“Se o governo não fizer nada, entre 61.000 e 65.000 moçambicanos morrerão; 94% da população terá a doença e, no pico, 190.000 precisarão de leitos hospitalares, dos quais 32.000 precisarão de cuidados críticos, muito além da capacidade dos serviços de saúde” – Estudo
"Uma acção rápida, decisiva e colectiva pode salvar milhões de vidas", diz a Equipa de Resposta ao Covid-19 do Imperial College (Londres), num relatório publicado nesta quinta-feira. Se nada for feito, 7 bilhões de pessoas serão infectadas e 41 milhões morrerão, de acordo com seu modelo. Se os governos impuserem restrições rígidas ao contacto social, a cifra cairá drasticamente para 2 bilhões de infectados e 2 milhões de mortos.
A equipa, chefiada pelo Professor Neil Ferguson, faz uma modelagem sofisticada sobre como a pandemia do Covid-19 progredirá. As projeções no seu relatório de 16 de Março, sobre a Grã-Bretanha, foram tão chocantes que obrigaram o Primeiro-Ministro, Boris Johnson, a reverter totalmente a política do Reino Unido e a ponderar o bloqueio (lookdown).
O relatório de Ferguson, de ontem (https://bit.ly/Covid-Imperial-12) constrói um modelo baseado na redução do contacto social. "Contacto social" é definido como contacto físico, como apertar as mãos ou contacto não físico, e trocar mais de três palavras. A recomendação mais comum para reduzir o contacto é manter-se a mais de 2 metros de distância de outras pessoas.
Estratégias que reduzam o contato social em 40% reduziriam para à metade as mortes globais, mas 20 milhões morreriam e os sistemas de saúde de todos os países do mundo ficariam sobrecarregados. Reduzir os números significa suprimir a transmissão e fazer esse contato social deve ser reduzido em 75% e concluído em breve.
Com base nos dados da Europa, cada pessoa com Covid-19 infecta três outras pessoas (geralmente antes de apresentarem sintomas) e a taxa de mortalidade diária dobra a cada três dias, o que é conhecido como crescimento exponencial. A única possibilidade é impedir que pessoas com a doença infectem outras pessoas. Isso significa reduzir rapidamente os contactos sociais - e testar, isolar aqueles com a doença e rastrear contactos.
Implicações para Moçambique
Ferguson e sua equipa alertam que eles podem estar a subestimar o impacto nos países de baixa renda, que têm serviços de saúde ruins e que "que serão rapidamente sobrecarregados". Eles admitem que, para os países pobres, os custos sociais e económicos mais amplos da supressão da transmissão, serão muito altos. Mas a única maneira de evitar falhas no sistema de saúde e mortes maciças é a "acção rápida, decisiva e coletiva".
O novo relatório lista os resultados do modelo para cada país, incluindo Moçambique. Ele toma em conta o Banco Mundial e outros dados sobre renda, serviço de saúde, perfis de idade, tamanho da família, etc. Também reconhece que o contacto social varia entre países e, portanto, para Moçambique, usa dados de um estudo recente sobre o Zimbábue (https: /journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0170459).
O modelo analisa a doença nos próximos 250 dias. Modelos de computador não são previsões precisas e sempre contêm suposições; neste modelo, eles baseiam-se em experiências tão distantes da China e da Europa, portanto podem ser diferentes para África.
O modelo é, então, testado com várias suposições. A primeira é baseada na rapidez com que as acções são tomadas. Eles modelam acções quando a taxa de mortalidade é de 2 pessoas por milhão de população por semana (63 por semana em Moçambique) e 16 mortes por milhão por semana (500 por semana em Moçambique) e mostram que agir mais cedo faz uma enorme diferença.
Eles também analisam diferentes taxas de infecção.
Os números são assustadores. Se o governo não fizer nada, entre 61.000 e 65.000 moçambicanos morrerão; 94% da população terá a doença e, no pico, 190.000 precisarão de leitos hospitalares, dos quais 32.000 precisarão de cuidados críticos, muito além da capacidade dos serviços de saúde.
Reduzir os contactos sociais em 45% reduz a taxa de infecção para 63% da população, mas as mortes caem apenas para 48.000. Se o governo passar à repressão para cortar os contactos sociais em 75% (isolamento ou bloqueio para a maioria das famílias), mas esperar demais (até 500 mortes por semana), 37% da população será infectada, 30.000 moçambicanos morrerão e a demanda hospitalar será de 84.000.
