“Mais cedo ou mais tarde, no caso, mais tarde, a Sessão do comité Central da Frelimo irá acontecer e os pré-candidatos conhecidos. A questão que se coloca, aos membros da Comissão Política e do comité Central é: estão satisfeitos com a forma como as coisas estão, o tempo de realização das eleições internas é razoável? Se não, então, que agendem o debate desse assunto e encontrem formas de intervenção, independentes da liderança máxima, que possam corrigir o que não está certo. Isso passa, naturalmente, por rever os poderes dos vários órgãos e dos próprios membros. A Frelimo não deve estar na boca do povo por piores razões”.
AB
“Os sucessivos adiamentos da derradeira reunião da Comissão Política da Frelimo (o órgão mais importante no intervalo entre as Sessões do Comité Central), para a indicação dos três a quatro nomes que irão constituir a lista dos pré-candidatos a candidatos da Frelimo para as eleições gerais, estão a criar um grande nervosismo. Estão também a alimentar várias teorias de conspiração na corte partidária, cada uma mais extravagante que a outra”.
In Canal de Moçambique, edição nº 869 de 21 de Fevereiro de 2024
Nos derradeiros momentos, rumo às eleições Gerais para a Presidência da República, Assembleia da República e Assembleias Provinciais, 11 de Outubro de 2024, a Frelimo ainda não apresentou candidato para qualquer das eleições, sendo o mais importante, no interesse público, o candidato da Frelimo à Presidência da República. A importância do candidato da Frelimo, na minha opinião, deriva do facto de ser quase certo que será o próximo Presidente da Frelimo.
Pela narrativa de alguns membros seniores da Frelimo, que se têm prestado a dar a cara, quer me parecer que um dos grandes obstáculos é o facto de ser a “vez” do centro do País oferecer candidato a candidato para a Presidência da República, segundo um acordo de “cavalheiros” que, por ser de “cavalheiros” não foi reduzido à escrita, mas, socorrendo-me do texto publicado na edição acima, a minha reflexão é no sentido de a Frelimo manter-se coerente com os seus princípios! Passo a citar o jornal “Canal de Moçambique”.
“O Canal de Moçambique apurou que, em 2013, supunha-se que José Pacheco fizesse a vez de Filipe Nyusi, e Armando Guebuza até estava para lá inclinado, mas, para sossegar Alberto Chipande, que, entre todos, era o mais barulhento, chegou-se a um acordo sobre “a vez do norte”, e Alberto Chipande, que estava com problemas de saúde, indicou Filipe Nyusi.
José Pacheco retirou a sua candidatura e apoiou Filipe Nyusi. José Pacheco está agora em campanha como candidato natural, fruto desses arranjos” no mesmo pacote (da vez do centro), acabou por surgir um candidato que, de todos, é o que mais deixa clara a sua intenção de ser candidato. É o Jaime Basílio Monteiro”, fim da citação.
Posto isto, e porque não existe nenhum desmentido claro, através das personalidades que, supostamente, entraram para o tal acordo de “cavalheiros”, como pacato cidadão, só de opinião que a Frelimo deve manter essa coerência, pelo menos, até completar o ciclo, que será o “SUL, NORTE E CENTRO”, julgo que não é pedir muito à Frelimo, representado pelo seu Comité Central. Sejais coerentes!
É verdade que a Frelimo de ontem, a que estabeleceu o acordo de Governação de Moçambique, não é a mesma de hoje. Quando se estabeleceu esse acordo de Governação, estava-se no regime de partido único, partido “que dirige o povo”, e hoje estamos num sistema multipartidário, um sistema em que, independentemente da sua região, qualquer um pode concorrer às eleições. Este regime de livre concurso, por consciência, não devia ou não deve contar para a Frelimo, por ter assumido esse compromisso. Sabe-se também que as personalidades que fizeram esse acordo, hoje, na Frelimo, podem não ser relevantes, mas não serem relevantes é o mesmo que não respeitarem a sua própria história, entretanto, isso já não surpreende a sociedade!
Por outro lado, a Frelimo deveria rever os seus instrumentos de Governação interna, incluindo os poderes do seu Presidente. Com este andar, podemos vir a ter um Presidente que nem a Comissão Política do seu partido irá ouvir. Nessa perspectiva, julgo que a própria Comissão Política não devia ser refém da boa disposição do seu Presidente para agendar e debater matérias importantes do País. Dever-se-ia prever outra forma de convocação e de agendamento das matérias. O actual Presidente está de saída, o próximo permanece uma incógnita.
