Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

16 de Abril, 2025

Uma geração sem futuro

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Um dos legados de meu falecido pai, o Professor Eugénio (que a sua alma esteja a repousar em paz) é a paixão pela galinha cafreal – não me perguntem a origem da designação, só sei que se propagou à medida que as baizanas se expandiam por todo o nosso Moçambique. Sinto uma delícia especial por ela, esteja ela preparada como estiver: se em caril, de amendoim ou não; se grelhada, ou se em água e sal. É, para mim, o máximo. Praticamente a carne de que meu velho gostava era a galinha cafreal. De pato, há-de abrir a terrina procurar uma ou outra peça de carne sem pele, servir duas, raramente três, e voltar a tapar. E a terrina voltar às mãos da mamã Isaura (também ela, que esteja a repousar em paz) cheia de carne de pato e ela comia que se fartasse. Mais um legado do velho, adoro um pato bem preparado, de preferência de caril. Mas, tal como ele, uma a duas carnes são-me bastantes e sem a pele. Tanto a da galinha como a do pato provocam-me um arrepio que leva a algum enjoo. De carnes de cabrito, porco e vaca, etc… as chamadas carnes vermelhas, não era adepto: suas praias eram eram o peixe, as verduras, o borracho e, naturalmente, a galinha cafreal. Talvez muito por isso nunca faltavam galinhas em casa. Mas também nunca faltavam patos, minha mãe “aani woko” (tinha mão)! Em xi-txangana, temos uma expressão, kuva niwoko, cuja tradução literal é ‘ter mão’, mas designa alguém que tem sorte com alguma coisa: empreitada de criação, de negócio, etc., que faz, consegue bons, às vezes muito bons, resultados. Tínhamos ali galinhas e patos para dar e vender!

É então este legado que fez/faz de mim um caçador de galinhas cafreais na cidade de Maputo. Durante muitos e muitos anos, era muito difícil encontrar um prato de galinha cafreal nas casas de pasto de Maputo. Era praticamente impossível encontrar. Até hoje, as grandes casas de pasto continuam a ignorar esta delícia. Interessantemente, fui apanhar em Nampula, no restaurante do clube Ferroviário local. Há tempos idos, 10, 15 anos, faziam ali uma delícia de galinha a que chamam de revoada; já não fazem. Uma forma de preparar exclusivamente dos wahampula… não confirmo se se prepara noutros cantos da região Norte da nossa pérola do Índico. Quando voltei de Nampula, perguntei a toda a gente que encontrava pela frente onde podia encontrar galinha cafreal, revoada, ou, pelo menos, a minha tradicional de Munhangane ou Xipadja. Nada.

Anos passaram e Maputo resistia – e ainda resiste – a introduzir a galinha cafreal no seu cardápio. Galinha que nem é tão difícil de adquirir. Todos estes mercados da cidade e arredores estão cheios delas. Até que um dia, longe da caça à galinha cafreal, creio que já dela me tinha esquecido, um velho com quem tratava questões de terreno, depois de fazermos o que estávamos a fazer, disse: “Vamos almoçar num sítio onde costumo comer… fazem uma boa galinha cafreal!” Não acreditei, mas não hesitei, nem pensei duas vezes! Lá fomos, algures dentro do coração de Malhangalene.

Desde então, cinco, seis anos, sempre que me apetece uma cafreal, lá vou eu a correr ao sítio do Sr. Luís!

De ano para ano, o número de vendedores ambulantes foi crescendo. Dantes, entre duas a três horas, passavam por ali, como por ali passa a rua, dois a três vendedores. Não apenas passavam. Entravam e abordavam com aquele olhar e gestos os clientes nas mesas saboreando as suas refeições, ou sorvendo os seus… copos! Inicialmente, eram vendedores de amendoim, depois, de capas de telefones celulares e uma ou outra senhoras com fruta, mariscos ou amendoim.

Mas… nos últimos anos, a coisa subiu de tom, decuplicou. Não passam cinco ou dez minutos sem um vendedor ambulante irromper por ali dentro e a pedir ou propor-nos que compremos isto ou aquilo. E, hoje por hoje, trazem nas mãos quase tudo. Vendem de tudo, cada um com a sua mercadoria. Além daqueles produtos mencionados acima, hoje, vende-se carteiras, cintos, chapéus, celulares, soutiens, sapatos ou sapatilhas, camisetas, ships, doces, bolachas, pentes… tudo, tudo!

É isto o que é, hoje por hoje, Maputo. Não é só na Malhangalene, mas em todo o Maputo. Mas também não é só Maputo, em muitas cidades e vilas pelo país adentro. Não há nenhum sítio de restauração em que não passam vendedores ambulantes, sempre acenando aos clientes, a implorar-lhes que comprem os produtos que estão vendendo.

Duas dessas vezes, eu e o Mathe, após saborearmos a nossa cafreal, depois de tantos que passaram, chamamos um jovem que vendia ships, cerca das 19 horas, e lá fizemos-lhe algumas perguntas. Que idade tens: 19. Classe: 10a. Naturalidade: Chókwè. Dono da mercadoria: Patrão. Salário: 2000Mt/mês. Como é o dia: Acordamos, pegamos na caixa aberta de mercadorias e andamos pelas ruas todas a vendermos; por volta do meio dia, voltamos para comer alguma coisa e depois retornamos à estrada e continuamos a vender. Por volta das 22 horas, recolhemos. Jantam: não, uma refeição por dia. Faz o quê com o dinheiro que ganha: mando para a família em casa. Como foi recrutado: Patrão foi buscar-me no Chókwè. Patrão faz o que: tem lojas. Quantos são vocês: somos muitos. Onde e como dormem: dormimos num sítio aí, todos juntos.

Naquele dia, voltamos a interpelar e a “entrevistar” outro jovem. As respostas coincidiram com as do primeiro, tirando a idade e a classe; este tinha 21 anos e concluiu a 11a.

Passou uma semana e eu e o Mathe voltamos ao local e nesse dia conversamos com mais quatro jovens. Tirando as idades que variavam, 18, 19, 20 ou 21 anos e as habitações literárias, 9a, 10a, 11a e 12a classes, todas as outras respostas são coincidentes, substituindo também Chókwè por Chibuto.

Sem palavras. Qual é o futuro destes jovens? O que serão eles daqui a cinco, dez anos? O que estamos a fazer com os nossos jovens? O que estamos a fazer com a nossa sociedade?

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