Se um filósofo iluminado escrevesse hoje sobre a posição da África no sistema mundial, sua análise seria implacável. O continente africano continua a ser explorado pelas grandes potências capitalistas e mantido à margem do desenvolvimento econômico por estruturas neocoloniais e elites locais coniventes com o saque dos seus próprios povos. A pergunta que devemos nos fazer não é apenas “onde fica a África nisso tudo?”, mas sim: “como podemos romper as correntes da dependência e construir um futuro baseado na cooperação entre os trabalhadores africanos?”
O Imperialismo Moderno e a Pilhagem Contínua
Enquanto as potências como China, Rússia, Estados Unidos e União Europeia disputam hegemonia, a África continua a ser o celeiro de matéria-prima e um mercado consumidor passivo. A divisão do trabalho global imposta pelo capitalismo moderno relega o continente ao papel de fornecedor de recursos naturais e mão de obra barata, com economias pouco industrializadas e governos reféns de corporações estrangeiras. Este modelo é a essência do imperialismo descrito por Lenin – uma nova forma de colonialismo onde as armas foram substituídas por contratos, dívidas e tratados desiguais.
O “Dia D” e o Mito do Libertador Ocidental
O Ocidente continua a celebrar o Dia D como o marco da “libertação do mundo” do fascismo, mas esquece que, ao mesmo tempo, impunha sistemas coloniais brutais na África. França, Reino Unido, Bélgica e Portugal mantinham nações inteiras sob jugo enquanto proclamavam liberdade na Europa. Essa hipocrisia nunca foi totalmente desmontada e, hoje, se reflete na forma como as organizações internacionais, dominadas pelo capital, determinam as regras do jogo para a África sem permitir um papel decisivo aos africanos.
Agora, Trump anuncia um novo Dia D – não o desembarque na Normandia, mas um ataque à economia global através de tarifas protecionistas. A mesma economia norte-americana que, nos tempos dourados de Bretton Woods, evangelizava o mercado livre como panaceia universal, agora adota o mercantilismo às claras. Já não se chuta a escada discretamente; queima-se a escada inteira diante de todos, enquanto se declara que a justiça divina sempre esteve do lado do mais forte.
Se a África decidisse declarar “minérios africanos apenas para africanos” e expulsasse os exploradores de recursos não africanos, a resposta do Ocidente seria, no mínimo, um colapso diplomático e, no máximo, uma “missão humanitária” patrocinada por drones e sanções. O problema não é o protecionismo; é quem tem o direito de praticá-lo. Quando os EUA impõem barreiras comerciais, chamam de estratégia econômica; quando a África tenta recuperar suas riquezas, chamam de instabilidade e ameaça à segurança global. No fim, o discurso dos direitos humanos continua sendo a mais eficaz cortina de fumaça do imperialismo.
Rússia: Bloqueios e Resistência à Ordem Global
A Rússia, alvo de sanções ocidentais, conseguiu encontrar caminhos para fortalecer sua economia e se manter relevante no cenário global. O que fez de Putin um homem mau, faz de Nethanyau um santo sionista ungido. No entanto, a África, submetida a bloqueios comerciais informais e dependente de empréstimos estrangeiros, continua presa a um ciclo de miséria e subdesenvolvimento. Se um país como a Rússia pode resistir e se adaptar, por que a África ainda se submete a uma lógica de exploração? Porque falta uma coordenação internacional entre os países africanos, baseada na solidariedade de classe e no planejamento econômico independente das potências estrangeiras.
Trump, “America First” e o Desmonte das Organizações Internacionais
O desinvestimento de Trump em organizações multilaterais como a ONU e a USAID não foi um ataque apenas à governança global, mas também uma demonstração de que o capitalismo não se importa com o desenvolvimento da África. O sucateamento dessas instituições não fez com que os líderes africanos criassem alternativas viáveis de cooperação interna, apenas os deixou ainda mais vulneráveis às disputas entre as potências globais. A pergunta que se impõe é: até quando os africanos aceitarão ser reféns das flutuações do humor político do Ocidente?
A União Africana e a Urgência de um Projeto Revolucionário
A incapacidade da União Africana de formular um posicionamento comum é o reflexo do fracionamento do continente. Enquanto Ásia e América Latina avançam na construção de blocos econômicos que desafiam a ordem neoliberal, a África segue dividida, com governos que priorizam acordos bilaterais frágeis e que perpetuam a dependência externa. Se há uma lição marxista a ser aprendida, é que sem organização política e econômica entre os trabalhadores africanos, a África jamais conquistará sua verdadeira independência. Amanhã um novoTrump desligará os seus satélites e nós ficaremos aqui sem Internet, olhando o seu estrelado que cairá sobre a nossa inocência
Conclusão: A Última Chamada para a Revolução
A África não precisa de “parceiros”, mas de:
1. Expropriar os expropriadores: Nacionalizar minas, terras e bancos sob controle .
2. Ruptura com o FMI/Banco Mundial: Criar um sistema financeiro pan-africano lastreado em recursos, não no dólar.
3. Internacionalismo ou morte: Unir-se à América Latina e Ásia para formar uma frente contra a tripla exploração (imperialismo, capitalismo local e burguesia compradora).
4.
“Os imperialistas nos chamam de ‘terceiro mundo’ porque pretendem que haja um terceiro e último.” — Thomas Sankara (se vivo estivesse).
A história não esperará. Ou a África se levanta como classe trabalhadora continental, ou continuará de joelhos — agora com joelheiras feitas em Shenzhen, financiadas por Wall Street e lubrificadas com petróleo russo.
*Ivanick Lopandza é um jovem intelectual, poeta e activista social santomense, com ADN paternal congolês, membro fundador do colectivo Ilha dos Poetas Vivos em São Tomé no ano de 2022, com seus companheiros santomenses Marty Pereira, Remy Diogo e moçambicano MiltoNeladas (Milton Machel). Autor de livros de poesia, Ivanick é também bloguista, curando seu blogue Lopandzart.