessem respostas às críticas do passado. Os anos passaram e os obstáculos preval_eceram!

A então Vice-Ministra dos Transportes e Comunicações, em cerimónia pública em Pemba, vaticinava que a cabotagem era insustentável e corria o risco de ir à falência, como se a responsabilidade de manter vivo o sector fosse de terceiros e não do seu governo.

Diversos estudos e experiências práticas identificam barreiras significativas que, a não serem atendidas, impedem o desenvolvimento sustentável do transporte marítimo interno, desincentivam qualquer operador e tornam inviável a aposta neste sector vital da nossa economia. Entre elas destacam-se:

  1. A elevada burocracia portuária e aduaneira: a exigência excessiva de licenças, taxas e documentação, mesmo para trânsito doméstico, dificultam operações que deveriam ser simples e eficientes. Por exemplo, o envio de uma simples paleta de ração animal, de Maputo para Beira, tem de possuir licença da agricultura e quer esta mercadoria seja produzida em Maputo ou importada não dispensa o pagamento duma taxa ao Ministério da Agricultura para poder transitar; por outro lado, a burocracia inerente a colocar uma mercadoria num navio é igual a fazer uma exportação.
  2. Imposições regulatórias desajustadas à realidade comercial: a interdição de atracagem de navios sem quantidades significativas de contentores com destino a Maputo, por exemplo, revela um quadro regulatório rígido e obsoleto. A proibição de atracagem de navios com contentores em trânsito para outros destinos, que não Maputo, obrigando que toda a mercadoria seja descarregada e desalfandegada é sui generis moçambicana! Não acontece noutros quadrantes onde os navios podem atracar num determinado porto, descarregar as mercadorias que depois são transportadas em embarcações de pequena dimensão para o destino final;
  3. Desigualdades regionais na distribuição logística: a concentração da capacidade logística e económica a sul provoca desequilíbrios que inviabilizam o retorno económico das operações no sentido inverso (norte-sul). É o caso dos camiões que seguem cheios para norte, mas regressam vazios para sul, não existindo massa crítica na região centro e norte que viabilize o retorno dos camiões com carga e, quando existe, o preço do frete é baixo e, consequentemente, para equilibrar a factura do transporte, quem paga a factura é quem envia a mercadoria e, em última análise, reflecte-se no preço final ao consumidor;
  4. Infra-estruturas portuárias insuficientes: muitos, senão a maioria dos portos moçambicanos, carecem de equipamentos básicos como guindastes e áreas adequadas de armazenamento temporário, comprometendo a eficiência operacional;

Estes e outros obstáculos fazem com que se demore muito tempo a ligar os continentes a Moçambique, já que a companhia transportadora tem de criar massa crítica que justifique um navio só para Maputo, evitando carga para outros destinos.

Como resultado, há cada vez menos navios de mercadorias com destino a Maputo, Beira ou Nacala devido a barreiras sem lógica para o mercado. Onde num passado atracava mais de um navio por mês, hoje tem-se um de mês a mês e em cada dois meses.

Todas estas voltas pelo mar e por um universo eivado de burocracia e regras sem sentido acabam por tornar os produtos mais caros, mercadorias transportadas em navios maiores, e por isso mais onerosos, e uma gestão complicada do fluxo de mercadorias suficientemente grande que justifique a entrada do navio no porto.

Para obviar esses inconvenientes, as companhias de navegação deixam os contentores noutros portos de onde depois um navio menor os recolhe e os transporta para Maputo, com consequentes custos e atrasos.

A combinação dos obstáculos aliados à burocracia e corrupção adjacente e os longos períodos nos portos para a movimentação de mercadorias faz da cabotagem uma actividade inviável e todo o esforço do governo para dinamizar o sector não passará de simples intenção, a não ser que se faça diferente, começando por debelar os constrangimentos existentes.

II – Moçambique líder logístico regional: o que falta ao País?

Review of Maritime Transport 2023 – UNCTAD – diz que cerca de 80% a 90% do volume total de mercadorias a nível mundial é transportado por via marítima em virtude da sua capacidade de transportar grandes volumes a longas distâncias.

Com uma costa extensa e ligações regionais estratégicas, Moçambique tem o potencial de ser o líder logístico na África Austral. As cadeias de logística e sua interligação desempenham (ou deveriam desempenhar) um papel crucial no desenvolvimento económico de Moçambique, facilitando o transporte de mercadorias e a integração regional.

Para além dos desafios que se colocam com a manutenção cíclica de infra-estruturas (rodoviárias, ferroviárias e portuárias), sempre muito aquém do necessário, aponta-se como a principal fraqueza do sector logístico de Moçambique a conectividade limitada no sentido norte-sul e ligações que conectem corredores paralelos leste-oeste entre si.