(...)
A África do Sul, com 927 casos e 2 mortes, impôs um bloqueio de três semanas a partir da meia-noite da quinta-feira passada. Todos devem ficar em casa. As compras são restritas a alimentos e outros itens essenciais (proibida a venda de álcool e cigarros) e às pessoas nem sequer são permitidos exercícios ou passeios com o cachorro. Pelo menos 23.000 moçambicanos, incluindo muitos mineiros, retornaram a Moçambique da África do Sul nos últimos dias para evitar o bloqueio, e alguns provavelmente serão infectados e transmitirão a doença a seus amigos e familiares.
Um bloqueio rápido ao estilo da África do Sul criaria enormes problemas para Moçambique. A maioria das pessoas é pobre e tem pouco dinheiro, e nem sequer tem água e sabão. (Joe Hanlon)
O edil de Maputo, Eneas Comiche, ainda não foi informado pelas autoridades estatais da Saúde (Direcção Nacional de Saúde Pública) de que ele está infectado com o Covid 19 e é o “caso 1” detectado em Moçambique, disse à “Carta” uma fonte fiável, próxima da família. Eneas Comiche foi testado na passada sexta-feira. No domingo, o Ministro da Saúde, Armindo Tiago, revelando o primeiro caso de infeoção por Covid 19 em Moçambique, disse tratar-se de um cidadão moçambicano, de mais de 70 anos, que havia regressado de Londres na véspera.
Nesta segunda feira, sua mulher, Lúcia Comiche, foi testada. No dia seguinte, Rosa Marlene, Directora Nacional de Saúde Pública, veio revelar que o terceiro caso de Covid 19 em Moçambique era um “indivíduo do sexo feminino, de mais de 70 anos, que teve contacto com ‘caso 1’”.
Mas Lúcia Comiche também não recebeu resultados oficiais do teste a que foi submetida, garante a fonte. Essa omissão, acrescentou, começou a “transtornar a família”, sobretudo porque o perfil dos dois casos remetia para o casal, tendo em conta sua idade e o regresso recente de Comiche de Londres, onde estivera sentado à mesa ao lado do Príncipe monegasco, Albert II, que anunciou sua situação de infectado após seu regresso à Mónaco.
No final da tarde de terça-feira, Lúcia Comiche telefonaria para a STV, revelando que ela era a tal mulher com mais de 70 anos, também infectada. A iniciativa da chamada não foi concertada pelo casal. A fonte de “Carta” disse que tratou-se de um “gesto de revolta” de Lúcia em face do silêncio das autoridades da Saúde. Segundo fonte, Lúcia deduziu que era ela a “infectada” em função dos dados divulgados por Rosa Marlene.
Até ontem no final do dia, garantiu a fonte, a família ainda não tinha recebido informação sobre os testes do casal. Ontem, Comiche esteve no Instituto do Coração (ICOR), estabelecimento hospitalar privado de Maputo. A ida ao hospital terá sido da sua iniciativa, mas uma equipa do ICOR foi buscá-lo à casa. Não conseguimos apurar as razões objectivas por que ele se deslocou ao ICOR.
A alegada relutância das autoridades da Saúde em revelar ao casal Comiche os resultados de seus testes produziu uma consequência lógica: o edil de Maputo está a ser crucificado na opinião pública por sua omissão. É muito bem provável, que nos próximos dias, Eneas Comiche rompa o silêncio e diga qualquer coisa sobre o assunto. (M.M.)
Quase 10 anos depois de ser criado (e com 8 de operações), o Banco Nacional de Investimentos (BNI) diz que já gerou lucros anuais consecutivos no valor global de 1.143 milhões de Mts, não obstante o ambiente macro-económico adverso; distribuiu dividendos ao accionista no valor total de 165 milhões a partir de 2014; aumentou o volume de activos em 144%; aumentou os capitais próprios em 33% com a incorporação de resultados não distribuídos de anos anteriores; concedeu financiamento ao sector produtivo no montante de 5 mil milhões de Mts (com destaque para o sector do agro-negócio e indústria) e registou indicadores regulamentares “bastante satisfatórios”, nomeadamente o rácio de solvabilidade (32.10%), rácio de liquidez de (185%), entre outros, indicando uma forte capitalização do Banco em relação a média do sector bancário.
