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Actualizado de Segunda a Sexta

25 de Março, 2025

ABC do “Xitsungo”

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A – ANAMALA, palavra na língua e-makwa, que significa “acabou”; “vai acabar”. Ganhou notoriedade durante a campanha eleitoral para as eleições em 2023/4. Se tivéssemos uma votação para a palavra mais popular, de certeza que Anamalala concorria com Xitsungo.

B – BTR, máquinas de guerra que ocupam as principais entradas e saídas do nosso espaço público; tudo em nome da ordem e segurança pública. Graças a elas, agora as nossas cidades rimam com confronto, violência, pânico e terror. Se ousares andar em contramão, acabas abalroado por um deles.

C – Cabo Delgado, a Geografia diz que é a terceira maior baía do mundo. A história diz que foi lá onde se ouviu o primeiro tiro. A geologia diz que é la onde os rubis, a grafite, as areias pesadas, as turmalinas, o gás e outros recursos rimam com miséria, opressão e desumanização.

E por fim, as multinacionais e os donos do mundo dizem que é lá onde deve reinar a anarquia, a instabilidade, a guerra e o empobrecimento compulsivo da população.

D – Daniel, (ou mano Dany para os mais chegados). Até bem pouco tempo, era Governador lá da terra apelidada de terra da boa gente. Depois do congresso do também meu partido, voltou presidenciável e com outros ares. Costumava passear na marginal e treinava pelas artérias da cidade; cumprimentava a malta, deketava os transeuntes, comia tifiosses e pousava para selfies na marginal e na Igreja da Polana. Hoje só o vejo em alta velocidade à moda fast and furious e com escoltas armadas até os dentes. A distância entre tempo de campanha aos dias de hoje é abismal.

E – Espaço Cívico, uma conquista secular da democracia moderna. O espaço cívico é por excelência um espaço de celebração da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Infelizmente, nas terras de Samora e Mondlane, tem se afunilado a cada dia, e o argumento é que deve-se fechar para evitar que a dita mão externa leve a cabo a subversão.

F – FRELIMO, partido cinquentenário que dirige os destinos do país desde a independência. E por falar em independência, este ano, o país celebra o seu jubileu – sim são 50 anos sob batuta do batuque e maçaroca. Ela (A FRELIMO) se confunde com o Estado e, tristemente, muitos não sabem separar o partido do Estado.

Não leu os sinais de mudança; não se ajustou às novas dinâmicas e não se adequou ao tempo. Hoje padece de uma síndrome comum para aqueles que ousam viver em cavernas – uma rejeição popular nunca antes vista. De partido com rótulo de libertador, agora entendido por alguns como opressor. Vive uma cisão e uma ruptura entre os ideias da sua criação e edificação com os actuais modelos de gestão baseados no clientelismo e nepotismo.

Os históricos do partidão e as reservas morais, fazem apelos a uma reflexão interna profunda para resgatar os valores e a história de modo a que a reconciliação com o povo possa acontecer.

G – GÁS, Recurso energético bastante apetecível e que move potências, apetites e guerras no mundo inteiro. Bênção ou maldição, a verdade é que o Antigo Porto Amélia, hospeda uma das maiores reservas mundiais deste recurso. E transformou-se numa zona de confluência de interesses, discussões geoestratégicas e instabilidade político-social.

Actualmente, o GÁS está alinhado e articulado com Governação, Ganância e Guerra – que são os 4G’s da nossa actualidade.

H – Hierarquias, forma aparentemente necessária para estratificação social, todavia desembocou em estupidez, prepotência e virou arma de opressão do subalterno. Estrutura criada para acomodar chefes improdutivos e alguns incompetentes. Somos hoje, um exemplo de um país que produz mais chefes, títulos e cargos, e cada vez menos competências. Temos uma máquina burocrática e hierarquicamente pesada e tecnicamente fraca e obsoleta.

I – Ingerência, termo cunhado e usado em Relações internacionais e no Direito Internacional. Hoje aplica-se muito bem quando o assunto é justificar a interferência de certos Estados em assuntos nacionais (como governação, democracia, direitos humanos, soberania e outros). A actividade ou inactividade de agentes externos, pode ser facilmente controlada com o gatilho da ingerência. Por isso que é um princípio bastante acarinhado quando o interesse último é defender, esconder e legitimar certas ações.

J – Juventude, esmagadora franja do tecido demográfico moçambicano. Espelho de grande frustração e descontentamento. Durante anos acreditou na ladainha de um futuro melhor, e viu o barco a passar sem futuro, presente nem passado. Tudo que sobrara foram promessas. É uma juventude que se sente traída pelos sucessivos governos e por um estado que não foi capaz de prover educação, saúde e emprego, e que em termos de vantagem competitiva, está muito atrás de outras congéneres.

O J também pode concorrer para Justiça que hoje está temperada com Injustiça e é servida fria em todos os circuitos institucionais. Muitas vezes, a sobremesa é o carimbo de uma cozinha amorfa, obsoleta e sem ingredientes para manter o restaurante aberto.

