Não podíamos encontrar um lugar melhor que este, onde podessemos nos despir por inteiro e deixar que a lua fizesse as suas vontades sobre os nossos corpos, dando-nos a luz em plenitude. Foi antes desta invansão sem sentido, em que cada um construiu o seu casebre sem se importar com a natureza, passando a produzir […]
Conheci-o em Boane nos princípios de 1975, vindo das matas após a assinatura dos Acordos de Lusaka. Era jovem, provavelmente na casa dos trinta, e uma das características que lhe notei logo a partida é que ele era frio. Estava talhado para as batalhas mais ferozes, por isso tinha dificuldades em separar as matas da […]
Eu nunca quis escrever-te esta carta. Fui relutante todo este tempo, com receio de avivar as feridas abertas em todo o meu corpo. Acordava nas manhãs decidido a sentar-me diante do computador e dizer-te tudo o que sinto na minha dor, e não conseguia alinhar as palavras que saíam das teclas silenciosas. Vacilava perante o […]
Tenho um amigo que me decepcionou redondamente, um homem que o tomava até certo ponto como meu paradigma, pelas intervenções lúcidas que sempre fez e a forma serena com que abordava os assuntos do quotidiano e do futuro, embora na verdade o futuro não lhe peretencesse. Ele sempre abriu margens nas suas abordagens, para que […]
A chuva intermitente que caía era afinal o prenúncio. Também houve graniso do qual ninguém se apercebeu, a não ser o próprio Mariano Nhongo, hospedado na suíte presidencial do Hotel Polana, a partir de onde ele observa a exuberância do Índico, sem que o luxo, mesmo assim, lhe retire o foco da sua luta. Chegou […]
Nunca antes veio a minha casa pedir sal, ainda por cima a uma hora destas. Na tradição respeitada desde os tempos dos meus ascentrais, e seguida por nós também, não se pede sal ao vizinho quando a noite se materializa. Mas Nhathswa está aqui a pedir esse tempero imprescindível, desculpa vizinho, só agora é que […]
Está no fim da estrada e mantém a dignidade dos tempos. Não verga. Quanto mais perto da meta, mais pujança na sua personalidade. É como se estivesse num grande estádio a abarrotar, sentido as palmas que a catapultam. Sabe que já não terá mais forças do que estas que estão no limite, por isso usa-as […]
Ir ao mercado da Mafurreira nas manhãs fazer compras, já se tornou um vício, e isso dá-me um enorme prazer. É um exercício quase de instinto, que me restabelece as emoções, e ajuda-me a não sentir o escorrer do tempo, que por vezes demora passar sobretudo quando estou sozinho, sem que esteja a escrever, ou […]
Chama-se Lundunu, um maconde aportado em Inhambane nos finais de 1974, logo depois da assinatura dos Acordos de Lusaka, aos quais seguiu-se a independência de Moçambique no dia 25 de Junho de 1975. Já não ostenta a marca da tatuagem incrustada no rosto, desenhada a frio com recurso a incisão por objectos cortantes, e se […]
Os velhos mais conhecidos da cidade de Inhambane sucumbiram ao tempo. Já não nos cuzamos com eles nas ruas, ou nos mercados, onde os cumprimentávamos, e deles recebíamos em troca ou o sorriso, ou a frieza cínica de quem já não espera nada, ou melhor, tem como passo seguinte a inevitável morte, para que a […]