Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

3 de Abril, 2025

Mais Que União, Precisamos de Unidade Africana!

Escrito por

Breve início…

No princípio, éramos pequenos clãs espalhados pelo continente africano, divididos por mentalidades tribais. Algumas tribos começaram a formar pequenas sociedades, que mais tarde deram origem a grandes civilizações. Antes disso, éramos uma única raça: a raça humana. Então, surgiu a invenção do “homem negro”, uma construção que atendia às necessidades expansionistas e coloniais da economia global. A ideia do “homem negro” que precisas ser batptizado, retirado do seu laço genealógico até que sobrasse uma relação de orgulho somente com o consumo como assistimos hoje, em muitos casos.

Essa invenção não surgiu de um processo natural, mas como uma ferramenta do sistema económico. O que hoje chamamos de condições culturais ou sociais são apenas desdobramentos externos dessa criação económica — o que Louis Althusser chamaria de “aparelhos ideológicos do Estado”.

Contudo, séculos de dominação colonial, marcados por contradições e em alguns casos, cumplicidades, fizeram com que, além da exploração económica, o homem negro perdesse sua terra, fosse saqueado e despojado de sua própria dignidade, porém, sempre um bom cristão. A violência do colonialismo não se limitou à exploração da força de trabalho: reduziu o homem negro a um objeto de entretenimento, a uma peça de zoológico, a uma mercadoria bestial. Mas essa humilhação gerou revolta. Oprimidos por tanto tempo, os povos indígenas do continente africano se prepararam para a luta. Séculos de resistência culminaram em um confronto que coincidiu com a nova fase do capitalismo global, permitindo que a luta africana contasse com o apoio de irmãos espalhados por diferentes continentes. Irmãos vítimas do fascismo na Europa, porque o capitalismo parece ter retirado a cor da classe trabalhadora… viramos irmãos do desespero. E o futuro mostrará que tirou cor também dos senhores da opressão.

O Nascimento da União Africana

A União Africana nasceu desse contexto. Sua criação representava a concretização do desejo de autodeterminação dos povos africanos, um continente onde a população autóctone pudesse decidir seu próprio destino. Mas desde o início, divergências sobre o método de integração surgiram.

De um lado, reunidos em Casablanca, estavam líderes como Kwame Nkrumah, Gamal Abdel Nasser, Modibo Keita e Sékou Touré. Eles defendiam uma “Super Federação Africana”, baseada em uma moeda única, política única e um pan-africanismo radical. No outro extremo, o Grupo de Monróvia, formado por países como Nigéria, Costa do Marfim, Etiópia e Libéria, preferia um modelo de cooperação gradual, preservando a “soberania” dos Estados e mantendo laços com o Ocidente, que à época estava imerso na Guerra Fria.

O resultado desse embate? O grupo de Monróvia venceu.

O Legado de Hailé Selassié e a OUA

Coube a Hailé Selassié consolidar essa visão. O imperador etíope, que já havia aplicado um regime despótico em seu próprio país, exportou para a recém-criada Organização da Unidade Africana (OUA) um modelo feudal e centralizador. Reverenciado como imperador pelos etíopes (da classe privilegiada) e como uma divindade pelos rastafáris, Selassié não demorou a estender sua influência para além das fronteiras etíopes. Assim, a OUA foi moldada por sua liderança, com um viés burocrático e, em muitos casos, ineficaz – no mesmo estado em que deixou Etiópia. Contudo, não podemos negar que Selassie entendia de marketing, basta olhar para as nossas bandeiras africanas e percebemos a sua presença. E para os mais dados à erva mágica, poderá ter um encontro com a segunda vinda de Cristo após a hóstia celestial do culto rastafari.

Os reflexos dessa influência podem ser vistos até hoje. A sede da União Africana, um monumental edifício em Adis Abeba, foi projetada e financiada pela China ao custo de 200 milhões de dólares. Em 2018, o jornal Le Monde revelou que os servidores do prédio enviavam dados para Pequim todas as noites – uma denúncia de espionagem prontamente negada pelas autoridades africanas. Talvez tenham reparado que o mesmo acontecia com computadores, telemóveis e outros aparelhos oferecidos pelas corporações tecnofeudalistas e suas redes sociais, dominadas por algoritmos que ninguém compreende muito bem como funcionam – quinas o único especialista seja a Cambridge Analytica. Mas a dependência externa persiste e, ironicamente, a União Africana continua sendo um reflexo da ingerência estrangeira no continente.