K – Kalashnikov, arma de guerra de fabrico russo, baptizada por AK-47 em homenagem ao seu criador. Figura na nossa bandeira como um dos símbolos emblemáticos da libertação do país, e é usada pela nossa polícia e pelo exército. Lamentavelmente é usada para ceifar vidas dos filhos da pátria amada. Todo aquele que ouse pensar diferente, está sujeito a uma bala deste instrumento de guerra.

L – Liberdade, uma grande conquista da passagem do estado de natureza para o estado civil. Com base num contrato social, direitos e deveres são negociados e delegados a uma figura superior, e passam a ser legislados. As nossas liberdades passam a ser salvaguardadas pelo Estado.

Contrariamente, fazendo uso do seu Poder advindo desse contrato, é o mesmo Estado que viola as liberdades a ele outorgadas, minando as conquistas da Paz, Democracia e o rumo do Progresso.

M – Maldição, palavra usada em alguma literatura para se referir ao fenómeno/tendência negativa da ocorrência de recursos minerais em certos países e a sua capacidade de lidar com a ocorrência desses recursos, seja em termos económicos seja em termos políticos. Em Moçambique, parece que os recursos descobertos e explorados estão a traduzir-se numa verdadeira maldição. Que se prove o contrário quando a boa governação decidir transformar em bênção.

N – Nacionalismo, toda a amalgama que nos remete ao orgulho de sermos, estarmos, habitarmos e celebrarmos uma causa. É o acreditar e lutar pela nação amada e seus valores.

E como dizia Aimé Cesaire, em (Cadernos de um Retorno à Origem), é uma viagem interminável de um passado nostálgico.

Quando procuramos traços de nacionalismo na nova geração, encontramos resquícios de um saudosismo do passado de luta e muita crença, que se resvalou em uma grande revolta e frustração.
Uma vez rasgado o legado, frágil tornou-se a ligação entre passado e presente.

O – OSC’s, Organizações da Sociedade Civil: Um braço útil, mas às vezes incompreendido no processo de desenvolvimento e governação. Mal-entendidas e combatidas por uns, que as consideram extensão das i-ONG’s, organizações de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, perpetuação da ajuda externa e meras propagadoras de ideias e valores do Ocidente. Mas aplaudidas por outros que se reveem nelas e conferem valor agregado na monitoria da governação e implementação de actividades.

As OSC’s estão constantemente debaixo do fogo cruzado entre os regimes mais ou menos ditatoriais e autoritários, e as alas mais liberais da sociedade.

Aqui na letra “O” também cabe a OJM (Organização da Juventude Moçambicana), o histórico braço social do partido, composto maioritariamente por jovens que de jovens ostentam apenas o nome. Algumas posições e ideias, não refletem o tipo de jovens que normalmente são pró-nacionalismo e pró-desenvolvimento.

A palavra de ordem na JOTA é, muitas das vezes lambebotismo e o culto a personalidade, na esperança da simpatia pela sua vez no tacho. E se o tacho tarda chegar, afogamos as frustrações bebendo a fiado em nos mais ou menos badalados lugares onde o fiado reina.

P – Povo e População, morfológica e semanticamente diferentes e com significados igualmente diferentes. A Ciência Política, Administração Pública a e a Geografia encarregaram-se de oferecer diferenças epistemológicas entre ambos conceitos.

A verdade é que a população cresceu e o povo despertou da longa noite de sono. E os dois juntos fazem eco a reivindicação por mudanças estruturais e estruturantes na nossa sociedade.

Q – Quociente de Inteligência, aquela quota que parece que foi subtraída da mente de alguns dos nossos políticos e governantes, e que os torna por vezes actores irrelevantes para o povo e para o país.
A ausência de um plano contínuo e holístico em que os vários governos possam se apoderar, planificar e implementar ações de governação, faz de nós um país de um constante acertar da equação quadrática, onde a soma do quadrado dos catetos da governação nunca é igual ao quadrado da hipotenusa da corrupção.

R – Revolução, o momento de efervescência político-social que o país vive desde 2023, e que de certeza irá constar nos anais da história. Essa revolução, esse momento de ganho de consciência popular, é entendido por uns como força da subversão e uma tentativa de forçar a queda do poder. Para outros é o pico da insatisfação, da frustração e da marginalização ao longo de décadas em que a exclusão social e as desigualdades se acentuaram no país.

É perigoso ser revolucionário no meu país. As manifestações são combatidas e repelidas com balas reais e gás lacrimogénio. E se tentas ir contra a ordem do dia, as portas do Lhanguene e de Michafutene estão abertas.

A revolução é um processo político, social, económico, cultural, e até religioso que as sociedades experimentam de tempos em tempos. São momentos necessários para a afirmação de novos paradigmas.

