A empresa fornecedora do serviço de marcação de combustíveis, a SICPA, SA (uma sociedade alegadamente associada a uma alta patente da luta armada), que na semana passada anunciou ter recorrido ao Tribunal Administrativo de Maputo para sanar alegadas irregularidades no actual concurso que procura novo provedor, foi contratada de forma fraudulenta, apurou uma investigação de “Carta”. O contrato entre o Governo e SICPA terminaria em neste mês de Agosto, mas foi alargado para Dezembro por causa da pandemia vigente.
Em 2018, o MIREME (Ministério dos Recursos Minerais e Energia) contratou a SICPA a um preço anual de 12 milhões de USD. E um concorrente que apresentara credenciais técnicas de competência, a americana Authentix, foi descartado. Seu preço anual (um custo para os contribuintes) era de 7,5 milhões de USD, substancialmente menor.
Em dois anos de contrato para a marcação de combustíveis (mecanismo que usa um componente químico para determinar que certo combustível importado para consumo local seja considerado moçambicano; uma espécie de marca para efeitos de controle da sua circulação), o Governo está a pagar à SICPA perto de 24 milhões de USD, contra os 15 milhões que pagaria se a opção tivesse recaído sobre a Authentix (que concorrera em consórcio com a Intertek).
Mas atenção: o dinheiro não sai diretamente das contas do Tesouro. Sai do bolso dos consumidores. Sempre que um moçambicano se abastece, também está alimentando uma firma que ganhou fraudulentamente um concurso.
O caso remonta a 2014. Sob a batuta do Ministro Salvador Namburete, o MIREME lançou o primeiro concurso para contratação de uma empresa provedora de marcação de combustíveis. Concorreram a Authentix, a SICPA e a Global Fuels International. A Authentix foi uma das pré-selecionadas. Na altura, a proposta técnica, de acordo com os termos de referência, tinha peso de 70%. Americana e operando à escala global, a Authentix estava à espera de derrotar também seus concorrentes, fornecendo uma proposta financeira competitiva. Uma fonte próxima do processo disse que um poderoso “lobby” político estava igualmente interessado e eventualmente a adjudicação seria manipulada.
Pedro Couto foi o escolhido do Presidente Nyusi para a pasta do MIREME em 2015. Ele terá sido alertado para essa possibilidade de manipulação, e cancelou o concurso. O assunto foi retomado em 2017, já no consulado de Letícia Klemens, através de um anúncio datado de 13 de Junho.
A Authentix (com a Intertek) voltou a concorrer. Tinha novamente como oponentes a SICPA em consórcio com a Global Fuels e a SGS/TC. Em 28 de Julho de 2017, a SGS/TC e a Authentix/Intertek receberam uma informação segundo a qual tinham sido desqualificadas por não terem atingido a pontuação requerida para a aprovação das suas propostas técnicas. Mas, espanto, sua condição de desqualificados for comunicada oralmente, sem fundamentação. E a SICPA foi logo considerada a vencedora.
A Authentix, durante vários meses, esgrimiu argumentos junto do Tribunal Administrativo de Maputo para que o concurso fosse revisto. Não tanto por causa da desqualificação, mas sobretudo porque a proposta técnica aceite pelo MIREME era completamente contrária ao estabelecido nos termos de referência, nomeadamente as especificações técnicas dos Serviços, de resto uma prática cada vez mais recorrente nos concursos públicos em Moçambique: um desfasamento completo entre proposta técnica vencedora e contrato final com os Termos de Referência.
As especificações requeriam marcadores que cumpriam com determinados requisitos ambientais. Mas, de acordo com um parecer técnico colhido pela “Carta”, a SICPA apresentou marcadores que continham outros elementos que não obedeciam aos padrões exigidos pelas empresas gasolineiras e governos. Um exemplo é o marcador XRF, que exige o uso de elementos como halogéneos e metais, que colocam-no tecnicamente em violação das leis e políticas nacionais ambientais bem como da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos e Persistentes. Concretamente, o marcador vencedor era um “halogenated scavenger”, que contém “bromine”, considerado como extremamente nocivo para pessoas e animais.
Uma exposição na posse da “Carta” estabelece que “o uso de halogéneos e metais nos marcadores, para além de banidos nos combustíveis desde 1992, são facilmente adquiridos por traficantes com vista a legalização da marcação”. O pior de tudo, disse uma fonte, é o facto de o MIREME ter aceite a proposta de uma empresa que fornecia apenas um marcador para cinco itens, quando a Authentix apresentara 5 marcadores para os diferentes usos (5 itens, nomeadamente a marcação do diesel, da gasolina, do combustível em trânsito e do que entra em armazéns alfandegados), de acordo com os termos de referência. O facto de a comunicação sobre a desqualificação ter sido feita de forma oral, sem qualquer fundamentação como manda o direito administrativo, causou muita estranheza nos meios familiares com o processo. O caso deu entrada no Tribunal Administrativo, mas “Carta” desconhece o veredicto. O mesmo tribunal tem agora em mãos uma queixa da SICPA. (M.M.)