A última vez que estive com ele, ou que lhe vi de perto, foi em Tete, em 2010 ou 2011, não me lembro muito bem. Era um homem distante, intocável, firme, capaz de dissuadir qualquer tentativa de aproximação, e mesmo os seus guarda-costas, mastodontes, entravam constantemente em pânico ao seu redor, sem saber o que pode vir do líder. Guebuza chamejava, era temível, temido, crepitava uma inteligência descontrolada, que pode virar daqui para aqui, o rumo das setas. Mas ele próprio era alguém de longo prazo, quase uma pessoa imortal.
É este Guebuza que habita o meu imaginário, neste momento em que estou aqui na esplanada do Hotel Tofo-Mar, bebendo uma água mineral, à mesma mesa com um indivíduo de fortes posses globais, com estrutura pronta a provocar cataclismos. Foi ele mesmo que me ligou de um número desconhecido, eram seis horas da manhã, e a essa hora eu estou cá fora, pronto para a vida e suas luzes ou trevas. Ouvi, nitidamente, no meu celular, um som que reconheci ser das ondas do oceano, e percebi imediatamente que aquele que me ligava estava na praia.
– Estou, sim!
– Aqui fala Armando Guebuza, como vai, grande Bitonga Blu?
Era ele! Senti todo o meu corpo esvaziando-se, a minha alma tremeu, apesar de já ter falado com o Presidente em diversas ocasiões oficiais e em momentos de intimidade no sumptuoso palácio da Ponta Vermelha e noutros lugares discretos.
– Estou na tua terra, companheiro, estás a ouvir o som das ondas?
– Claro que estou a ouvir, mais velho!
Guebuza estava na Praia do Tofo, e isso não era de todo inacrediável, pois quando menos se espera, ele pode ressurgir como uma gato enterrado vivo a uma profundidade de dez metros. Àquela hora, o ex-Presidente fazia exercícios físicos para manter o esqueleto em forma, e ao som do Índico, o resultado pode ser ainda mais compensador para a corpo e para o espírito.
– Podemos tomar juntos o pequeno almoço?
– Será um prazer, mais velho!
Mandou dois jagunços num poderoso Jeep da última geração, pintado a preto, e para aumentar ainda mais a sinistralidade da viatura, tinha vidros escuros. Pararam na Fonte Azul, quase defronte a minha casa e ligaram-me, como havia sido combinado. Já me havia recomposto do choque de ter recebido a chamada de um vulto como Guebuza, de forma inesperada. Armando Guebuza será para sempre um homem inesperado.
Lá fui sem a sensação de ir ter com um amigo a quem se pode confiar, o que eu sentia era que estava na pele de um condenado a morte, que agora é levado à câmara de gás, com o fim de absorver os gases do cianeto durante quinze minutos, e logo a seguir o coração parar de bater. Mas eu vou livre como os pássaros que todos os dias me visitam na minha retumbante solidão, quero rever o Tchembene.
Dentro do carro nenhum dos capangas fala comigo, não me dão nenhum sinal, exceptuando o que vai ao volante, o qual de vez em quando vai-me sondando pelo retrovisor, estou sentado no banco da trás a ser conduzido por guarda-costas de um ex-Presidente que ainda exala o cheiro de chefe de Estado, como se eu também fosse um Presidente, e isso dá-me uma sensação de medo.
Logo que desci – já no hotel – veio um indivíduo atarracado levar-me à mesa onde Guebuza já estava à minha espera. Levantou-se ao aproximar-me dele e deu-me um abraço profundo, ao qual correspondi profundamente. Ele treme inteiramente. Vacilava na articulação das palavras perante a minha leveza, e o que senti foi que já não é aquele homem vigoroso que eu vi em Tete, em 2010 ou 2011, no lançamento da primeira pedra da empolgante ponte Kassuende. Mas essa mudança vem corroborar a teoria de que estamos todos em decadência.
*Texto imaginário