Acrescem-se as questões de natureza operacionais e de conectividade, outras tão ou mais importantes e profundas e que têm a ver com o ambiente legal que regula este sector tão importante para a economia nacional.

O comércio marítimo em Moçambique tinha a sua regulação de forma mais ou menos sistémica e globalizante no LIVRO III – Comércio Marítimo-do Código Comercial de 1888, fundamentalmente, assente em diversa legislação sistematizada do período que vai de 1863 a 1969. Mantendo ainda em vigor diversa legislação desse período, ela foi actualizada por diversas leis, entre as quais a Lei do Mar, a Lei sobre a INTRASMAR, a Lei sobre o Registo da Propriedade Marítima, o Regulamento para o Exercício da Actividade de Agenciamento de Navios, Carga e Serviços Complementares, o Regulamento do Regime Aduaneiro de cabotagem Marítimo Regulamento do Trabalho Marítimo, o Regulamento de Transporte Marítimo Comercial, matérias de Lei aprovadas por Decreto e matérias de Decreto aprovadas por diplomas ministeriais, alguns recentes e outros do século passado, cuja dispersão não só dificulta a sua apropriação como também a sua interpretação e aplicação.

Quer a revisão global do Código Comercial de 2005 quer a revisão integral do mesmo em 2022 não revogaram o então LIVRO III do revogado Código Comercial por se entender, e correctamente, que o Transporte Marítimo ou o Comércio Marítimo deveria ser objecto duma legislação específica, regulando de forma sistémica e integradora toda a matéria essencial e conexa, dada a autonomia científica que este sector foi ganhando ao longo dos anos e tributaria de convenções internacionais que regulam o sector a nível mundial.

Em boa hora, o legislador adoptou algumas Regras de Roterdão no novo Regime Jurídico dos Contratos Comerciais aprovado pelo Decreto lei nr 3/2022 de 25 de Maio, deixando para momento posterior o tratamento sistémico e integral desta matéria até à data de hoje.

Os regimes jurídicos dos contratos de transporte marítimo internacional baseiam-se em três instrumentos internacionais, a saber: (i) as Regras de Haia-Visby de 1968 que regulam o transporte marítimo internacional de mercadorias, ratificados pela maioria de países que representam a maior parte das operações de comércio marítimo internacional; (ii) as Regras de Hamburgo estabelecidas em 1978 para modernizar as normas do transporte marítimo e (iii) as Regras de Roterdão adoptadas em 2008 para unificar as leis do transporte internacional de mercadorias.

Moçambique não ratificou nenhuma das 3 convenções, não obstante ter participado de reuniões relacionadas com a Convenção de Roterdão de 2008.

O mercado de transporte marítimo na região e no mundo é altamente competitivo para os países do hinterland e, por conseguinte, incompatível com legislação obsoleta e desajustada, que não acompanha as dinâmicas e as exigências que são requeridas a quem pretenda ser líder logístico na África Austral.

Não se compreende outro propósito que não este ao se criar o Ministério dos Transportes e Logística!

III – Recomendações e soluções propostas

Para superar estes desafios e transformar a cabotagem numa actividade economicamente sustentável e competitiva, sugere-se uma abordagem integrada em três eixos principais:

  1. Modernização e Simplificação Regulatória
    • Eliminação imediata de taxas internas injustificadas para mercadorias domésticas;
    • Redução drástica da burocracia associada ao transporte marítimo, adoptando procedimentos simplificados de licenciamento e fiscalização;
  1. Melhoria das Infra-estruturas Portuárias
    • Investimento em equipamentos essenciais (como guindastes e armazéns) nos portos estratégicos de Maputo, Beira, Nacala e Pemba;
    • Criação de plataformas logísticas que facilitem operações intermodais eficazes e rápidas;
  2. Alinhamento com Normas Internacionais
    • Adesão urgente às principais convenções internacionais sobre transporte marítimo, garantindo padrões competitivos globalmente reconhecidos
    • Revisão integral e imediata do enquadramento jurídico, com a promulgação e legislação especifica e coerente;

IV – Conclusões e perspectivas futuras

É crucial reconhecer que a revitalização da cabotagem não é apenas uma oportunidade económica. É também uma necessidade estratégica para Moçambique. Fazer diferente implica coragem para quebrar ciclos burocráticos viciosos e adoptar soluções pragmáticas e eficientes. A pergunta permanece: estaremos finalmente preparados para esta mudança necessária?

É tempo de agir com inteligência, pragmatismo e compromisso nacional

Vamos fazer diferente?

JP

 

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