O BNI foi constituído como um Banco de investimento moçambicano em Junho de 2010, tendo efectivamente iniciado suas operações em Janeiro de 2012, com um capital social de 2.240 milhões de Mts, equivalentes na altura a USD 70 milhões.
Em Dezembro do mesmo ano, o Banco passou a ser detido em 100% pelo Estado moçambicano, assumindo com isso também a missão de Banco de Desenvolvimento, e atingiu seu break-even point em 2014, fazendo pagamento de dividendos ao accionista no valor global de MT 165 milhões. Hoje, com cerca de 8 anos de operações, o banco traça um quadro altamente positivo.
Por causa da actual crise orçamental em Moçambique, o BNI não tem recebido dotações do Estado, recorrendo a empréstimos obrigacionistas para se financiar em Meticais e a linhas de crédito de seus parceiros internacioanis para se financiar em moeda externa. De acordo com fonte do BNI, o investimento do accionista viu-se valorizado com o aumento dos fundos próprios em cerca de MT 1.331 milhões (incremento de 33%), resultantes da incorporação do lucro não distribuído.
Com relação ao volume de financiamento à economia, o Banco gerou cerca de 5 milhões de Meticais, financiando empresas e projectos que criaram mais de mil empregos e auto-empregos, directos e indirectos em todo país, durante o período em análise, com destaque para o crédito ao sector de Transportes e Comunicações com 35%, Agro-processamento com 24%, em resposta aos objectivos definidos no Plano Quinquenal do Governo 2015-19.
Algumas áreas de financiamento
O BNI diz que tem estado envolvido em sectores cruciais como a comercialização da castanha de caju, seu processamento e exportação através de financiamentos concedidos aos maiores actores do mercado, no valor global de 20 milhões de USD. Parte significativa do valor destina-se à aquisição de matéria-prima (castanha de caju) dos pequenos produtores, contribuindo desta forma para o aumento da renda familiar, geração de empregos e de divisas para o país.
Também apoia na importação de fertilizantes para um dos maiores “players” do mercado, usando o porto da Beira como ponto de armazenamento e exportação. Cerca de 30% dos fertilizantes são destinados ao mercado local, e 70% para exportação. A fonte do banco acrescenta como emblemático o financiamento da expansão do sinal de comunicação (dados) para um dos maiores operadores de telecomunicações no valor global de 150 milhões de Mts, “permitindo o acesso mais alargado e com melhor qualidade dos serviços de dados às regiões de Tete, Nacala e Pemba”
Como resultado disso, seus principais rácios estão de boa saúde, nomeadamente o Rácio de Solvabilidade - principal indicador que mede a solvabilidade dum Banco -com um nível de 32.10% face ao mínimo exigido pelo Banco de Moçambique de 8%; e o Rácio de liquidez - que mede a capacidade do Banco de honrar com seus compromissos de curto prazo - fixado em 31 de Dezembro de 2018, em 185,44%, muito acima do mínimo regulamentar de 25%. Para além destes dois rácios, a Alavancagem financeira regulamentar (Fundos próprios/Activo total) – que mede o grau de capitalização do Banco, é actualmente de 54%, muito acima da média do mercado que se situa nos 17%.
Dinamizaçāo da economia rural e Oil and Gas
Em 2017, o Banco desenvolveu iniciativas para a dinamização da economia rural através da disponibilização de linhas de crédito destinadas ao empreendedorismo e a pequenas e médias empresas do sector agrário no valor global de 830 milhões Mts. Para o efeito, o Banco abriu uma agência em Tete para facilitar a sua actividade de concessão de crédito, acompanhamento da implementação dos projectos no terreno e avaliação do impacto dos mesmos sobre a comunidade.
Actualmente, refere, está em curso a implementação de uma linha de crédito no montante de 62 milhões de USD, em parceria com o FIDA (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola) para o financiamento de empreendimentos rurais, projecto estruturante para a nossa economia com forte enfoque para as pequenas e médias empresas.
Por outro lado, o banco dispõe de dois fundos de garantia de crédito para o apoio a Pequenas e Médias Empresas (PME´s) da cadeia de valor do sector de agronegócio, no valor global de 250 milhões de Meticais. A linha tem estado a viabilizar pequenos projectos mas com grande impacto social (geração do auto-emprego e auto-suficiência), “criando uma classe de pequenos empreendedores locais que gradualmente se vão organizando para assegurar o abastecimento aos seus mercados com a produção local” .
