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segunda-feira, 25 março 2019 06:38

Nicky Gagiano: um herói acidental de Grudja

A tormenta do IDAI tirou do anonimato a localidade de Grudja, nos confins do Buzi. Por razões trágicas, como já se adivinha. Mas também produziu heróis anónimos, que não tiveram mãos a medir para ajudar quem estava impotente, abeirando-se lentamente da morte. O sul-africano Nicky Gagiano é uma dessas figuras, um verdadeiro herói anónimo como muitos outros moçambicanos cujas estórias ainda não foram contadas (e muitas delas ficarão bem cravadas, sem serem ditas, nas memórias dos seus actores).

 

Nicky Gagiano chegou a Moçambique nos anos 2000 atraído pela febre da “jatropha”, que se dizia uma planta mágica cuja produção era como que plantar “sementes” de ouro. Gagiano, com 10 mil hectares no interior do Buzi, não conseguiu render com a “jatropha”. Mas permaneceu em Moçambique e, nos últimos anos, mudou-se para a celulose. Na vastidão das terras molhadas das baixas de Grudja, a 70 km da Estrada Nacional número 1, a partir de um desvio localizado a 50 km ao sul do Inchope, ele plantou um milhão de eucaliptos.

 

E tudo o vento levou, quando no dia 14 veio a tormenta!

 

Nicky Gagiano tinha-se literalmente precavido, evacuando a família para longe. Os boletins hidrológicos dos dias anteriores e a informação sobre a chuva intensa carregada na volúpia infernal do ciclone faziam antever o desastre e…muita água. Gagiano estava avisado, mas nunca podia imaginar que a enchente chegaria à altura da viga de cobertura de um casebre. Mas foi isso o que aconteceu.

 

Nicky Gagiano decidiu que não sairia dali, recusando-se a ‘deixar ao Deus dará’ os seus funcionários, familiares e população circunvizinha da sua farma em Grudja. Eram cerca de 70 pessoas, e todas subiram ao tecto da administração da localidade. No domingo, dia 16, quando a chuva torrencial amainou, Nicky conseguiu comunicar com um amigo em Maputo: o empresário Dino Foi, cuja quinta em Grudja ficara completamente inundada. Dino moveu ‘mundos e fundos’. Era mesmo preciso um autêntico SOS. No domingo, Nicky e o resto dos sitiados continuavam aflitos. A esperança era que o salvamento acontecesse por helicóptero. Na segunda-feira, o gigantesco pássaro chegou mas não pousou (também não tinha mantimentos). Os pilotos comunicaram que viriam barcos. Mas não vieram. Afinal, não eram só eles os que estavam sitiados no cimo de árvores e casebres. Como eles, havia milhares de outras pessoas. E o resgate só podia ser aleatório.

 

Nicky percebeu isso. E decidiu meter mãos à obra. Ele e sua equipa improvisaram canoas, logrando tirar do telhado da administração e de outros (telhados) das redondezas todas as cerca de 300 pessoas que lá se encontravam. Num esforço titânico, Nicky Gagiano tentou também levar as crianças que estavam desidratadas e com fome para o hospital rural de Grudja. Algumas sucumbiram. Depois do resgate veio o risco das doenças. E da fome.

 

Com apoio de alguns funcionários, Gagiano conseguira acolher todos os sitiados na sua fábrica, e também numa escola. Na terça-feira faltava comida, cobertores e comprimidos para malária. Nos pedidos de ajuda que enviava para Dino Foi, Nicky Gagiano fazia questão de realçar o grau de urgência. A partir de Maputo, Dino partilhava a informação com as autoridades de emergência. “Mantas e comprimidos vão ajudar”, gritava Nicky para Dino.

 

Cá na capital, Dino Foi já tinha planeado uma deslocação à Beira, de avião, para tentar dar também a sua mão no salvamento geral. Mas…em vez disso, e como não tinha a certeza de que os sitiados de Grudja teriam apoio em mantimentos, ele enviou uma “pick up” dupla cabine, carregada de comida e medicamentos.

