O anúncio do Governo, neste sábado, segundo o qual o projecto Coral Sul, liderado pela italiana ENI, começou a bombear gás natural para a sua plataforma flutuante na Bacia do Rovuma, ao largo da costa da província nortenha de Cabo Delgado, foi recebido em muitos círculos de opinião como o início, efectivo, da produção. No entanto, ainda faltam meses para que essa produção arranque, efectivamente.
A etapa anunciada não deixa, contudo, de ser significativa. Por isso é que o Ministro dos Recursos Minerais e Energia, Carlos Zacarias, disse que “a concretização deste último marco coloca Moçambique no mapa dos países produtores de GNL''. A etapa é significativa por que ela está abrindo caminho para a primeira exportação de gás natural liquefeito (GNL) ainda este ano.
A introdução de gás natural na plataforma é uma etapa decisiva no quadro da testagem das condições de produção. Mas não é a produção propriamente dita. Imagina o processo de uma obra de construção civil. O que foi anunciado no sábado é o equivalente ao término da viga estrutural, depois de levantadas as paredes. A viga estrutural é aquela que recebe a laje de cobertura, uma etapa que é celebrada com pompa, com cabeças de vaca e evocação dos antepassados.
Ou seja, o início da produção seria o equivalente ao enchimento da laje de cobertura e aí toda a celebração seria pouca. E o Presidente Nyusi chamaria para si a batuta do evento, orquestrando uma sinfonia de hosanas à sua liderança e ao seu Governo. (Ler Carta ao Leitor nesta edição).
Aliás, para o início da produção do projecto do Coral Sul está prevista a vinda de um alto dignatário político italiano.
Seja como for, os testes estão avançando consoante o calendário, apesar de o mês de Outubro, inicialmente previsto para o arranque da produção, estar a ser agora substituído, na comunicação oficial, por “segundo semestre de 2022”.
A plataforma do projecto Coral Sul tem capacidade para liquefazer 3,4 milhões de toneladas de gás natural por ano. A British Petroleum (BP) assinou um contrato para comprar toda a produção da plataforma. O gás é proveniente de uma área com reservas estimadas em 450 bilhões de metros cúbicos.
A fase anunciada no sábado tem, entretanto, vários significados. Apesar de o Coral estar implantado no mar alto, ela sinaliza ao mundo que pode contar com o gás do Rovuma e coloca pressão sobre os restantes operadores das áreas 1 (liderada pela Total Energies) e 4 (comandada pela Exxon Mobil).
Mas os maiores desafios são para dentro do país. O horizonte temporal para o início da produção é agora curto. Isso coloca questões sobre o nível de preparação institucional de Moçambique para lidar com um projecto desta natureza e dimensão.
A primeira questão é sobre se até o início da produção nosso Fundo Soberano (FS) já estará estabelecido legalmente e operacional na prática. O FS foi desenhado pelo Banco de Moçambique mas, dizem fontes de “Carta”, sua hospedagem e gestão poderá passar para o Ministério da Economia e Finanças (MEF).
Por outro lado, o FS ainda não foi aprovado pela Assembleia da República (AR). Para que essa aprovação ultrapasse o simbolismo de um mero carimbo, os deputados deverão ser capacitados na matéria, e porventura, terão uma discussão informada.
Para além da ENI, o consórcio do projecto Coral Sul inclui a ExxonMobil, a Companhia Nacional de Petróleo Chinesa (CNPC), a portuguesa Galp, a Kogas da Coreia do Sul e a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos de Moçambique (ENH). Fora a ENH, o consórcio investiu bilhões de USD (4.3 bilhões de dólares na modalidade de Project Finance e 3 bilhões de capital próprio) e este dinheiro deve ser devolvido - os chamados custos recuperáveis.
Ou seja, não se espera que o Estado moçambicano venha a encaixar deste projecto, numa primeira fase, bilhões de USD como se pode estar a conjecturar, mas outra questão agora é sabermos se o Instituto Nacional de Petróleos (INP), a entidade reguladora, está devidamente capacitada para monitorar o cálculo desses custos. Eles podem ser empolados!
Assim como se temos capacidade de fiscalização das reais quantidades de gás que serão bombeadas ao longo dos anos, quando a produção iniciar. No passado, houve alegações de que a petroquímica Sasol, que opera no gás de Temane, estava a bombear para Secunda, através do seu pipeline, mais gás que o declarado. (Carta)