Para concluir esta reflexão, a ideia é que a Comissão Política da Frelimo apresente quatro nomes a pré-candidatos da Frelimo, todos do centro de Moçambique, sendo que, havendo um membro da Frelimo com vontade e direito de concorrer, fora deste acordo de “cavalheiros” existente, este possa concorrer. Assim, na minha opinião, a Frelimo manter-se-ia coerente com os seus princípios e respeitaria a sua própria história. Agora, vir a público dizer que “nunca houve acordo nesse sentido” e o que é ainda pior, exigir a cópia desse tal acordo, é uma atitude de má-fé!
Devo deixar claro que esta minha reflexão, por enquanto, não defende nenhum pré-candidato especial. Mais ainda, eu sou do Sul, da Província de Inhambane, por isso não faço parte dos cidadãos do centro de Moçambique. Por outras palavras, não tenho qualquer interesse no processo!
Adelino Buque
Virado para o mar, para sempre, o pórtico dos escravos guarda em silêncio as dolorosas memórias dos gemidos. Das torturas. Dos escárnios e das revoltas. Mas nem parece que será daqui onde vão partir sem regresso, os homens acorrentados e empurrados pelos açoites para o interior dos porões sombrios, sem sequer lhes darem a oportunidade de acenar pela última vez para as belíssimas paisagens em todo o percurso a partir da baía, passando por Mucucune e praia da Barra, com Linga-Linga à ilharga até ao Mar Alto, de onde a terra já não se vê.
Revisitei ainda esta semana, sem entusiamo, este lugar que fará da cidade de Inhambane inteira, um património da humanidade, e desta vez, em vez das dores vocalizadas dessa fase cruel das grilhetas, senti as canções cantadas em côro para celebrar a poesia. Então, os escravos estão vivos, despidos de mágoa e rancor. O que deixaram para trás cabe a nós preservar, não a eles.
Os escravos não carecem das nossas lágrimas, a quem gravita na órbita das luzes brilhantes do pós-morte não se chora, aclama-se como aos actores reais que usam os palcos como Céu, onde a dor não existe. É por isso que, passando por aqui hoje, não se sentem os arrepios dentro de nós, os escravos não estão mais onde jazem os cheiros dos seus corpos tatuados com ferro aquecido em fogo, eles já não se lembram disso, nós sim.
Mas não é justo que ao pórtico seja impedido o mar. O mar já não se vê a partir daqui. Barraram-no com construções que representam a anarquia e a desvalorização do belo. É como se eu estivesse a ouvir, passando por este memorial, as vozes dos escravos em torrente dizendo: derrubem essas barreiras por favor, queremos contemplar a nossa bela baía! Rebentem com isto! Liberdade!
Mas esses gritos não serão, comcerteza, dos escravos, são da minha imaginação, dos meus sentimentos, “Rebentem com isto!”. Os escravos já não reivindicam, jamais voltarão a materializar-se, eles agora cantam e dançam danças jamais vistas e cantam novas canções, diferentes das que entoavam nas plantações da prosperidade alheia, já não se lembram das feridas da carne e da própria alma agora livre para sempre.
Rebentem com essas construções em frente ao Pórtico dos escravos, porque queremos contemplar o mar e perscrutar os sons da história produzidos pelos pés descalços dos escravos chapinhando na água para terras de longe. O mar é a nossa poesia, é a nossa música. Então rebentem com isso, e deixem os escravos livres!
“A acção dos terroristas em Cabo-Delgado dói a qualquer moçambicano consciente das responsabilidades sociais e humanas. Os cidadãos que sofrem são nossos irmãos, os cidadãos que sofrem ataques são moçambicanos como nós e, convenhamos, a solução do problema de Cabo-Delgado, que remonta a 2017, é do Estado moçambicano. Não vejo razões para ficarmos indignados com a posição da Embaixada de França. E Mais, a Total é uma empresa privada, logo, quem irá decidir sobre a permanência, retoma ou desistência são os seus dirigentes e não o Governo e tão-pouco a Embaixada Francesa.