A Diplomacia Africana e os Desafios Atuais

Hoje, vemos líderes africanos em busca de protagonismo. Um exemplo recente foi João Lourenço, presidente de Angola e atual líder da UA, que assumiu o papel de mediador no conflito entre Ruanda e República Democrática do Congo. Mas, para surpresa de muitos, ele abandonou as negociações, deixando um vácuo diplomático. O resultado? Os presidentes de Ruanda e RDC foram para Doha, no Qatar, onde apertaram as mãos do emir, selando uma reaproximação que poderia ter ocorrido em Luanda.

Enquanto isso, em Moçambique, o opositor Venâncio Mondlane envia mensagens ameaçadoras ao governo angolano, anunciando que estará em Angola em 2026 para replicar o modelo de contestação pós-eleitoral que incendiou Moçambique. João Lourenço pode até se sentir ameaçado, mas talvez tudo acabe em um aperto de mãos, iniciado por um encontro entre as “primeiras-damas”, consolidando uma reconciliação superficial e reinventando o caso Lisístrata. Talvez João Lourenço se sinta tão ameaçado quanto Daniel Chapo se sente atualmente. Estaria VM7 preparando uma Primavera Africana? Não, sou santomense, vou chamar de Gravana Africana.

Para Onde Vai a União Africana?

A UA nasceu antes da União Europeia, mas, até hoje, não conseguiu conectar o continente de forma eficiente. Não há moeda comum, não há livre-trânsito entre os países africanos, e o comércio intra-africano ainda é minúsculo comparado ao comércio com potências externas.

Em 2002, a OUA foi reformulada para dar lugar à União Africana, na esperança de modernizar a instituição e esquecemos um pouco do Imperador que ia nu pela Etiópia. Mas as aspirações pan-africanistas de Nkrumah e seus aliados foram enfraquecidas ao longo dos anos. Enquanto o continente permanece dividido, disputando guerras com armas compradas das grandes potências, jovens desesperados arriscam suas vidas atravessando o Mar Mediterrâneo, embarcando em um novo tipo de “navio negreiro” — desta vez, movido pela falência das políticas africanas.

Enquanto o mundo discute inteligência artificial, tecnologias emergentes e novas formas de produção, a África continua sendo usada como carne de canhão.

A União Africana precisa decidir: mais um século de humilhação ou um compromisso real com a unificação do continente?

Devemos negociar mais entre nós. Precisamos de integração econômica, de livre-trânsito, de comunicação unificada. Por que, ao viajar dentro do continente, ainda preciso comprar um novo chip de telefone para cada país? Por que tantas organizações sub-regionais fragmentando ainda mais a unidade africana? Por qual motivo devo ter dólares e euros para ir mesmo à Angola e não posso usar minhas dobras que eles conhecem tão bem?

E, mais recentemente, por que a CEDEAO cogitou invadir o Níger? Enquanto a UA declarou oficialmente sua discordância com essa intervenção, ficou claro que as organizações sub-regionais estão ganhando mais peso – e, talvez, até ameaçando a relevância da própria União Africana.

Não podemos ficar ao sabor de vaidades exteriores. Cada vez que uma grande organização faz um corte, todo um continente parece sentir o impacto e se desola. tamanha é a “ajuda externa”.

Se não nos unirmos agora, eles virão, dizia Julius Nyerere.

*Ivanick Lopandza  é um jovem intelectual, poeta e activista social santomense, com ADN paternal congolês, membro fundador do colectivo Ilha dos Poetas Vivos em São Tomé no ano de 2022, com seus companheiros santomenses Marty Pereira, Remy Diogo e moçambicano MiltoNeladas (Milton Machel). Autor de livros de poesia, Ivanick é também bloguista, curando seu blogue Lopandzart.

Sir Motors