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quarta-feira, 03 abril 2024 11:42

Ainda sobre o refrão dos bitongas

Voltei a passar em frente ao Gabinete do Governador de Inhambane, um edifício de fina arquitectura do tempo, cheio de lâmpadas na fachada, e notei mais uma vez que todo aquele cenário à volta, do qual já falei exaustivamente até não me cansar, continua o mesmo, sem brilho. Os dois aquários colocados no jardim defronte, projectado no sentido de oferecer à cidade uma paisagem esverdeante, e,  consequentemente, trazer beleza e leveza, não têm peixe, o repucho deixou de aspergir água, e o bolor tomou conta de tudo. A estátua de Samora Machel, mal concebedida pelo arquitecto provavelmente coreano, agride violentamente o espírito dos apreciadores da arte, é uma obra deplorável, Samora não tinha pararício no dedo.

 

Naquele edifício trabalha o governador Daniel Chapo, pelo qual nutro uma grande simpatia. É um homem bom, mas também com o nome que tem, não tinha outra opção que não fosse praticar a honestidade e integridade. Daniel, profecta do antigo testamento, é muito atencioso e apegado a família, possui um senso maternal muito forte. É o tipo de pessoa que gosta de se sentir útil e necessário. Então, urge que o nosso “El Chapo”, como lhe chamam a brincar algumas pessoas, dê uma vista de olhos no “seu-nosso” jardim.

 

Passo por aqui sempre que vou à cidade, onde o silêncio tornou-se o refrão dos bitongas. E não posso voltar para casa sem chegar aos Caminhos de Ferro, cujas instalações estão em forma de escombros, não há esperança. Toda esta zona, a defunta serração que já ninguém se lembra dela nas conversas, nem do restaurante Maguluti do Dalsuco, onde conheci o Magid Mussá cantando o lado mais belo da vida, até hoje, com uma voz  muito mais linda, se calhar melancólica como o canto das rolas ao final da tarde.

 

E é neste percurso em que sou levado pelos demónios do amor, que vejo um homem andrajoso entrado na idade, sentado no banco de madeira na Estação dos Caminhos de Ferro. Eu também sento-me ali, partilhando com um desconhecido, a memória do tempo. Há uma diferença aparente entre nós. Enquanto o ilustre desconhecido traja roupa mais do que carcomida e rota e suja e tem cabelo desgrenhado, eu visto calças e camisa de ganga e sandálias de couro, tudo limpo, sem me esquecer do boné que me proteje a calvice, mas as minhas roupas podem ser pura fantasia fantasia, o importante é saber como é que estou vestido por dentro.

 

Saudei hesitantemente o meu futuro companheiro de ocasião, e para o meu espanto, ele retorque: estás bem, Alexandre? Apanhei um susto como no dia em que Deus troveja numa sarsa tornada caixa vocal chamando pelo Moisés, e Moisés perguntou: que és Tu? E a voz que ressurge da sarsa, respondeu: Sou eu, o Deus de Jacob e de David e de Abrahama!

 

E eu também quis saber do homem que vocalizava o meu nome com carinho,“quem és tu, não me lembro de t!?“ e ele contraperguntou-me: lembras-te do Guipfodzo, teu vizinho na Fonte Azul?

 

Prestei mais atenção nele, mesmo assim não podia reconhecê-lo, a não ser o nome que me ribombava. Era o regresso às paródias de criança e de adolescência, ao amor e à verdadeira amizade, e tudo isso era luz.

 

“Não pagas uma garrafinha?” Fui com ele, o Guipfodzo, entrando pelos becos de Chalambe, onde me indicou uma gruta imunda onde se bebe thonthontho, e onde estão outros homens bebendo aguardente de jambalau e de cana-de-açúcar, sem olhar para trás.