Nós, moçambicanos, devemos assumir as nossas responsabilidades. O assunto de Cabo-Delgado é de soberania de Moçambique e o país deve resolver o problema recorrendo a todos os meios possíveis e imaginários, sem endossarmos responsabilidades a terceiros. Hoje, 21 de Fevereiro de 2024, a Embaixada de Inglaterra alinhou pelo mesmo diapasão e, acredito, muitas outras chancelarias o farrão. Assumamos as nossas responsabilidades, o povo que está a ser chacinado, junto com as residências queimadas e outros bens públicos, são pertença de moçambicanos. Isso não nos indigna? Indigna-nos a posição da Embaixada Francesa, quando defende seus concidadãos? Sejamos sérios!”
AB
“A França estabelece com Moçambique uma antiga relação de vizinhança pelo Oceano Índico. A pertença da Ilha Reunião à França e que muito cedo desenvolveu relações económicas com Moçambique (desde 1642). A presença francesa na Ilha Mayotte tornada departamento francês através do referêndum em 2009 data de 1841. Estes dois departamentos franceses agrupam aproximadamente um milhão de habitantes, a maior população francesa do ultramar e são vectores importantes da cooperação (militar, económica e cultural) entre a França, Moçambique e com outros países do Oceano Índico”
In Site da Embaixada Francesa em Moçambique
“Moçambique acolhe investimentos de Empresas francesas de grande dimensão, a exemplo da Total e Technip que, em conjunto, investem no nosso país mais de 20 mil milhões de dólares americanos. Este volume de investimentos mostra claramente que Moçambique é um parceiro vital e estratégico para a França, razão mais do que suficiente para que nos fosse endereçado o convite”.
“Ficou claro que Moçambique e França partilham interesses económicos vitais, cujo sucesso passa por um ambiente de Paz, segurança e estabilidade de Moçambique”, assegurou o Chefe do Estado, em conferência de Imprensa de balanço da visita à França.
In Presidência da República, 19 de Maio de 2021
A Embaixada Francesa em Moçambique aconselhou os seus concidadãos a não viajarem para as terras de Cabo-Delgado, porque não é seguro, devido à violência que se reporta naquela parcela de Moçambique. As reacções internas sobre esta notícia são variadas. Alguns consideram que a França ainda age como um país colonizador, usando métodos do Seculo XIX, outros, ainda, falam de desinvestimento da França em Moçambique, alegadamente, porque a declaração da Embaixada Francesa é ofensiva!
Leio e oiço tudo isso, estupefato. Não consigo compreender as razões de reacções tão virulentas, quando uma embaixada, em representação do seu país, não aconselha os seus concidadãos a irem para uma zona de guerra, onde os terroristas, quer queiramos, quer não, é que determinam a música para se dançar. Não percebo muito bem por que razão a França teria de aconselhar seus cidadãos a irem para Cabo-Delgado, sabido que a estabilidade e segurança são precárias. Mesmo os nativos estão a transferir-se para lugares seguros fora de Cabo-Delgado, a questão é: porque os franceses teriam de recomendar a ida para esse lugar!
Há muita coisa que se possa dizer sobre a guerra terrorista de Cabo-Delgado, mesmo recuando aos tempos em que a segurança dos investidores era feita por estrangeiros e falava-se de mais de 300 mil dólares americanos dia, o que levou as autoridades moçambicanas a pensarem em uma solução interna, o que culminou com as dívidas ocultas. Até isso podemos chamar à colação da instabilidade em Cabo-Delgado, mas dizer que a Embaixada de França está equivocada, por aconselhar seus cidadãos a não viajarem para Cabo-Delgado, definitivamente, NÃO!
Veja, no texto acima, a intervenção do Presidente da República, depois da visita à França, reconhecendo a necessidade de Moçambique assegurar um ambiente de paz, segurança e estabilidade para que haja sucesso. Ora, pelos relatos vindos da província de Cabo-Delgado, as condições de segurança e estabilidade tendem a deteriorar e dizer que é da responsabilidade dos franceses julgo ser exagerado. Assumamos as nossas responsabilidades internas e deixemos de atirar culpas a terceiros, sobre as nossas políticas erradas!