No segmento das operações da banca de investimento, o banco diz ter registado um desempenho satisfatório na busca de soluções de financiamentos a projectos infra-estruturantes do sector de energia e de oil&gas, tendo mobilizado 262 milhões de USD para o financiamento a projectos de empresas públicas que operam nos sectores acima referidos. E suma, o BNI diz que está saudável e recomenda-se. (Carta)
A Sexta Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) condenou o antigo Director-Geral do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), Baptista Machaieie, a oito anos de prisão maior. Acusado do crime de peculato, Baptista Machaieie foi ainda condenado ao pagamento de 84 milhões meticais de multa, pelos prejuízos causados ao Estado moçambicano.
No mesmo processo (nº 79/2018) estavam, igualmente, no banco dos réus, Francisco Mazoio (então Presidente do Conselho de Administração do INSS) e Miguel Ângelo Ribeiro (antigo Director-Geral da CR-Aviation), ambos absolvidos por não se ter provado a culpabilidade. Francisco Mazoio era acusado dos crimes de abuso de cargo e função, simulação e peculato. Já Miguel Ribeiro dos crimes de simulação e peculato.
Na hora de apresentar os argumentos que pesaram para a condenação de Baptista Machaieie, Rui Dauane, Juiz da causa, afirmou que Machaieie foi quem autorizou que fossem transferidos os 84 milhões de meticais dos cofres do chamado banco dos pobres para a CR-Aviation, montante usado para aquisição das quatro aeronaves.
Tal procedimento, disse Dauane, foi feito a despeito da lei (Regulamento da Segurança Social Obrigatória), pois, desde a primeira hora, Machaieie sempre soube que o INSS não concede empréstimos (à luz de um Memorandum de Entendimento) e só pode celebrar contratos com intuito de entrar na estrutura societária de uma determinada empresa, quando estiver cotada na Bolsa de Valores de Moçambique.
Dauane anotou ainda que, na qualidade de Director-Geral do INSS, Baptista Machaieie sempre esteve ciente de que os actos financeiros praticados carecem, sim, da fiscalidade do auditor das contas públicas, o Tribunal Administrativo (TA).
A ideia subjacente do ME celebrado entre as partes (INSS e CR-Aviation), a 14 de Setembro de 2014, é de que o chamado “banco dos pobres” pretendia fazer parte da estrutura acionista daquela empresa do ramo da aviação civil, sendo que para o efeito iria desembolsar 7 milhões de dólares norte-americanos, correspondente a 15% das acções.
O aludido ME foi rubricado, em representação do INSS, por Francisco Mazoio e da CR-Aviation, por Miguel Ângelo Ribeiro. Na CR- Aviation, uma sociedade por cotas, à data dos factos, Miguel Ângelo Curado Ribeiro detinha 51% e o falecido Presidente da Confederação das Associações Económicas, Rogério Manuel, 49%.
“Não faz sentido dizer que houve crime de peculato”, defesa de Baptista Machaieie
Depois de o Juiz da causa dar o veredicto final, o antigo Director-Geral do INSS era o rosto da desilusão e de total desacordo. Semblante similar apresentou o seu causídico, Abílio Sibinde. Aliás, Machaieie até chegou a perguntar ao juiz Rui Dauane se havia necessidade de ele assinar a acta, enquanto não concordava com o que nela vinha vertido. Ao questionamento de Machaieie, o juiz foi categórico: “Sim”.
Abílio Sibinde, nas breves declarações que prestou à imprensa, mal queria acreditar na decisão de Rui Dauane. Para Sibinde, não havia espaço para o enquadramento do crime de peculato, pois, o seu constituinte não se apropriou de qualquer valor ou sequer descaminhou para o benefício de terceiros.
O causídico de Machaieie disse não fazer o mínimo sentido a condenação, precisamente porque as aeronaves foram adquiridas de tal sorte que o MP tem sob a sua custódia desde a fase da instrução preparatória.
“É óbvio que depois de o Tribunal afirmar que as aeronaves foram adquiridas, aquele dinheiro não foi usado para outros fins senão para os fins para os quais se destinava. Então, não faz sentido dizer que houve crime de peculato. As aeronaves foram adquiridas. Eu penso que qualquer um que não tenha feito Direito pode entender esta matéria”, disse Abílio Sibinde.
Adiante, Sibinde, exactamente por não concordar com a decisão em primeira instância, garantiu que vai apresentar o recurso na instância superior.
