O Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, prometeu a 14 de Junho passado que iria tomar medidas para minimizar o impacto do elevado custo de vida no país. Segundo Nyusi, as medidas incidiriam principalmente sobre as taxas de combustíveis (as de natureza fiscal), bem como subvenções ao sector formal de transporte de passageiros. Disse que as mesmas poderiam ter impacto negativo nas contas públicas e nas reservas do Banco Central. Uma semana depois, o porta-voz do Conselho de Ministro, Filmão Suaze disse que o Governo ainda estava a estudar que medidas tomar.
Desde a data da promessa, passarm quase 20 dias. Nem água ia, nem água vinha. Enquanto isso, os preços de diversos produtos e serviços sobem a cada dia. O poder de compra reduz continuamente. O custo de vida é cada vez mais elevado. Como consequência, queixam-se os cidadãos e os empresários. E, não é para menos, a situação é mesmo deveras complicada.
Perante a realidade, “Carta” interpelou dois economistas e vários cidadãos para saber que medidas o PR poderia tomar para minimizar o elevado custo de vida motivado principalmente pelo impacto do conflito Rússia-Ucrânia. Grande parte dos entrevistados fez uma previsão pessimista.
Os economistas
Dos dois economistas, um chama-se Luís Magaço Júnior. Sobre a nossa questão, Magaço que para além de economista é Director-geral da Austral Consultoria, foi breve, mas principalmente moderado. “Penso que o Governo tem pouca margem de manobra. Não há poupança doméstica para fazer face a actual crise. A demora pode ser porque os pacotes de ajuda para este programa estão atrasados. Entretanto, espero que o Governo reduza o imposto de combustível. Aqui o Governo tem margem apesar de eu não acreditar que o Ministro de Economia e Finanças aceite”, afirmou Magaço.
João Mosca, outro economista explicou que se não há poupança doméstica, é porque Moçambique é um “Estado falido. Cheio de dívida pública, desde externa até interna”. Como consequência, Mosca que também é docente universitário e gestor no Observatório do Meio Rural afirmou que o Governo vive de “Estou a pedir” aos parceiros de cooperação para satisfazer despesas públicas.
“Se o Governo não toma medidas é porque não há. Quanto dinheiro dá aos refugiados do terrorismo em Cabo Delgado? O Governo está financeira e institucionalmente incapacitado para mitigar o impacto desta crise. Para mim, a resolução da crise está dependente da Rússia e Ucrânia”.
Em contrapartida, Mosca disse que se o Governo for tomar medidas, o impacto será de curto prazo. Defendeu-se lembrando os subsídios da pandemia da Covid-19, que foram “sol de pouca dura”. Além disso, nalguns casos o dinheiro distribuído, em vez de ajudar, era motivo de tumultos.
Falando especificamente do Banco de Moçambique, Mosca afirmou que por ser uma instituição com gestão “reservada e contraproducente” não espera que tome medidas para mitigar o impacto da crise.
Os cidadãos
“Carta” deslocou-se ao mercado grossista do Zimpeto para ouvir opiniões de diversos cidadãos “anónimos” (jovens e adultos), desde revendedores até compradores. A um grupo de cidadãos buscamos expectativas sobre as medidas que possam ser tomadas. À outros conversamos sobre o impacto do custo de vida (histórias relatadas mais abaixo). As opiniões dadas foram também semelhantes às dos economistas, recheadas de muito cepticismo.
Um dos interpelados é Almirante Sitoe, um jovem que na altura se encontrava a fazer compras. Ele disse que é mais uma promessa política que não se irá cumprir. “Eu não tenho nenhuma expectativa. Há quanto tempo o Presidente está no poder. Fez tantas promessas e não cumpriu. Vai ser desta? Então nada será feito. O custo de vida não se reflecte neles, mas sim em nós. Então em nenhum momento ele saberá o que nós necessitamos, porque não conhece o povo que tem”, afirmou Sitoe.
Outra entrevistada preferiu falar em anonimato. Mas identificou-se como revendedora. Relatou que a vida está tão difícil, de tal modo que mesmo que “as medidas venham não vão mudar muita coisa porque irão chegar quando estivermos no fundo do poço. As medidas já deveriam ter acontecido se é que existem”.
Entretanto, dos interpelados nem todos foram pessimistas. Alguns apresentam propostas positivas. É o caso de Helena Mafuta. À saída do mercado, onde fazia compras, a senhora disse esperar que o Presidente tome medidas que catapultem a produção interna para pararmos de depender de exportações. “A vida está difícil. Como consequência abolimos muitas coisas para garantir compras básicas. Quanto às medidas, espero que o Presidente tome medidas que possam permitir maior produção interna. Eu acredito que há muitas terras onde possamos produzir”, propôs Mafuta.