Eu, pessoalmente, sinto-me “Cabo-Delgado”. Carrego o sofrimento dos meus concidadãos de Cabo-Delgado. Agora, exigir que um cidadão francês sinta o mesmo que nós, julgo ser injusto. E mais, a Total é uma empresa privada e não pública, o Embaixador representa os interesses do Estado Francês e não propriamente as Empresas Francesas, por isso associar o pronunciamento do Embaixador e a Total é forçar coisas que não se são iguais, embora se possam complementar. Cabe ao Governo a reacção e não aos cidadãos nacionais e ou estrangeiros. Contudo, e acima de tudo, é responsabilidade do Estado Moçambicano garantir a Paz, segurança e estabilidade em Cabo-Delgado e não de outra entidade qualquer!
Adelino Buque
“Os jornalistas também são alvos dos terroristas. A guerra terrorista, na província nortenha de Cabo-Delgado, tende a criar grandes divisões entre a sociedade, de um modo geral e entre a sociedade e a classe dirigente. Na minha opinião, isso se deve às deficiências na comunicação, na era da internet, em que as pessoas podem comunicar-se em privado e em público, estando em qualquer local. Difícil é omitir factos e, ainda que os órgãos competentes não divulguem determinada informação, esta será divulgada, de qualquer forma, com o potencial de ser divulgada com algum exagero, seguindo a velha máxima de que “quem conta uma história, aumenta um ponto”. Assim sendo, o importante, nestes casos, seria instituir-se alguém que sirva de ligação entre os factos no terreno e a sociedade, através dos órgãos de comunicação social. Acusar os jornalistas não é a melhor solução para o problema de Cabo-Delgado”.
AB
A guerra movida por terroristas, na província de Cabo-Delgado, está com tendências a criar múltiplas divisões internas, entre os moçambicanos e entre os moçambicanos e a classe dos governantes. Na minha opinião, razões não faltam para esse mal-estar entre nós e da sociedade contra os governantes. Aqui, devo referir que um dos grandes problemas, que suscita mal-estar entre a sociedade e os governantes é a comunicação.
São raras as comunicações sobre o estado de guerra em Cabo-Delgado. Das bocas dos governantes, ouve-se um exacerbado optimismo, que contrasta com os factos no terreno. Entre esse vazio, criado por quem deve comunicar, surgem os órgãos de comunicação externos, com maior domínio da situação no terreno, que propriamente os órgãos de comunicação nacionais e a questão que se coloca é: porque os nossos órgãos de comunicação não divulgam as notícias que são divulgadas por outros órgãos de comunicação para o mundo. Não havendo essa comunicação, as vítimas, muitas vezes, recorrem às redes sociais para lançarem o seu grito de pedido de socorro!
Há uma coisa inegável nos acontecimentos, quando existe um facto e os órgãos competentes divulgam esse facto, não há como especular sobre esse mesmo facto. O que pode acontecer, e acontece, é cada órgão de comunicação social produzir notícias de acordo com os seus interesses editoriais e, quando é assim, é fácil o cidadão atento tirar as suas próprias conclusões porque, certamente, terá visto nesta ou naquela televisão, nesta e outra estação de radiodifusão e lido nos jornais e por aí. Dificilmente se pode falar de estar a favor deste ou do outro, podemos falar de deturpação da notícia porque é pública.
Pessoalmente, compreendo o mal-estar do Governador de Cabo-Delgado, contudo, penso que ele próprio não é informado, tempestivamente, das ocorrências militares no território que governa. O domínio da situação está nos militares e todos sabemos que o governador não é militar. Enquanto os militares não receberem ordens claras sobre a divulgação das ocorrências no teatro operacional, continuaremos a nos acusar mutuamente. Imagino como terão ficado os jornalistas baseados em Pemba ou em Cabo-Delgado no geral com a “acusação” do Governador da Província.
Por estas e outras razões, é hora, na minha opinião, de todos os órgãos de comunicação social, baseados ou não em Cabo-Delgado, conhecerem o seu interlocutor válido, os relatos esporádicos dos Administradores, o aparecimento periódico do Governador e as raras aparições dos militares são a causa da especulação. Esse interlocutor deve servir, também, para os órgãos de comunicação estrangeiros, de modo a combater as assimetrias de informação.
Para terminar esta minha reflexão, peço a sociedade moçambicana, que nos unamos em torno de Cabo-Delgado. O terrorismo que a população vive naquela província atinge-nos de qualquer forma e todos temos um familiar a residir ou em missão de serviço naquela província, para além de que são cidadãos moçambicanos, nossos concidadãos, que sofrem com a guerra. Por isso, todos nós, devemos dizer basta a guerra naquela parcela de Moçambique!