“Finalmente a justiça foi resposta”, defesa de Francisco Mazoio
O advogado de Francisco Mazoio era a expressão mais alta da satisfação. Inácio Matsinhe disse que a decisão, ora tomada, não representava outra coisa, senão a “reposição da justiça”.
Matsinhe defendeu que sempre esteve claro que o seu constituinte não cometera crime algum, pelo que o Juiz estava verdadeiramente de parabéns pela decisão que acabara de tomar.
Adiante, Matsinhe visou o Ministério Público, afirmando que devia ser mais cauteloso e profissional. Matsinhe afirmou que não se devia limitar em “recolher tudo que encontra” e colocar para o juiz “escolher” e “tomar” a competente decisão.
“Foi uma decisão justa, embora que tardia”, defesa de Miguel Ribeiro
Para a defesa de Miguel Ribeiro, a decisão foi justa e que só pecava por ter sido tomada tardiamente. Elísio de Sousa avançou que o seu constituinte nunca sequer devia ter sido pronunciado ou acusado pelo que só veio ao Tribunal porque não havia uma outra pessoa que pudesse responder no processo retromenciado.
De Sousa explicou que, no negócio celebrado com o INSS, o seu cliente rege-se pelo princípio do direito privado e não pelos princípios do direito público, sendo que não podia ser responsabilizado pelo facto de outra parte (sector público) não ter observado os procedimentos. (Ilódio Bata)
O Presidente da República, Filipe Nyusi, nomeou Augusta Maíta para o cargo de Ministra do Mar, Águas Interiores e Pescas (MIMAIP), tendo em vista enfrentar os desafios que se colocam ao sector pesqueiro. Um sector assolado, entre outras coisas, por investidas do chamado “take away chinês” (resultado da fraca capacidade de fiscalização), pela atribuição de licenças pesqueiras a operadores que, no fundo, não passam de “testas-de-ferro” de empresas estrangeiras, ou pela realização de pesquisas sísmicas em áreas pesqueiras.
Bem a propósito deste assunto, “Carta” entrevistou Muzila Nhatsave, secretário-geral da Associação Moçambicana de Armadores de Pesca Industrial (AMAPIC).
- Enquanto armador, o que espera que aconteça no mandato que ora inicia?
“Como sabe, agora o nosso ministério de tutela virou de Mar, Águas Interiores e Pescas. Isto significa que é um ministério ou sector transversal. Atendendo e considerando que o país, por causa do advento dos recursos minerais, particularmente o gás natural e o desenvolvimento de outras áreas, tais como o turismo e a mineração de areias pesadas, vai fazer com que este sector tenha vários desafios de modo a equilibrar as várias actividades que acontecem no mar.
Como é sabido, o sector pesqueiro não é único com interesses no mar, mas está preocupado de certa forma com aquilo que é a protecção e conservação dos recursos. Não só por causa destas actividades concorrentes, mas também pelo uso dos recursos, de forma sustentável, não só para a pesca artesanal, mas para todos os subsectores das pescas, porque o que faz com que esta actividade perdure e dure é exactamente a abundância e a conservação dos próprios recursos – essa é a nossa bandeira, é a nossa eterna luta”
- Em termos de instrumentos legais, verificou-se no mandato passado o início da criação de alguns instrumentos jurídicos. Em que estágio estamos neste momento?
“Felizmente, como disse, este Ministério é novo. É preciso dotá-lo, primeiro, de organização e, depois, de alguns instrumentos jurídicos que possam nortear ou reger estas actividades. Felizmente existem bases já lançadas: temos a própria Lei do Mar, a Política do Mar, o Plano de Ordenamento Marítimo, o ROGEM – que embora pioneiros e não acabados, ao menos temo-los como bases, para aquilo que é a tentativa de equilibrar os vários interesses no mar. Esses interesses são, muitas vezes, complementares e outras vezes são conflituantes.
A outra preocupação tem a ver com a questão das licenças de exploração de recursos naturais em zonas de muita produção pesqueira. No nosso caso particular (pescadores), o que nos preocupa são as licenças de exploração de areias pesadas que foram atribuídas ao longo da costa, onde em alguns locais (como por exemplo em Larde) antes eram das zonas mais produtivas em termos de pesca, particularmente de camarão, hoje já não se apanha nada devido à poluição dos rios, à interrupção dos próprios estuários dos rios e outros tipos de violação de gestão ambiental que estão a acontecer.