 

E eu tinha uns trocados no bolso, com os quais paguei bebida a potes para o Guipfodzo e para toda a gente que estava alí. Bebi com todos eles, no mesmo copo que rodava na roda da frustração até ficar bêbado, e voltei para casa feliz, a cheirar no corpo o odor horrível do meu amigo, transmitido naquele abraço profundo de despedida.

segunda-feira, 01 abril 2024 07:00

MIGUEL BUENDIA, 80 ANOS

A 20 de Fevereiro de 1973, Miguel Buendia, aos 28 anos, expulso de Moçambique, consegue, dissimulado no casaco, levar para fora do país o relatório que estaria na origem da vigorosa denúncia empreendida por Adrian Hastings sobre o tenebroso massacre de Wiriamu, ocorrido na província de Tete a 16 de Dezembro de 1972, cometido por tropas portuguesas, um dos mais hediondos da história da humanidade. A polícia da DGS interpelou-o. Ele trazia dois livros sobre a teologia da libertação, que foram cuidadosamente revistados, página a página.  Levava o relatório no bolso do casaco, a polícia não teve coragem de revistar a sua roupa do corpo. Como emagrecera muito desde que chegara a Moçambique, ainda temeu a possibilidade de lhe descobrirem o manuscrito explosivo. Quando lhe perguntaram: “Tem alguma coisa a declarar?” Foi seco na resposta: “Não!”, olhando o agente, olhos nos olhos. O relatório não incluía as vítimas de Chaworha. Provavelmente, na pressa de fazer sair aqueles documentos, se tenha optado por um deles.

 

Miguel Buendia e Júlio Moure, ambos da congregação Padres de Burgos, tinham ordens para abandonar Moçambique, em duas semanas, desde 6 de Fevereiro. Na véspera da partida pernoitaram na casa da ordem na Beira e no dia 20, uma terça-feira, quando estavam prontos para seguir para o aeroporto, o padre José Camba, da mesma congregação, que fizera duzentos quilómetros desde a missão de Chimoio, para se despedir deles, entrega a Miguel Buendia o relatório Wiriamu.

 

Adrian Hastings (1929-2001), padre, historiador e proeminente autor inglês, conseguiu, em Julho de 1973, honras de primeira página no “The Times”, de Londres, e faz a intrépida denúncia. “Um paranoico com a mania de escândalo” disse dele o “A Época”, um órgão afecto à Acção Nacional Popular, em Portugal. Hastings, que mais tarde romperia com a Igreja Católica, não via na liderança da mesma vontade e capacidade de esta estar à altura da renovação do Concílio Vaticano II. Tinha vários anos de experiência em África. “A Igreja Católica em Moçambique está hoje agonizante, não só devido ao carácter altamente opressivo do governo português como também à Concordata. “É preciso que os cristãos de todo o mundo e de todas as igrejas saibam o que se passa”, escreverá Hastings no seu pungente livro “Wiriyamu” (1974).

 

Miguel Buendia tinha igualmente convicções que se reviam nas ideias defendidas pelo Concílio Vaticano II sobre a função socialmente transformadora da Igreja, sobretudo nas sociedades em desenvolvimento. Não compreendia nem aceitava o silêncio da hierarquia do clero perante a violência sobre os moçambicanos. Escolheu o lado certo da História e combateu, sobretudo nas reuniões sinodais, mas também no apoio material e clandestino aos combatentes e aos jovens que se juntariam à Frente de Libertação de Moçambique. “Buendia era um padre de acção”, afirmará Mustafah Dhada, no seu impressionante livro “O Massacre Português de Wiriamu – Moçambique, 1972” (2016).

 

Buendia nascera numa Espanha sob o jugo de Francisco Franco, um general que havia liderado as forças nacionalistas na Guerra Civil Espanhola. Os nacionalistas opunham-se aos republicanos, leais à Segunda República progressista, e aglutinavam falangistas, monárquicos e católicos. Os nacionalistas  de Franco venceram a guerra e governaram a Espanha a partir de 1939 até à morte do caudilho em 1975.  