Adelino Buque
Escrevi e publiquei recentemente dois artigos de opinião. Um tinha como título (IN) Dependência: Não se esqueçam de voltar e, o outro, A Demissão do Povo. No primeiro, tentei fazer um chamamento aos libertadores de ontem, por alguns considerados opressores de hoje; conforme pode ler-se num dos parágrafos do artigo: “Os nossos libertadores, os nossos heróis e os nossos referenciais de luta e verticalidade foram se transfigurando ao sabor do vento, e alguns deles viraram, nossos opressores. Nasceram elites negras, que se esqueceram dos ideais da revolução e se preocuparam em vestir a máscara de ovelha em corpo de lobo. Os nossos libertadores, tornaram-se obcecados pelo poder e pela posição de destaque no banquete pós-independência. Recriamos e personificamos a aquilo a que Frantz Fanon designou de “Pele Negra e Máscaras Brancas”, onde pretos oprimem outros pretos e se acham dignos para o fazer em virtude do tempo emprestado na mocidade e juventude para que fossemos hoje o país livre que somos. E Será que realmente somos?”
No segundo, A Demissão do Povo, iniciei aludindo o facto de o povo ter sido demitido. Em diálogo aceso entre eu, a folha e a esferográfica, não sabia se dizia que o povo se demitiu ou se o povo foi demitido.
Disse: “O povo foi demitido do seu papel de fiscalizador. Foi demitido de monitorar, de reclamar, de pedir para ter dignidade mínima. (…) A pobreza generalizou, as assimetrias agudizaram, a corrupção institucionalizou-se, as liberdades reduziram-se, o espaço cívico afunilou-se, e o povo começou a sentir-se estranho na sua própria terra.”
Longe de pretender fazer futurologia, o alcance era lançar uma reflexão em torno do país que estamos a (des) construir, e perspectivar o amanhã que queremos para nós. Revisitei estes dois textos e vi neles alguma actualidade. Encontrei neles o mote para escrever este artigo que baptizei de resignificar Moçambique. Por resignificar entenda-se a necessidade de dar um novo significado ou recuperar a mística que com o tempo fomos perdendo – A mística da moçambicanidade.
Ouvi, recentemente, a mamã Graça Machel, numa das suas aparições públicas – se dirigir ao povo no geral, mas focando mais à juventude como alvo. Um dos pontos que mais chamou atenção foi quando ela disse: “Jovens, não se sentem em cima do legado de Samora (...) Não deixem o legado deste grande homem se perder.” Entendi como um recado, como uma chamada à acção e um convite à reflexão sobre o legado do Primeiro Presidente de Moçambique independente; à preservação e seguimento do legado deste estandarte da nossa moçambicanidade.
Na cerimónia de outorga do Doutoramento Honoris Causa à renomada e consagrada escritora e activista social – Paulina Chiziane, durante a sua alocução disse em viva voz, socorrendo-se do famoso adágio popular - “A boa fruta se conhece pela sua árvore”; a fruta que temos hoje é azeda, é tirana. O que se passa com a árvore então? E quem é a árvore? – indagou.
A árvore somos nós os mais velhos; somos nós que dirigimos o estado, as instituições, as religiões e a sociedade. E se essa geração esta assim, é porque alguma coisa está errada na árvore. - Retorquiu!
Poderia trazer algumas vozes que ecoam de forma audível entre os mais comprometidos com o projecto de dar um rumo ao país. Vozes de valor agregado para o debate da construção de uma nação em que os valores sociais são mais importantes que todos restantes. Severino Ngoenha, Adriano Nuvunga, Óscar Monteiro, Teodoro Waty, Elísio Macamo, Mia Couto, e outros tantos nomes que não trarei por economia de tempo e espaço, são unanimes em afirmar que precisamos repensar Moçambique e dar um significado a luta pela independência e construção do Estado-nação.
Urge pensar um país mais inclusivo, onde as liberdades individuais e colectivas sejam respeitadas. Um país com independência das instituições, dos três poderes e com uma máquina estatal mais capaz, progressista, comprometida e livre de amarras político-partidárias. Um país em que a corrupção, o despesismo e o nepotismo não figurem entre as primeiras palavras do dicionário social e político.