Outra questão preocupante são as pesquisas sísmicas no delta do Zambeze e em outras regiões que também têm impacto a nível de captura do camarão. Existem inclusive zonas para as quais hoje as nossas frotas já nem vão, porque ainda sofrem dos efeitos dessas actividades, logo, é um desafio muito grande gerir esses assuntos. Teremos de dirimir esses assuntos e esse papel não deve ser só do sector das Pescas, mas também com outros ministérios. Ou seja, o mar hoje virou um assunto transversal que não se circunscreve apenas a este Ministério.
Cinco anos são poucos para montar uma nova dinâmica. É um processo em construção e nós somos parte da construção desse mesmo sistema que até agora conseguiu, pelo menos, lançar as bases para que haja esta convivência – não digo pacífica, mas pelo menos criteriosa – entre vários interesses no mar”.
- Quais os maiores “calcanhares de Aquiles” que o MIMAIP enfrenta e o que propõem para a sua superação?
“A gente augura uma maior cooperação porque a base legal já existe. Em Dezembro último, reunimo-nos com o ministério para ver a proposta de Regulamento da Comissão Nacional de Administração Pesqueira, a qual será composta não só pelo sector das pescas, mas também por todos os outros com interesses no mar. Ali teremos a oportunidade de sentar e discutir aspectos transversais no que diz respeito ao próprio mar.
Fora isso, temos o desafio natural que é a questão da fiscalização, porque achamos que o maior “calcanhar de Aquiles” que este sector tem prende-se exactamente com a fiscalização, que é débil. A fiscalização não tem meios, tanto materiais como humanos. E é uma opinião muito nossa da indústria, que, existindo uma polícia marítima lacustre fluvial, muitos destes problemas poderiam ser minimizados. Temos os fuzileiros navais que podiam muito bem, em algum momento dar apoio a esta actividade, isso para não falar da Força Aérea que também poderia dar a sua contribuição”.
O Ministério por si só não tem capacidade para controlar o que acontece no mar – não falo só de pesca ilegal, nem da pesca abusiva protagonizada mesmo pelos licenciados, mas falo também de outras actividades que acontecem no mar e que poucas vezes são descobertas. No mar acontece muita coisa, num país como o nosso, com uma vasta costa, não se pode dar ao luxo de ter essa mesma costa desguarnecida, logo, todos os esforços necessários serão poucos para controlar isto e a questão da fiscalização terá de ser muito pensada”.
É nossa visão que a questão da fiscalização em particular deveria ser autónoma e dotada de todos os meios para se fazer um bom trabalho. O Estado, por ser um e único, devia fazer aqui uma partilha de esforços e recursos para colmatar esta situação.
É de referir, por exemplo, que há cerca de dois anos as taxas de licenciamento subiram muito e, em alguns casos, essa subida chegou a quase a 300 por cento, sendo que a desculpa era que que parte dessa taxa se destinava a financiar a fiscalização”.
Nhatsave entende que, passado este tempo, não se justifica que a instituição peça ajuda da indústria para fazer face à situação de falta de fiscalização, principalmente neste período de veda do camarão que vai até finais de Março.
“Não se justifica que se subam as taxas e a fiscalização não tenha dinheiro para fazer como deve ser o seu trabalho. Então, neste mandato gostaríamos que houvesse muito investimento e que levassem a questão da fiscalização muito mais a sério. Está legislado que 20 por cento das receitas vai para a fiscalização e gostaríamos que este dinheiro realmente fosse para esse fim e, como indústria, vamos continuar a prestar o nosso apoio.”
- Como analisa a perspectiva de desenvolvimento apresentada pelo presidente Nyusi durante a cerimónia de tomada de posse?
“Claramente que o sector das pescas tem um potencial económico muito grande. Aliás, já foi um sector que muito contribuiu para o equilíbrio da balança de pagamentos neste país. Mesmo hoje, se fôssemos tirar todas as outras exportações dos grandes projectos e considerar só as exportações de mariscos e daquilo que é produzido realmente aqui por empresas moçambicanas, ainda ocupamos um lugar cimeiro em relação aos outros países, então este sector tem muito potencial na geração de receitas. O problema aqui é que deve haver maior fiscalização, investimento em infra-estruturas, em particular para a pesca artesanal”.
- Em relação à pesca artesanal, qual é o vosso real posicionamento?