Diferente de Mafuta, Olga Matico defendeu a redução de preços de todos os produtos e serviços, com destaque para os combustíveis, por entender que o encarecimento deste produto é o principal motivo para a onda da inflação. “Se baixassem o preço de combustível aí também outros produtos iriam baixar”, sugeriu Matico.
Enquanto não há “almofadas”, a vida é cada vez mais dura
O custo de vida está cada vez mais elevado com a contínua subida de preços, com destaque para o combustível, o “sangue” da economia. Por consequência dessa subida, os cidadãos e os empresários clamam.
Alcides Maposse é um dos vários jovens revendedores de máscara que o Jornal interpelou no Zimpeto. Disse que com o elevado custo de vida o poder de compra dos clientes reduziu e o negócio não flui. “Está muito difícil. Os preços de muitos produtos subiram. O poder de compra das pessoas baixou drasticamente. Se antes as compras eram feitas em grandes quantidades, hoje, no lugar de comprar um frango inteiro, as pessoas compram em pedaços. O óleo, açúcar, idem, compra-se em quantidades abaixo de um litro ou um quilograma”, afirmou Maposse.
Falando concretamente do seu negócio, o revendedor explicou que com a temperatura e a poeira que se levanta no mercado era suposto ver muitas pessoas a comprar mais a máscara para se protegerem de doenças respiratórias, “mas uma e outra pessoa é que compra ''. Por exemplo, em vez de comprar uma caixinha que contém 50 unidades, o que pode ser económico, a pessoa compra duas ou quatro. Para vender uma caixinha é difícil”.
Na condição de anonimato, uma entrevistada afirmou que “a vida não está fácil. Por exemplo, antes gastava com o rancho seis mil Meticais, mas agora aumentei mais três mil, mas mesmo assim não chega para todas as necessidades. Tudo está caro, não há excepção”. Com exemplos práticos, a fonte apontou que actualmente uma caixa de tomate custa 1000 Meticais, contra os anteriores 400 a 600 Meticais. Outro exemplo é o óleo. Se antes, a entrevistada comprava cinco litros por pouco mais de 300 Meticais, actualmente disse que o preço disparou para aproximadamente 1000 Meticais ou mais, dependendo da qualidade do produto.
Lesada, a classe empresarial também lamenta
Em finais de Maio, dias depois do segundo agravamento do custo de combustíveis, a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) veio a público queixar-se da crise, bem como pedir “almofadas”. A classe mostra-se sufocada com a actual onda de subida generalizada de preços. Para além de combustíveis, apontam a subida do preço do trigo, bem como de juros (o preço do dinheiro) nos bancos. Em suma, a CTA diz estar perante três crises, a de combustíveis, alimentos e financeira.
Face a estas crises, exige "almofadas" ao Executivo de Nyusi. Como medidas, a CTA propõe que se criem mecanismos para que as associações de transportes possam promover a criação de depósitos nos terminais para a aquisição do combustível em grupo ao distribuidor, beneficiando-se, assim, do preço baixo. A classe diz que isso permitiria que os transportadores comprassem o combustível a preço do distribuidor que é inferior ao preço de venda ao público.
No pacote de medidas, a CTA diz que não se pode deixar atrás a questão fiscal, visto que, o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), tem peso significativo na estrutura do preço final do combustível. Por um lado, a classe entende que o IVA na importação de combustível acaba tendo um peso de cerca de 11% no preço final do litro de combustível. Por outro lado, aquele Imposto ao distribuidor, tem peso de cerca de 13% no preço final. A Confederação defende igualmente medidas para impulsionar o sector agrícola, porque actualmente, apenas cerca de 2% do crédito na banca comercial vai para o sector.
Elevado custo de vida vai continuar
Com a contínua deterioração do conflito da Rússia-Ucrânia e sem fim à vista, bem como a demora na tomada de medidas por parte do Chefe do Estado, os já aludidos economistas perspectivam a contínua subida do preço dos combustíveis, facto que irá influenciar a inflação interna. Como consequência, os economistas foram unânimes em afirmar que continuaremos a observar o aumento de empresas com dificuldades operacionais e o aumento da fome e da pobreza.
Refira-se que numa entrevista concedia à Lusa, a economista na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Monika Tothova afirmou em princípios de Junho último que os graves níveis de fome actuais e a insegurança alimentar (devido a crise de alimentos no mundo) deverão atingir não só os pobres, mas também pessoas que não corriam esse risco, principalmente em países em desenvolvimento. Moçambique e' claramente um dos países visados. (Evaristo Chilingue)