 

Na imaginação de Dino Foi havia muita gente a precisar de ajuda em regiões do interior, no sul. Ele gostaria de ver as viaturas da emergência que partiam de Maputo para a Beira a pararem nas zonas mais ao sul de Sofala, pois a estrada EN6 ainda estava cortada. “Pensem em Grudja. Neste momento os mantimentos para Beira que já foram enviados por estrada não podem chegar. Então pensemos em quem pode ter acesso. Não deixemos produtos na estrada enquanto outros irmãos estão à espera noutros sítios. Tem de se chegar à Mutindire, 50 quilómetros de Inchope”, escrevia Dino, espalhando o alerta pelas redes sociais, tentando complementar o esforço hercúleo do amigo Gagiano.

 

E Dino Foi fez mais do que imaginara. Juntou 10 toneladas de arroz, 200 camas desmontáveis, 200 mantas, 50 caixas de água mineral de 1.5L e 500 redes mosquiteiras da Fundação Tzu Chi, de que ele é representante para Moçambique, tendo enviado tudo para Buzi, onde Nicky Gagiano estava com mais de 500 pessoas. Os bens foram recolhidos de muitos cidadãos anónimos de Maputo. Dino tratou de encontrar um camião de 15 toneladas que levasse tudo em 24 horas para Buzi: farinha de milho, comida para bebés, peixe seco, sal e mantas.

 

Gagiano conseguiu uma façanha notável, sem apoios, contando com as suas próprias forças e das de meia dúzia dos seus colaboradores. Muitos dos que foram retirados do telhado e de outros pontos conseguiram escapar à morte. Um belo exemplo de heroísmo desinteressado no meio de uma tragédia com riscos para si próprio. Como Nicky Gagiano há muitos heróis anónimos! (Marcelo Mosse)

Uma semana depois do Idai, as lágrimas vão secando, mas a luta pela vida continua nas zonas afectadas e nos centros de acolhimento na Beira.

 

Aqui (Praça do Munícipio da Beira) chegaram chorando, porque não havia mais casa para chorar sozinho. Contamos 172 pessoas e não estavam todas no local. “Alguns foram procurar comida. Aqui não chega nada”, conta-nos Dina José, 43 anos, que perdeu a casa e ficou com três filhos para cuidar. São, na grande maioria, residentes da Praia Nova, mas também há do Esturro e da Manga. Dina e as filhas, que não podem frequentar a escola desde o dia da tragédia, não encontraram espaço no interior da loja onde vendia produtos de beleza e que ficou sem os vidros.

 

Coube-lhe um espaço reservado à entrada do Conselho Municipal, que terá de ser abandonado nas primeiras horas de segunda-feira (hoje).  Dina vivia na Praia Nova, numa casa com três quartos, mas nunca pensou que o ciclone fosse capaz de destruir o que levou duas décadas para erguer. Desempregada e viúva, Dina não só perdeu a casa, mas também os escombros. “Quando voltei para recuperar as coisas não encontrei nem os barrotes e nem as chapas... estou mal, perdi tudo e não esperava que fosse ficar aqui no município sentada, como quem parece estar a vir do distrito”, refere. De entrevistado em entrevistado, as histórias repetem-se e algo é comum: “aqui nunca chegou comida”.

 

No interior da loja da “darling” e em menos de 50 metros quadrados ‘habitáveis’, sem casa de banho e sequer uma latrina, convivem 82 pessoas. A maior distância que se pode percorrer dentro do espaço são 10 passos, de um extremo ao outro. Um percurso impossível de fazer sem contornar pessoas deitadas em caixas ou chapas de zinco à guisa de esteiras. Cada vez que alguém se cruza com uma pessoa, seja criança ou adulta, há uma história de perda e sobrevivência.

 

As paredes estão repletas de tigelas e cada família usa um fogão a carvão para preparar a única refeição do dia. Jaime António, saiu da Praia Nova para o Esturro e nos dois lugares veio-lhe a desgraça. No primeiro a maré empurrou-lhe para fora do bairro com uma esposa e três crianças. Esturro pareceu-lhe, então, há três anos, um porto seguro até o Idai vir provar o contrário, subtraindo-lhe primeiro as chapas de zinco e em seguida as paredes, uma por uma. “Mal Afastei as crianças, a primeira parede ruiu”, conta. Conferiu os filhos uma e outra vez para ter certeza de que estavam completos.