 

Foi num clima de acirrada política ultra-nacionalista e autoritária, que inibia liberdades políticas, que deserdara a Espanha de qualquer possibilidade de democracia com base em eleições, que o jovem Miguel haveria de crescer. Aos 16 anos, Buendia descobriu o que tinha sido a Guerra Civil e começa a distanciar-se e a conviver com uma outra Espanha que dissentia da Espanha fascista. A sua trajectória, ligada à religião cristã, faz-se através do distanciamento da ditadura de Franco. A sua fé, como crente primeiro, mais tarde como sacerdote, arreigada numa fé em Deus, opunha-o à falta de liberdade, à opressão e à exploração do homem pelo homem, à ausência de democracia e de justiça.

 

Em Dezembro de 1970 chega a Moçambique aos 26 anos. Chega ao país, ao seu novo país, como padre da congregação dos Padres de Burgos. Encontra Moçambique mergulhado na guerra. Os nacionalistas moçambicanos lutam pela independência. Os soldados  portugueses fazem a guerra colonial. A guerra, nessa época, descia em direcção ao centro de Moçambique. Miguel Buendia defronta-se, de novo, com uma sociedade desigual: país colonizado por um país em ditadura, igualmente fascista, regime profundamente injusto. Não tem dúvida quando escolhe o seu lado. A Igreja e a hierarquia estavam na ala do regime. Buendia do lado da liberdade e do direito dos moçambicanos à independência.

 

A sua acção cristã faz-se nessa pedagogia pela liberdade. Será, como é óbvio, em grande parte, uma acção clandestina. Para ele, como para muitos dos padres da sua geração, Deus não estava em contradição em relação à liberdade do povo moçambicano. Buendia apoia a Frente de Libertação de Moçambique. Estava em Murraça, na província de Sofala. Um grupo de jovens, interceptados pela DGS, quando se dirigiam ao Malawi, confessam, sob tortura, que tinham estado em casa do padre Buendia e que tinham tido o apoio deste, que os ajudara e facilitara no seu empreendimento e fuga. Miguel Buendia, que apoiara não só estes jovens, como apoiara a Frente e os combatentes, recebe ordem de expulsão.

 

A Igreja em Moçambique vivia também uma situação complexa. Na Beira, depois de um longo período de pontificado, por assim dizer, do Bispo D. Sebastião Soares de Resende, que sempre que interpusera a favor dos moçambicanos e da liberdade e da justiça, tinha ao leme um bispo vacilante e cobarde. Dom Sebastião morrera a 25 de Janeiro de 1967.

 

A Concordata de 1940 esteve na origem do aumento de missionários católicos em Moçambique. Chegam ao país companhias missionárias, que trabalhavam há muito em África, como o caso dos Padres de Verona, os Padres de Consolata (ambos italianos na sua maioria), Padres Brancos (que se espalhavam pelo mundo) e os Padres de Burgos. Muitas destas congregações e missões tinham na sua prática missionária a aprendizagem e o conhecimento das línguas africanas, criação de escolas e desenvolvimento local.

 

Dom Sebastião Soares de Resende acolheu, na diocese da Beira, os Padres Brancos e outros missionários. Para além da sua acção eclesiástica dirigia o jornal “Diário de Moçambique” e tinha à sua volta o apoio de padres que o coadjuvavam nesta acção a favor dos moçambicanos, entre os quais Soares Martins, que se revelaria um dos mais notáveis historiadores sobre o império negreiro em Moçambique – José Capela.

 

Quando morre o famoso Bispo da Beira, a diocese entra num período turbulento. D. Manuel Ferreira Cabral, nomeado para o substituir, é manifestamente incompetente e tem posições dúbias. Os padres não têm apoio do bispo na denúncia das iniquidades do regime, das prisões arbitrárias, torturas e outras injustiças que são praticadas contra os moçambicanos. Os Padres Brancos vivem mergulhados nesta ambiguidade. Querem uma clarificação da hierarquia, mas esta não se desfaz das ambiguidades nem do apoio velado às iniquidades do regime. Confrontados com esta situação, denunciam a situação. Serão expulsos, em Maio de 1971.

 

Entretanto, o bispo não resiste. Demite-se. É substituído por um bispo de origem goesa, oriundo da então Sá de Bandeira, actual Lubango, em Angola: D. Altino Ribeiro de Santana. É designado Bispo da Beira em 19 de Fevereiro de 1972. Não resistiu um ano. Morre a 27 de Fevereiro de 1973 de ataque cardíaco. Isto na sequência do julgamento de dois padres e da expulsão de Miguel Buendia e Júlio Moure. A pressão era grande.