Precisamos criar uma narrativa para o presente e que possa criar bases de um futuro onde a moçambicanidade possa rimar com a integridade. Uma narrativa que se desconstrói a ideia de existência de sucesso sem trabalho, sem mérito e sem sacrifício. Uma narrativa que coloca o cidadão, e a pessoa humana no centro de todo o processo governativo e como elemento primordial para o desenvolvimento do país. Enfim, uma narrativa que o forte não é quem tem mais recursos e mais poder, mas aquele que pensa de forma mais inclusiva, englobante e acima de tudo nutre amor pelo país.
Precisamos igualmente de sedimentar o pluralismo na nossa sociedade; revigorar a unidade nacional e a aceitação do diferente, combatendo o divisionismo e o etnicismo. Uma sociedade em que os vários pensares confluem para a solidificação deste longo, contínuo e complexo processo da moçambicanização da nossa identidade, de edificação de bases fortes para uma governação forte, altruísta e progressista.
No país conhecido comummente como o país de Mondlane e Machel, onde as liberdades vem sendo sistematicamente reprimidas e asfixiadas, a dúvida é uma realidade não assumida e o medo tomou conta de vários sedimentos da sociedade.
Sim, temos medo de reivindicar o direito de sermos nós mesmos. Sentimento este que gera um questionamento sobre o nosso contributo social e humano para o país, e ao mesmo tempo convida-nos a abandonar esta longa noite escura que nos engole; noite esta caracterizada por discursos vazios, demagogias e descrédito sobre o nosso ser como país.
Agora temos dúvidas sobre a nossa gloriosa epopeia e medo de afirmar que Moçambique é dos Moçambicanos. Parafraseando Mia Couto: Há quem tenha medo que o próprio medo acabe. E eu acrescento, que há quem tenha medo de dormir e acordar sem personalidade jurídica.
A herança da violência do homem branco contra o homem preto – o chicote colonial -, não pode nem deve ser replicada pelas instituições de defesa nem pelos famosos esquadrões na sua mais crua forma de reprimir aquilo que julgávamos ter conquistado com a independência – a liberdade, o direito à autodeterminação e a participação no processo de construção de um estado-nação.
É meu entendimento, e talvez não apenas meu, que a bolha social da tolerância estoirou, e, é resultado de um acumular de situações que levaram anos e talvez décadas para se cristalizarem. Com ela (a bolha social), emergem e as ditas formas de ação popular punitiva e apelo a alternativa e a alternância, ainda que se subassuma que seria mais do mesmo. Nesta manifestação silenciosa, mas bastante ruidosa assistimos a segunda vaga da auto-demissão do povo.
Neste exercício de resignificar precisamos buscar as referências e as bases da criação do nosso Estado - O Estado que outrora foi motivo e objecto de orgulho e júbilo. Um estado onde o bem-estar social e o respeito pelas liberdades individuais e colectivas são respeitadas; onde a educação é um instrumento emancipador e não fonte de opressão e destruição, e onde os mais básicos serviços estejam disponíveis para a maioria.
Entre consonâncias e dissonâncias, uma coisa está a ganhar forma - há uma tentativa de busca incessante por um significado para a nossa existência como povo – a busca por um futuro melhor em que todos nos sintamos parte integral e integrante deste projecto chamado desenvolvimento.
No final o sonho de todos é apenas ter um Moçambique para todos.
Por: Hélio Guiliche
Aqui, entre nós, não é muito comum que um álbum se vinque e tome sua forma a partir do título. “Venho de Longe”, de Elvira Viegas, reforça logo a construção do sentido musical e enriquece o processo conceptivo, estético (e, na expetativa, melódico) das 15 músicas que a compõem. O álbum dá continuidade à evocação de referências das suas vivências que são sinónimos de calos, lágrimas, pesares e tentativas pregações de moral e patriotismo.
E é sobre isso que quero aqui abordar. Elvira faz, neste 2024, 50 anos de carreira e 69 de idade, a completar em outubro próximo. Tem cinco álbuns gravados, “Nfzixikala vitu”, “Tlanga upimela”, “The best of Elvira Viegas”, “Venho de Longe” e “Ora Chegou”, que deixam sempre a sua fragância melódica por onde ecoam. São quatro vidas que me interessam analisar, mas hoje, nesta extensa introdução, interessa-me recuar no tempo e, desde o início, seguir essas pegadas feitas em 50 anos de música.