 

É tudo que se lembra do momento. Quando deu por si estava com duas cadeiras plásticas, uma bacia, a pasta escolar da filha e as roupas do corpo “num lugar com muita gente”. Também conseguiram levar umas capulanas. Colchão para dormir nem pensar. “São feitos de coqueiro e pesam demais”, justifica assim o facto de terem ficado para trás. Jaime ficou dois dias sem andar até que as pessoas lhe obrigaram a arrastar-se ao hospital. Uma vacina reduziu as dores e pouco a pouco recuperou o equilíbrio para caminhar. Algo que precisa para procurar alimentos para sua família.

 

Jaime vive outro dilema: o amor da sua filha mais velha pelos livros. Zinha não largou a pasta desde a tragédia, tentou cuidar dos seus livros e mesmo num local onde a desgraça é a palavra de ordem ela cuida dos livros, seca-os, organiza-os na pasta como se ao acordar tudo fosse voltar à normalidade. Chama-se Rosinha e frequenta a segunda classe. É orgulho dos pais e apenas quando seguro os livros é que se pode observá-la compenetrada e com o rosto fechado, como se ruminasse uma mágoa. Com olhar perdido no horizonte, ela cuida dos livros e dos cadernos, mas depois disso abre um sorriso e corre como uma criança descomprometida com tudo que ocorre ao seu redor.

 

Outros locais

 

Nos Centros de Acolhimento, espalhados um pouco por toda cidade da Beira, no Buzi e em Nhamatanda a ajuda chega apenas para uma refeição diária com base em arroz e/ou farinha de milho e feijão. Enquanto o apoio não chega e a maior preocupação continua a ser resgatar pessoas com vida, os que sobreviveram prosseguem na sua luta habitual contra todos elementos. Ademais da sua batalha diária com a falta de infraestruturas, de escolas para crianças e dos problemas de saúde. Ao cair da noite, surpreendentemente, os gritos de desespero se convertem em muitos casos em cantos e rezas, segundo coincidem vários testemunhos. “Um som comovedor em meio a uma tragédia horrível”, segundo comenta uma idosa que vive numa casa em cima da loja.

 

A Praia Nova, de onde vem a maioria dos “residentes” da Praça do Município, não é um bom lugar para viver, mas ainda assim 6000 pessoas tentam construir um bairro que apenas possui uma montanha de escombros e o cadáver de um e outro familiar enterrado numa vala comum. Mesmo na rua, que separa um bairro que foi destroçado literalmente, da cidade de cimento, há um grupo de jovens a fabricar um caixão com estacas de madeira.

 

...de volta à praça

 

Um pouco por toda cidade, menores vagueiam pelas ruas duma urbe onde só no sábado foi restabelecido parcialmente o fornecimento de água, sem nada que comer e sem protecção contra a violência e os abusos sexuais. A linha entre o inferno e o purgatório pode depender de algo tão simples como chover ou não. Há dezenas de milhares de pessoas nos centros de acolhimento, nas ruas e nos bairros alagados. Quando entrevistados quase todos dizem o mesmo: “que não chova mais”. Mas a chuva não dá tréguas. Vem e vai. Podia ser pior, claro, tudo poderia ser pior. Queríamos entrevistar os jovens a fabricar o caixão, mas não quiseram. Porquê há raiva? Uma raiva mansa, a que, todavia, se deve mais a resignação de cidadãos acostumados ao infortúnio. Como a raiva duma mulher acompanhada pela sua filha, apenas coberta por um trapo.

