No dia 16 de Agosto de 1661, Nicholas Fouquet, o ministro das Finanças de Luís XIV, Rei de França, recebeu o monarca numa grandiosa festa para comemorar as obras do seu sumptuoso palácio de Vaux-Le-Vicomte (que irá servir de inspiração para construir o palácio real de Versalhes).
Luís XIV ficou impressionado com a beleza e grandiosidade do palácio, mas não entendeu como era possível um seu súbdito ter tanta riqueza, mais do que o próprio Estado, que lhe permitira construir tamanha obra de arte.
O monarca concluiu que só através da corrupção e de desvio de fundos do Estado teria sido possível ao seu ministro obter tão magnífico património. Se assim o pensou, melhor agiu, e rapidamente mandou prender Fouquet, confiscando-lhe o palácio. O ministro das Finanças morreu na prisão e o seu palácio foi o modelo de Versalhes mandado construir pelo rei.
Recentemente, em Luanda algo de semelhante se está a passar, agora não em termos de palácios, mas em termos de casamentos. Depois de um primeiro casamento sumptuoso da filha do Presidente da Assembleia Nacional, no Outono do ano passado, que indignou a população, realizou-se recentemente um ainda mais magnificente casamento, agora da filha de famoso general Dino com o filho do não menos conhecido ex-ministro Pitra Neto. Os aspectos pessoais e a felicidade dos noivos são algo que sempre se deve respeitar e não estão em causa. Em avaliação estão os impactos políticos deste casamento.
A imagem que mais se retém desse casamento é a do general Dino, aprumado no seu fato de bom corte e tecido aprimorado segurando uma mimosa sombrinha branca com orgulho indisfarçado. Dino segura na sombrinha como quem segura um ceptro real, fazendo lembrar aquelas fotografias a preto-e-branco antigas onde se vêem orgulhosos sobas empunhando um chapéu-de-chuva aparentemente como um símbolo de poder trans-terreno.
Este casamento, na altura em que foi feito, nos termos em que foi produzido tem uma mensagem política clara e evidente, semelhante à que os magnatas de antigamente queriam remeter aos seus reis periclitantes. “Vós sois o monarca, mas nós temos o poder e fazemos o que queremos”. O general Dino fez uma afirmação política face a João Lourenço, manifestando que não o teme e agirá como entender. Este é mais um desafio provocatório. Podem-lhe confiscar mil apartamentos, mas ele tem mais outros mil apartamentos, podem-lhe confiscar mil milhões, mas ele terá outros mil milhões.
A política, como sempre afirmou o velho ditador português Salazar, vive de percepções. E neste caso juntam-se várias percepções explosivas. A primeira é que a fortuna do general Dino não foi obtida de modo legítimo, e por isso, estar a exibi-la quando João Lourenço intensifica o seu combate à corrupção não poupando sequer Isabel dos Santos, é um repto directo ao Presidente. “Vem cá se tiveres coragem”. A segunda percepção liga-se à primeira e dela resulta que parece que Dino e Pitra Neto “gozam” com o povo sofredor. Numa altura de crise, de pobreza, de dificuldades por todos reconhecidos, estes magnatas com fortunas de origem discutível, atiram a sua riqueza faraónica nas ventas da população. Há um desrespeito pelo povo que já não é admissível.
A velha elite não respeita João Lourenço e despreza o povo. Esta é a conclusão da observação da festarola vergonhosa que foi este casamento.
A autoridade de João Lourenço está constantemente a ser colocada em causa, e, sobretudo, este género de acontecimentos minam-na. O processo de afirmação do Presidente da República tem sido paulatino, as armadilhas legais e económicas estavam montadas. Quando assumiu a Presidência, em Setembro de 2017, encontrou legislação que lhe limitava os poderes em vigor, e a família e colaboradores leais ao anterior Presidente nos postos-chave.
Desde aí, tem desmontando a atadura a que fora sujeito. Mas ela persiste em ficar, nua e crua. Os senhores do dinheiro são os mesmos e acabam de fazer uma demonstração pública de desafio a Lourenço clamado para toda a população que não o temem. Este é o significado político de casamento do ano. (José Zango, em Luanda)