Não pára de fumar mbangui (cannabis sativa), cultivada ali mesmo, nas montanhas. Há dois meses que não sai da cubata construída debaixo de uma gigantesca árvore, cuja copa transborda o tecto do casebre, tornando o ambiente muito sombrio por demais. Está mais magro do que a última vez que apareceu na televisão, ostentando a arrogância que no fundo é uma fachada, Nhongo não tem certeza de nada, nem do futuro.
O general está em delírio, a cada dia vai perdendo descernimento. Nunca soube o que é tremer em momentos cruciais, quando em combates ferozes a vida dele tinha que triunfar, mas agora treme profundamente, tenta buscar equilíbrio no mbangui e no dolo (aguardente de frutos silvestres), porém a realidade é implacável, o homem está em derrocada. Ele passa as noites de pé, tentando trepar as paredes da sua casota como um lagarto desesperado. Grita chamando por Afonso Dlakama, “vamos fugir, comandante, o inimigo está aqui perto!”.
Os soldados estão com medo. Se continuarem com Nhongo podem ser mortos pela avalanche da tropa governamental que progride naquilo que já está parecendo uma passeata em direcção ao cume onde um general inteiro passa a vida como um sonâmbulo, sem a verve de uma luta que não se sabe se alguma vez fez sentido. Se fugirem dos acampamentos e tentarem entregar-se, podem ser castrados. Outra ideia seria matar o general, e eles já o viram crivado de balas para no dia seguinte aparecer novamente vivo! Mariano Nhongo é imortal!
Ontem saíu do casebre e veio a terreiro reunir-se com as altas patentes do seu exército já moribundo. Incapaz de fazer algo a não ser os laivos sanguinários e injustificados nas estradas. Estava visivelmente ébrio, e os soldados temem-no quando está naquele estado. Tentou articular algumas palavras mas ele balbuciava como um condenado a morte já em estado de incosciência, com a corda no pescoço prestes a ser esticada. Porém Nhongo ainda conseguiu dizer de forma clara, naquela reunião inesperada, que “eu sou ndawu meu irmão, não sou estúpido para me entregar de bandeja. Ndawu não treme!”
Mas o que o general diz é mentira. Nhongo está a tremer. O chão que ele pisa, treme também. Nas noites os mochos nas montanhas já não piam nas suas sinfonias arrepiantes, e isso significa que o homem está no fim da linha, ou por cima da calçada, onde não pode cair nem para um lado, nem para o outro lado. A calçada é a dolo que bebe como um louco, e o mbangui, que lhe alucina e leva-lhe aos combates fratricidas que a história vai registar num livro lúgubre.
Os homens que formam a corte de Mariano Nhongo nem sequer têm perguntas para fazer a um búfalo ferido que no lugar de ir contra o obstáculo, agora foge e esconde-se na cannabis. Uma cannabis que outrora dava-lhe vigor, mas que agora definha-lhe o corpo e alma. E a mente baralhada, eu sou ndawu! Não sou estúpido para me entregar aos algozes!
Estas são as palavras frequentes que se ouvem de um general atarantado. Amedrontado. Caminhando no escuro. Sozinho!
* Texto imaginário