 

Responde as perguntas de rigor, onde te surpreendeu o ciclone?, perdeu algum familiar?, qual é o seu nome?, mas logo, quando vê que isso era tudo, pergunta com um tom incipiente de raiva: “isso é tudo? Só queriam conversar? Quando virá aqui para a Praça do Município alguém que não só queira conversar, que nos traga um pouco de ajuda?” (Rui Lamarques)

“Enterrar os mortos e cuidar dos vivos”, Marquês de Pombal

 

Começo com esta lapidar frase, porque ela ilustra uma circunstância e tempo trágicos, do terramoto de Lisboa. Ela aplica-se no contexto da Beira. Em tempos antigos, Lisboa foi arrasada. A Beira vive momentos dolorosos. Está um caos. A Beira é uma das cidades que goza do privilégio de ter infra-estruturas monumentais, agora enfermiças, escancaradas, detrás da cortina sórdida deixada pelo ciclone. A Beira só não é morta ainda, se não ajudarmos a enterra-la. A inércia humana e negligência só a podem enterrar. A Beira, essa placa giratória que liga o porto local ao hinterland (Congo, Zimbabwe, Zâmbia, Malawi, Burundi e Uganda) é um problema, não apenas moçambicano, mas da humanidade, porque ela é parte contribuinte e activa das economias desta África Sub-equatoriana.

 

Um guia da destruição da Beira

 

A Beira não se insinua, mas ao percorrer as suas “escombrosas” ruas, levantam-se várias mãos, do seu património histórico derruído. Começo o meu roteiro ao rasto de destruição no Cais Manarte: Aqui está um agoniante edifício da Capitania/Administração Marítima estendendo a mão de pedido de ajuda. A imponente e majestosa muralha de protecção da Beira Terrace, aqui onde se veem os mais lindos pores-de-sol, a montante do Rio Púnguè, está feita em destroços. O recém-inaugurado Beira Terrace não escapou ao flagelo.

 

A Beira tem, ao longo do rio Chiveve, infra-estruturas imponentes que compõem o seu portefólio turístico de heranças portuguesa e inglesa. As casas coloniais avarandadas e as casas de madeira-e-zinco não escaparam ao ímpeto de destruição do ciclone IDAI. Cito o caso da Casa Infante de Sagres, o edifício do Tribunal Provincial de Sofala, além de outras que ladeiam o edifício do Consulado de Portugal.

 

Apetece-me chorar, quando vejo o edifício do Millennium BIM (antigo Clube dos Ingleses) destroçado. Antigamente serviram de escritórios e tinha lá uma barbearia. Depois de ter sido abandonado, o BIM reabilitou-o. Preservou o seu toque clássico e as fachadas foram banhadas de um rosa, que luzia no seio dos edifícios desbotados, sem cor e deprimidos, característica da maioria dos prédios da Beira, sobre o qual o Governo central tem a gestão, não facilitando quaisquer planos do município, de os colorir, e até dissuadindo as grandes empresas de telefonia e de gestão portuária, de deitar mão sobre eles e conferir cor e beleza.

 

A beira dói por isso. A Beira não sofre só do ciclone. A Beira sofre de muitas outras intempéries. O mundo acordou para a Beira pelo ciclone que a devastou, mas a Beira está a braços com o isolamento do Governo central. As suas esburacadas estradas viram-se mais expostas nas últimas duas semanas, com o ciclone, porque as equipas do município que vinham fazendo manutenção, ocupam-se de remoção de um sem número de árvores tombadas por toda a cidade.

 

Os edifícios elevados do centro da cidade, da gestão do Governo central, estão sem cobertura e chovem a cântaros. O Prédio Emporium, que ameaça ruir, manteve-se irredutível ao temporal. Mas as suas pobres e tristes fachadas exibem apartamentos com janelas cobertas de plásticos e contraplacados. Esta imagem sombria estendem-se pelos prédios Tâmega, Zuid, Carlota, Cavadas, Brito, A Luta Continua, Adamastor, Vasco da Gama, Branco. A força do vento não poupou os vidros e deixou-os escancarados. A Cadeia Central, que devia ser museu, não escapou. A sua cobertura está afectada e os presos vivem debaixo de condições sub-humanas.

 

Eu adoro passear pela Ponta-gêa..