S – Sociedade, Sociedade líquida, como alguém alguma vez chamou. E essa liquidez se manifesta no nosso ser actual como sociedade. Uma sociedade em pirâmide invertida e governada pelo mundo das aparências. Hoje é mais importante parecer que ser de facto. E o culto cego ao inútil e ao supérfluo escangalhou a base axiológica e ontológica da nossa vivência. O tempo se encarregará de mostrar os prós e os contras, os pecados e legados dessa sociedade líquida.

T – Trabalho, um perene paradoxo existencial. Uma permanente busca e procura. É tudo aquilo que queremos e, simultaneamente tudo aquilo que não temos. Volta e meia escutamos SEXAS dizerem que somos preguiçosos e não gostamos de empreender. E que é preciso buscar soluções inovadoras. Tudo isto para justificar a incapacidade do Estado prover empregos a população.
Queremos emprego para poder trabalhar, mas está cada vez mais difícil.

U – Universidades, na Idade Média eram tidas como centros de saber, centros de excelência na produção e difusão do saber. Sua evolução tempo-espacial abriu-mas ao mundo e fez delas universalis de facto. Depois do Renascimento o mundo nunca mais foi o mesmo, e com a globalização o saber ficou cada vez mais global e acessível.

Em Moçambique, as Universidades têm muito pouco de centros de saber. Somos ricos em quantidade e pobres em qualidade. Transformamos algumas delas em centros de venda de certificados, diplomas e títulos. Mas em termos de produção intelectual e transformadora, estamos na cauda do mundo.

V – Vândalos, somos todos nós que pensamos em contramão e ousamos contradizer o poder do dia. O povo virou vândalo quando decidiu sair a rua e se manifestar; decidiu reclamar a vida miserável que está a ter e levou uma reprimenda com direito a balas e prisões arbitrárias. Primeiro foi naquele ano não muito longínquo sob batuta do tio Pacheco, e depois foi em 2023 e 2024 com o tio Bernardino, não poupou esforços para evitar aquilo a que chamara de subversão e tentativa de golpe de estado.

W – World Bank, velhos amigos das nações pobres. Primos legítimos do FMI. Ambos pertencem a grande família de Bretton Woods e tornaram-se as maiores instituições financeiras do mundo. Controlam o mundo e as dinâmicas económicas dos países do sul. Estão sempre dispostos a provar que és pobre e que precisas deles para tudo, até para respirar. Sempre tem dinheiro e um plano para apoiar os pobrezinhos da família que vive no sul global. O core business deles é vender pobreza e ganhar juros avultados, empobrecendo as economias locais e nacionais e tornando-as dependentes de incentivos. Que o digam LOUMAR, PILIVI, TUDOR, MABOR, RIOPELE, FAPACAR, COGROPA, e muitas outras

X – Xivotxongwa, bebida de baixo custo monetário e alto teor alcoólico, também conhecida por “Vou te Matar”. Maioritariamente bebida nos subúrbios e zonas periurbanas, mas agora pululam a zona urbana. Tem efeitos demolidores sobre os consumidores.

Parte da nossa juventude sem escola, emprego e acesso a saúde, vive anestesiada com o xivotxongwa, suruma, nhaúpe e muita outra “merda” vendida nas várias Colômbias já legais que temos a céu aberto bem debaixo dos olhos das autoridades. Como consequência, temos hoje jovens improdutivos e de muito fácil manipulação; jovens que não sabem o que é pensar o país e que única preocupação real é saber se amanhã terão a famosa txatina para enganar a fome.

X- Xitsungo, expressão que ganhou notoriedade e popularidade no auge das manifestações de 2024, aquando dos saques que a capital do país conheceu. O menino que se tornou viral dizendo que foi empurrado e assaltado pelo xitsungo, é um espelho daquilo que milhares de crianças passam no dia-a-dia no nosso Moçambique. Na primeira oportunidade que teve de participar de um saque, não se fez de rogado – o mais importante era ter nicknacks para poder “comer as festas”. Xitsungo virou piada, mas deve ser objecto de estudo social, antropológico e filosófico para percebermos em que profundidade estamos e que sociedade teremos dentro de poucos anos.

Y – YOLO (You Only Live Once – traduzido para o português significa, “Tu vives apenas uma vez). Expressão bastante usada entre a camada jovem para legitimar sua inconsequência e avidez em abraçar os prazeres da vida e a concupiscência do sexo, álcool e vida boémia. O refúgio é este mesmo – Só se vive uma vez e não há tempo a perder. Todo o tipo de risco vale a pena se a felicidade for alcançada.

Z – Zarpar, é o que muitos dos nossos irmãos e irmãs tem feito nos últimos anos. Segundo eles, mais vale estar nas obras em Portugal, a ser escravizado na própria terra. Paradoxo ou não, a verdade é que muitos de nós estamos ávidos por zarpar daqui e ser (in)feliz em outro lugar que não seja a nossa pátria (des) amada.

Texto, inspirado na música de Azagaia – ABC do Preconceito

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