“Venho de Longe” (uma reedição de The best of Elvira Viegas), como sugere o quarto disco, traz, na sua organização, as melhores músicas da cantora, gravadas originalmente em diferentes momentos e circunstâncias. São esses os calos da sua história, de lá longe de onde vem, que, regravadas e alinhadas, compõem o primeiro álbum ousado da cantora, juntando igualmente instrumentistas como Pipas, Stélio Zoe, Carlos Gove, Sacre, e o seu falecido irmão Pacha Viegas.
E sem rodeios: o disco é a mascote da Música Ligeira Moçambicana – um campo que já foi dividido entre ela, Elsa Mangue e Zaida Chongo. Bem, um pouco forçado também por Mingas, embora o seu estilo circunde entre o ligeiro moçambicano e o moçambicano internacional –, que antes mesmo de reeditado, já tinha conquistado reputação na Rádio Moçambique, reafirmou o valor da artista e o reconhecimento que veio também da Rádio França Internacional (RFI), que o atribuiu o seu galardão maior (Prémio Descoberta), no ano de 1987.
Com audácia, e uma dinâmica crescente, sem por isso quebrar a senoide, o álbum conta a história de um país – e seus inquilinos – que prossegue em meio a tantos problemas, sobretudo relacionados às mais básicas dádivas da humanidade: dar amor aos filhos, aos cônjuges, aos vizinhos, ter esperança e perseverança.
Por isso, as batidas, misturando uma Marrabenta e Afro-Pop, estimulam a nostalgia ao ressoar do teclado característico de Pipas. As composições são modestas, interpretadas com um soltar de voz, em timbre grave: o equivalente melódico da fleuma de poesia cantada. Pois canta com alma, mestria, simplicidade e às vezes complexidade! E não será coincidência qualquer semelhança com Elsa Mangue, a quem ficam também reverentes nostalgias. As duas são feitas de poesia!
Transportando para estúdio a intensidade do ao vivo, Elvira Viegas reafirma-se no álbum em “Errei, pequei” e, abusando da sua criatividade, mistura elementos comuns de diferentes estilos do Afro-Pop, o que dificulta a sua categorização e, ao mesmo tempo, apresenta um material agradavelmente inusitado aos seus ouvintes. A música é uma obra completa, no sentido de que nenhum instrumento envolvido seria muito coerente se fosse ouvido sozinho. A bateria e a guitarra acompanham a voz, estonteante, que repetidas vezes clama: “Errei, pequei com o coração ao deixá-lo chorar”.
A música rasga o peito e reverencia a complexidade poética de Elvira. É sobre dor, prazer, paixão? Não, é sobre a aceitação: “Errei, pequei aos olhos dos homens, descobrindo o meu caminho, não pisando a areia movediça”, diz a música, levando à consciência sobre a necessidade de se ser livre e feliz. E a liberdade se espalha numa tonalidade primorosa. A voz está segura e confiante, o som invade o cenário e casa-se com a melodia até tudo explodir num refrão que alivia a tensão e resolve a harmonia com inteligência e bom gosto.
“Xikala Vitu”, o mesmo que sem nome, continua aqui a fazer subir o álbum e traz ao arrepio dessa viagem rítmica outros brilhos, outros sentidos. Aqui, Elvira recolhe-se mais, divide seus quatro minutos de dor com Sizaquel e Jenny, que também, no fundo, dão drama à música. Uma melodia que dói, que arrebata e nos traz à memória a covarde moda de assassinatos de parceiras em Moçambique. E questiona: “Como te chamarei se comeste a minha boca? Como te escutarei se grelhaste a minha orelha? Como irei brincar contigo se cozinhaste os meus seios? E as tripas o guisado?”
Elvira deita fertilizante nas suas canções melancólicas, e duas delas espraiam-se mesmo pelas lágrimas. Uma delas, Grito da Criança, é o auge de tudo o que Elvira sente e viveu: uma maratona por toda a sua geografia musical e afetiva, tempestade de bateria e melodia, uma crónica da crueldade do abandono familiar, uma obsessão pela moral e um fatalismo pelo caos que vivemos. A outra música, Coração de Pedra, um choro de outra mulher, é útil porque desmente a falácia de que toda a mulher-mãe é protetora.
Texto: Reinaldo Luís
Jornalista e Editor de Cultura