 

A cada dia, a Ponta-gêa, diferentemente, do velho Maquinino, símbolo na inércia e a anarquia devido as construções desordenadas e foco de mercados informais e de passeio, oferecia um leque de encantamentos, pelas casas particulares que começavam a ganhar cor e tratamento. A maioria delas ficou sem cobertura. Ao percorrer a Ponta-gêa perpassa-me um sentimento de inquietação. A Ponta-gêa, o Macúti, o Matacuane oferecem-me a imagem de uma Beira, idêntica a Paris, a Praga, a Varsóvia, depois de um bombardeamento aéreo da aviação hitleriana.

 

A Beira vem sofrendo isolamento desde Março de 1976, quando Samora Machel declarou sanções à Rodésia do Sul. Esta cidade, que foi eleita a mais e melhor cidade iluminada de África nos anos 60 do século passado parece ter sido destinada a carregar o peso da pedra de Sísifo. A pesada pedra da factura política pelas suas idiossincrasias estão agora visivelmente expostas, pois, do mais belo que havia restam ossos. Estão expostas nas feridas dos edifícios ex-libris, visivelmente a sangrar. Os emblemáticos Monte Verde e “Golden Peacock Hotel” sofreram.

 

Toda a gente fala do ciclone, mas há edifícios dos mais belos do mundo e do país que tem sofrido um ciclone progressivo da mente humana, da sua incapacidade de convivência na diferença: A Casa dos Bicos é um deles. Só há um edifício do género da Austrália. O ciclone intelectual da macrocefalia de Maputo não tem planos para a Casa dos Bicos.

 

E como tudo está nas mãos da macrocefalia de Maputo os beirenses são cépticos.

 

Não crêem que o actual estado deplorável do Palácio dos Casamentos, um dos mais belos do país, com uma impressionante escultura de Shikani, possa ser poupada do desleixo, da incúria e da intriga política que o transformam numa ruina, com este ciclone que veio acrescer a sua desgraça.

 

A incerteza agora é sobre qual dos ciclones, o da fantasiosa mente humana ou da natureza mãe, continuará curtindo, castigando a Beira. É o que deparo a olhar para a Casa da Cultura de Sofala. A sua reabilitação custou cerca de uma década. Agora totalmente a descoberto poderá passar outra década de travessia no deserto, antes da reabilitação.

 

A Avenida Mártires da Revolução era um esplendor todo, que se prolongava até ao Aeroporto Internacional da Beira. Vale que os seus proprietários pouco endinheirados abriram cordões às bolsas para cobrir as suas vivendas com lonas. Todavia, um donativo de lonas gigantes foi distribuído entre membros do partido FRELIMO que ocupam parte das residências. O Hotel Luna Mar e as casas ao redor sofreram os efeitos dos estilhaços que deitaram quase abaixo a Paróquia Sagrada Família, do Macúti.

 

O Restaurante Nhumba Yathu mostra uma cicatriz do ciclone na sua singular cobertura de capim. O Clube Naútico da Beira, que tem prolongado a sua coma “erosânica”, cedeu ao ciclone e pode ruir. O Naútico é o equivalente a Waterfront ou o Clube Naval, para a gente cá do burgo. O Complexo Tropicana não resistiu. A cadeia de barracas do Estoril não escapou ao efeito devastador do ciclone.

 

Quem conhece a Avenida das FPLM terá certamente a noção do condomínio aberto das Casas Municipais, do Macúti House, e das demais na primeira linha depois do Índico. Outrora eram uma imagem de ternura e felicidade. Hoje são o espelho da agonia de uma cidade que precisa de ser repensada. Talvez este ciclone seja um alerta para um momento de inflexão. Há situações que tornam a cidade fruto de rebeldia, da teimosia. Foi esta a teimosia que levou os seus fundadores a erguerem-na sobre um pântano.

 

Ciclones mentais

 

A teimosia de erguer a cidade na antiga praia dos Pinheiros, que se estende do Palácio dos Casamentos até nas imediações da Praia Nova, deve ser repensada pelo Município, que vem autorizando a ocupação de terrenos sobre o pântano, sem a observância de um plano antigo a que se sujeitavam os construtores da Ponta-gêa: casas elevadas com uma cave, evitando-se a submersão nas águas. Esse plano devia ser imposto em zonas como Macurungo 2, Estoril, Chota, porque os ciclones são cíclicos e, daqui a tempos, os moradores dos mesmos estarão sujeitos a efeitos colaterais. O ciclone desalojou os moradores do novo bairro de casas precárias da Praia Nova, alguns desses que tomaram de assalto os zincos que voaram de alguns edifícios e obras urbanas, para mitigar o seu sofrimento.

