O Ministério Público tem actuado de forma selectiva na instauração de processos criminais relacionados com os ilícitos eleitorais. A conclusão é do Centro de Integridade Pública que, em análise divulgada ontem, defende que tal atitude agudiza a má percepção social de que os órgãos de administração da justiça estão politicamente alinhados ao partido Frelimo.
Em causa, entende a organização, está o facto de a Procuradoria-Geral da República (PGR) ter feito “vista grossa para várias situações de ilegalidade”, registadas durante o processo eleitoral, incluindo o recenseamento e a campanha eleitoral.
De acordo com a análise, o titular da acção penal, em Moçambique, tem seguido o princípio de oportunidade no lugar de se basear no princípio da legalidade, o que viola a Constituição da República. O princípio da oportunidade, explica a fonte, postula que cabe ao Ministério Público “avaliar, diante das circunstâncias do caso concreto, se a promoção da acção penal é ou não necessária para a realização da justiça”.
“É por violar a lei, aplicando o princípio da oportunidade na prossecução da acção penal, que o Ministério Público, numa primeira investida, intimou um candidato da oposição a se abster de determinadas condutas alegadamente impróprias e, posteriormente, instaurou contra o mesmo, até agora, dois processos-crime onde pede uma indemnização a favor do Estado no valor de 32 milhões e 105 milhões, respectivamente, tendo também promovido o bloqueio das suas contas bancárias”, refere a análise, em referência aos processos abertos contra Venâncio Mondlane, candidato que reclama vitória nas eleições de 09 de Outubro.
Para o Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil que advoga pela justiça e anticorrupção, “trata-se de uma verdadeira perseguição ‘ad hominem’”, pelo que questiona “o móbil desta forma de actuação”.
No entender da organização, o Ministério Público devia pautar pelo princípio da legalidade, investigando todos os casos criminais que toma conhecimento, seja por denúncia ou mesmo através dos órgãos de comunicação social. “Trata-se de uma obrigação de natureza legal e não facultativa, conferida ao Ministério Público. Deve agir em todas as ocasiões em que existam indícios da prática de crimes ou violação da lei”, sublinha.
“É importante que o Ministério Público também proceda à investigação e ao sancionamento de todos os casos ocorridos durante o actual processo eleitoral, sem qualquer juízo valorativo. A lei não confere a este órgão a possibilidade de valorar os casos que lhe chegam ao conhecimento”, acrescenta.
Por essa razão, o CIP defende ser importante que o Ministério Público, entre outras acções, abra um inquérito com vista a apurar a responsabilidade do Comandante-Geral da Polícia, Bernardino Rafael, na morte de pelo menos 50 pessoas por baleamento (algumas nas suas casas), com recurso a projécteis de arma de fogo verdadeiros.
“É que é suposto que os membros da corporação policial usem balas de borracha e outros meios não letais para conter os manifestantes. Até ao momento não se conhece nenhuma acção de indemnização intentada pelo Ministério Público contra o Estado moçambicano para indemnizar as famílias dessas vítimas mortais”, sublinha. (Carta)