Desde a adolescência, ouvi que a vila da Macia era um lugar especial e, já adulto, vim a constatar que é mesmo especial. Um incontornável ponto de cruzamento de todos os destinos do país. Quem sai da capital Maputo em direcção ao interminável norte (pode ser Gaza mesmo, ou Inhambane e por aí em diante até Cabo Delgado, Niassa, mas também fronteira para lá) tem que escalar Macia. Idem o reverso. Todos os autocarros com os diferentes destinos pelo país e não só, até os com destino ou proveniência estrangeira, paravam ali por alguns minutos. Mas também todos os camiões, camionetas e outro tipo de viaturas, privadas ou públicas, paravam para “qualquer coisa”. Ou para os motoristas descansarem um pouco ou passarem a noite; ou para os passageiros comprarem alguma coisa para comer. Muitos de nós, a vir ou a ir para Chibuto no autocarro do Xitonhane, ali comprávamos e saboreavamos com inusitado prazer uma tilápia grelhada dentro de um pão de lenha. Era bastante saboroso, quase nenhum passageiro falhava aquela delícia, por ser bastante famosa. Mas, por vezes, pagava-se um preço muito alto. Uma e outra vendedeira – geralmente eram senhoras a vendê-la -, desonestas, vendiam peixe estragado e isso causava desarranjos estomacais que, nalgumas vezes, levavam o passageiro a implorar para o motorista parar pois tinha que evacuar.
Mas Macia foi – e continua – um ponto de relaxamento para os turistas a caminho de Bilene. Vindo de qualquer que seja o ponto a caminho da praia, chegado a Macia, há um ar de relaxamento, numa de que, praticamente, já se chegou ao destino. O contrário também: depois de curtir o paraíso que é a praia de Bilene, já de regresso, chegados a Macia, os viajantes concentram-se mais, assumem que a viagem de regresso aos destinos originais começa de facto, precisam de muita e maior atenção na Estrada Nacional.
Muitas foram as vezes que, indo para o meu eterno Xipadja com a família, parava na Macia para comprar as coisas de que nos tínhamos esquecido, ou outras que não puderamos em Maputo. Dali para a frente, podíamos não encontrar mais; mesmo no nosso Chibuto. E para não chegar a casa com falta disto, ou daquilo… mesmo o gelo do Conde, trtatávamos de fechar ali. No regresso, também, havendo suficiente fundo de tempo para a viagem, parávamos num daqueles dois restaurantes ali no entroncamento para Bilene, tomávamos qualquer coisa e concentrávamo-nos para a grande viagem.
Logo depois da guerra dos 16 anos, a vila da Macia conquistou mais um valor de referência, mundialmente: vendedora de castanha de caju pronta para consumo. Não conheço ninguém com quem eu tenha viajado que não tenha sugerido que parássemos na Macia para comprarmos castanha. O texto é sempre o mesmo: “gosto tanto da castanha da Macia”. Mil vezes comprei ali castanha a pedido de um amigo, familiar, conhecido, ou para ofertar a… alguém.
Esta é a minha imagem da Macia. Idílica! Maravilhosa. Fantástica. Doce. Prazeiroso. Relaxante. Ponto de convergência; de sorrisos, de alegrias!
Completamente contrastante com aquela vila da Macia que se nos ofereceu ver, viver e vivenciar naquela terça-feira 18 de Fevereiro passado. Debaixo de tanta tristeza, seguíamos para Xai-Xai para participarmos nas cerimónias fúnebres da filha do nosso irmão de pais diferentes, o Vidal Samuel Bila. A nossa irmandade data de 1980, quando nos conhecemos em Xai-Xai e, ano seguinte, fomos dar à Escola Secundária de Chókwè, onde estivemos durante três anos. A amizade foi tão automática que já em 1982 um foi passar férias na aldeia do outro e, assim, introduzirmo-nos nas nossas famílias biológicas. Eu fui dar à Aldeia Comunal OMM, algures em Chicumbane; e ele a Xipadja, em Chibuto. De lá para cá, tem sido uma convivência familiar própria de irmãos. Mesmo os destinos profissionais – ele professor e depois administrador distrital e eu comunicólogo – não conseguiram fazer abrandar a irmandade, muito menos acabar com ela.
Zilma Maura Vidal Bila, então docente na Escola Secundária Geral em Mopeia, foi assassinada em circunstâncias estranhíssimas na sua residência naquela vila. Segundo se conta, pela madrugada, um indivíduo até agora desconhecido, introduziu-se na sua residência, tentou violá-la e, como não conseguisse, assassinou-a! Descansa em paz, Filha! Não merecias isso. Ninguém merece!
Então, íamos a correr juntarmo-nos aos nossos irmãos, Vidal e Ana Filomena, para chorarmos em conjunto e enterrarmos a nossa querida filha. Saímos de Maputo às seis e meia, o enterro estava marcado para às onze. Quando passamos Manhiça, liga-nos um outro amigo a quem avisáramos sobre a viagem a perguntar se sabíamos que Macia e Incaia estavam bloqueadas… “não sabíamos”! Mas prosseguimos a viagem convencidos de que de uma ou de outra forma conseguiriamos estar juntos à família Bila e dar o nosso abraço caloroso. Quando chegamos a Incoluane, acreditamos que de facto algo estranho estava a acontecer à frente: camiões e camiões, bem como autocarros parados na berma da estrada. Nos autocarros, os passageiros estavam fora. Ficou claro, mas seguimos. Nove e meia, estávamos na curva que vai dar à báscula, a entrar na Macia. Paramos e perguntamos aos polícias que ali se encontravam. Confirmaram os bloqueamentos na Macia e em Incaia! Ainda fomos mais à frente, mas apenas para irmos ver com os nossos próprios olhos, primeiro, as barricadas em pedras, troncos e outros objectos; depois, na zona do Shoprite, camiões atravessados na estrada a fecharem completamente qualquer tentativa de passagem.
Não havia mais nada a fazer, senão esperar pela hora em que iam abrir a estrada. Voltamos mais para trás, para perto da báscula, encontramos uma sombra ao lado da estrada, estacionamos e por ali ficamos a contar horas, com os nossos rostos carregados. Hora atrás de outra, ali estivemos, em baixo de calor. Quando eram quase 16 horas, começou a agitação e todos os carros puseram-se a trabalhar e a entrar para a estrada em direcção ao Shoprite. Era pura agitação, confusão total. Não se passava. Quando eram 17:40… e não se passava mesmo, resolvemos fazer marcha atrás! Mas, ao fazê-lo, tivemos que passar por três… portagens a que tivemos que desembolsar!…
Um abraço de conforto, de consolo, fraternal, a um irmão inviabilizado, negado. Tristes os momentos que vivemos no país.
Repouse em paz Zilma Maura Vidal Bila!
ME Mabunda