“A indústria é semi-industrial e é responsável pela exportação de 3500 toneladas de camarão, contra 6 a 7 mil que é da produção dos artesanais, mas este camarão que é o nosso maior valor económico não entra nas contas do Estado. A gente apanha o nosso camarão vendido nos países vizinhos muito mal processado, com caixas das nossas empresas que são roubadas, e camarão mal processado é um atentado à saúde pública, podendo manchar a imagem do nosso produto além-fronteiras”.
A solução aqui não é de combater os artesanais: eu costumo dizer que o sector informal em países como o nosso (particularmente os africanos), não se combate – acomoda-se. É preciso sim disciplinar, dotar este sector de capacidade de infra-estruturas para que os seus agentes possam manusear e processar os seus produtos, de igual maneira e que entrem na cadeia de valor para que aumente renda para os seus praticantes.
E nós como indústria temos um papel muito importante, pelo menos numa fase embrionária, em que em vez de olharmos os artesanais como concorrentes ou maus da fita, temos o dever também de puxá-los para o nosso lado e de colocá-los dentro da nossa cadeia de valor.
Esta produção dos artesanais pode ser muito bem aproveitada pelo sector privado ou industrial que já tem acesso a mercados e conhecimentos no tratamento e na conservação do próprio produto e que muito bem poderia coloca-lo no mercado nacional e internacional com um preço diferenciado. Até porque há segredos para que o camarão tenha preços altos e para que se possa colocar o produto no mercado. O camarão da pesca artesanal fica muito tempo ao sol acabando por perder um pouco da sua qualidade. Porém, esse camarão tem sim saída, não só localmente, como também a nível da região, até porque temos recebido vezes sem conta pedidos deste produto”.
O nosso problema como armadores não é a falta de mercado, mas, sim, a falta de produto e este produto artesanal poderia ser muito bem aproveitado por todos. Seria um maior rendimento para a economia nacional, seria uma maior arrecadação de receitas para o sector das pescas e também uma melhoria na vida para os moçambicanos. Em suma: o que devemos fazer neste sector de pescas é haver uma complementaridade entre todos os sectores.
Mas sem investimento, sem educação e, principalmente, sem infra-estruturas, pouco ou nada se pode conseguir. Daí que eu diga que um dos maiores desafios que temos como país para este sector é exactamente o das infra-estruturas: estradas, energias e processamento destes produtos nas regiões onde se verifica maior produção, em particular artesanal e que este entre nos circuitos da economia nacional”. (Omardine Omar)
O governo está a preparar uma leva de soltura de prisioneiros para aliviar a superlotação dos estabelecimentos prisionais, apurou “Carta de Moçambique” de fonte do executivo. Esta semana, o Presidente Filipe Nyusi concedeu um indulto, por “razões humanitárias”, a 25 presos que padecem de doenças graves.
A soltura em vista enquadra-se nas medidas de contenção em face da pandemia do Covid 19. Para já está afastada a hipótese de concessão de liberdade provisória aos arguidos das “dívidas ocultas”, disse a fonte. Os elegíveis para a soltura serão os detidos com prazos de prisão preventiva expirados, os detidos preventivos por crimes que não envolvem sangue e passíveis de caução e os condenados que cumpriram metade da pena e demostraram bom comportamento.
A soltura de prisioneiros em todo o país, com base em critérios claros e objectivo, vai ser instrumental para evitar-se uma eventual tragédia nas cadeias moçambicanas no contexto do Covid 19. A maioria das prisões está superlotada e já infestada por doenças contagiosas como a sarna e a tuberculose.
Um exemplo dramático é a Cadeia Central de Machava (Estabelecimento Penitenciário da Província de Maputo), com 3525 reclusos (a BO, de alta segurança, contígua à Central, tem 600). A Central tem 10 pavilhões com17 celas cada (onde moram entre 5 a 6 reclusos). Cada pavilhão tem uma área chamada “lateral” que também alberga reclusos. Há laterais com mais de 100 reclusos, muitos dos quais dormindo no chão ou nos corredores. Existe também um pavilhão de menores, com mais de 450 reclusos.
Recentemente, o governo determinou o cancelamento de visitas às cadeias também o quadro do Covid 19. A Central recebia todos os dias cerca de 700 visitas. A medida foi aplaudida, incluindo por prisioneiros, mas ainda há duvidas sobre se ela foi efectiva. Alegadamente, os novos presos não estão ainda a ser testados e os guardas prisionais fazem todos os dias seu vai-e-vem de casa para o serviço. (M.M.)