 

Infelizmente, o ciclone mental continua a fustigar a Beira. As famílias que deixaram as suas casas inundadas são afectadas adicionalmente por ondas de roubo e saque que tomou a Beira. Quadrilhas de assalto arruinaram a Minerva da Beira e o Xima Sorvetes, no primeiro não despojando livros, mas televisões, telemóveis, computadores, e no segundo congeladores, maquinaria de bar e restauração. Depois de ceder ao ciclone, a cidade está a ser fustigada por uma onda de assaltos.

 

A Polícia está impotente. As altas hierarquias da PRM e das FADM não acordaram para a dimensão colossal deste problema. Noutros países, os polícias e soldados assomam-se às campanhas de defesa, solidariedade e limpeza. Há que salvar o pouco que resta. O edifício do ARPAC, antigo Clube Chinês da Beira, merece toda a atenção da humanidade, porque a Beira é também património histórico universal.

 

Não fecho esta crónica sem me referir aos pinheiros que tombaram ao longo das dunas da praia. Eram relíquias. A areia das dunas que tomaram as ruas e de locais ermos está sujeita ao saque. Os estabelecimentos de ensino primário, secundários e universitários não escaparam. Os belos Pavilhões de Desportos e do Ferroviário não foram poupados. Por cima disso tudo, a cidade está entregue ao salve-se quem poder. (José Francisco)

Após a condenação a 10 anos de prisão da antiga embaixadora moçambicana nos Estados Unidos da América (EUA), Amélia Sumbana, na última terça-feira (19) em Maputo, três dos seus ex-colegas em Washington DC, também serão julgados, escreve o “Notícias” na sua de hoje. Trata-se de Jaime Chaúque, então Primeiro-Secretário da Embaixada, Maria do Céu, antiga adida financeira e co-assinante das contas da Embaixada e Sandra Cossa, que na altura dos factos desempenhava as de assistente da missão.

 

O juiz Rui Dauane, que julgou Sumbana, revelou que os três funcionários deviam ter ser sido constituídos arguidos no mesmo processo de querela n° 25/16/A, instaurado pelo Ministério Publico (MP). Maria do Céu é acusado do crime de peculato: assinava cheques, tendo facilitado a retirada de 10 mil USD, que foram depositados na sua conta particular, para além de ter violado regras, ao aceitar ordens verbais e ilegais da antiga embaixadora para emitir. Jaime Chaúque é acusado de cobranças ilícitas e dos crimes de abuso de cargo, corrupção passiva e desvio de fundos: Chaúque duplicava pagamentos no processo da obtenção de vistos, e fazia reverter os valores a seu favor. Já Sandra Cossa recebia subornos de requerentes para agilizar a obtenção de vistos na Embaixada de Moçambique, entre 2009 a 2015. (Carta)

O Juiz Adérito Malhope, da 10ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, apontado como uma das peças fundamentais na “conspiração para soltura de Nini Satar” e que já levou a detenção de oficiais superiores do Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP), afinal foi “ilibado” do caso, num processo de inquérito disciplinar (nº 14/2014/CSMJ), instaurado em 7 de Março de 2013 a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), e que foi dirigido por um juiz desembargador da 2ª secção do Tribunal Superior de Recurso da Beira.

 

Adérito Malhope foi inquirido pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), que a 25 de Fevereiro de 2015 emitiu uma deliberação com o nº 38/2015 ilibando o magistrado, alegadamente por não terem sido achadas provas de que ele terá violado procedimentos de justiça ao decidir favoravelmente à soltura de Nini Satar em 2014. Quatro anos depois, o caso voltou à baila com a detenção de 15 oficiais superiores do SERNAP, num processo que envolve 17 arguidos. (Omardine Omar)