Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

7 de Abril, 2025

Ode à Mulher Moçambicana

Escrito por

Há uma substância antiga que atravessa os séculos sem pertencer a nenhum.

Ela não se afirma — permanece.

Não se impõe — funda.

É presença que não se diz, mas que organiza o mundo como quem borda o caos com dedos invisíveis.

 

Nas margens da história, onde os nomes se apagam,

há uma figura que nunca cessou de estar.

Não no centro das estátuas, mas no ritmo da argila,

não nos tratados, mas nos gestos que sustentam o dia.

 

A mulher — ou melhor, aquilo que o tempo nunca conseguiu apagar —

soube existir em tensão com o real.

Ela não viveu na vitória, mas na constância.

Não nos palácios, mas nas cozinhas, nos mercados, nos quintais onde se decide a vida.

 

É nesse lugar que a razão filosófica hesita,

porque ali não há sistema, mas sabedoria.

Não há discurso, mas sobrevivência.

Não há liberdade proclamada, mas responsabilidade assumida.

 

A mulher africana não se explica.

Ela é anterior ao conceito,

e talvez por isso tenha sido tantas vezes esquecida por ele.

 

A filosofia do Ocidente, ocupada em separar sujeito de objeto,

passou por ela sem vê-la —

pois ela era ao mesmo tempo sujeito e mundo,

ação e consequência,

logos e carne.

 

Em Moçambique, onde a terra sangrou por ideais que não se cumpriram,

ela permaneceu.

Não como símbolo de nação,

mas como condição da possibilidade do viver.

 

Não esperou pelas revoluções para ser nova:

nasceu nova todos os dias,

dentro das mesmas dores,

com os mesmos panos,

com os mesmos silêncios.

 

Enquanto o discurso oficial tropeçava nas promessas,

ela construía uma ordem paralela —

feita de persistência, de resistência,

de sabedoria não codificada.

 

E ainda hoje, quando tudo vacila,

ela é o que resta.

Não como último recurso,

mas como primeira fundação.

 

Ela não procura reconhecimento.

Mas se a filosofia quiser reencontrar o seu sentido,

terá de passar por ela.

Sir Motors