 

A retirada dos Padres Brancos coincide, no entanto, com o recrudescer da guerra na província de Tete. A luta avançava para sul, atravessando o rio Zambeze. Entre Maio de 1971 e Dezembro de 1972 ocorrem, na região, um conjunto de abomináveis atrocidades. Mucumbura foi dos primeiros  actos e dois padres de Burgos (Alfonso Valverde e Martin Hernandez) fazem a denúncia junto das autoridades políticas e eclesiásticas. Para além dos massacres, há prisões e torturas, destruição de aldeias, matanças indiscriminadas. Os missionários colocam-se em defesa das populações. Alguns são interrogados. É o caso, entre outros, do padre Vicente Berenguer, ou do padre Domingos Ferrão. Entretanto, Alfonso Valverde e Martin Hernandez são presos na então Rodésia (estavam de visita familiar) e enviados para Lourenço Marques. Nada os intimida.

 

Para o governo, os missionários são testemunhos indesejáveis em algumas zonas. O massacre de Wiriamu foi uma atrocidade brutal. Como noutros casos, serão os missionários a juntar informação, fazer o relatório para a denúncia junto do Bispo e da Conferência Episcopal. Os protestos junto do governador não surtiram efeito. Nem dos massacres anteriores, nem deste que era de maior envergadura. Os relatórios que corriam no país fora sendo copiados. Com o tempo se percebeu que não haveria localmente acção alguma. Era preciso passar para fora do país esses relatórios e essa informação, mas tal coisa não era fácil.

 

Adrian Hastings narra, no seu livro “Wiriyamu” como teve conhecimento destes documentos entregues por Miguel Buendia aos Superiores dos Padres de Burgos. Coube-lhe o papel histórico de fazer a denúncia no importante jornal inglês “The London Times”. Marcello Caetano, na sua visita a Londres em Julho de 1973, é confrontado com esta denúncia e com arrojadas manifestações. Hastings (“um inimigo declarado de Portugal”, epíteto dado por porta-vozes de Caetano), foi até às Nações Unidas e a sua incriminação ajudou, de algum modo, a desmascarar o regime que tentou descredibilizá-lo. O Secretário-Geral é Kurt Waldheim. Recebe Adrian Hastings em audiência e ouve-o atentamente. O Conselho de Segurança e a Comissão dos 24 aprovam numerosas resoluções solicitando que o governo português cesse “todos os actos de repressão”. A denúncia de Hastings perante a Comissão é enérgica, persuasiva, eloquente. Marcelino dos Santos está presente em Nova Iorque e fala a seguir ao depoimento de Adrian Hastings. O abraço entre ambos no final da sessão é caloroso.

 

Da denúncia do massacre à queda do regime passaram nove meses. Entretanto, Miguel Buendia não queria ficar em Espanha. Descoloca-se a Inglaterra para estudar inglês com o intuito de, mais tarde, ir para a Zâmbia. Encontra-se em Fevereiro de 1974 com Óscar Monteiro. Escrevem, ele e outros padres, ao Presidente Samora e contam a sua experiência e falam dos seus propósitos futuros. A resposta de Samora é comovente. Convida-os a juntarem-se à Frelimo. José Maria, Miguel Buendia e Vicente Berenguer escolhem, então, ir para Dar-es-Salaam.

 

Eclode, entretanto, o 25 de Abril e a história acelera. Os padres estavam divididos, entre a contradição da sua inequívoca solidariedade ao povo e à sua emancipação e a posição dúbia da Igreja. Escrevem a “carta dos Padres de Burgos”. Declararam-se cristãos e marxistas, afirmam que não utilizariam o Evangelho contra o povo e os seus interesses. Roma reage, demite a direcção dos Padres de Burgos. A posição do Vaticano provoca a ruptura de alguns destes padres. Os que estavam em Moçambique deixam a Igreja.

 

Junto dos camponeses de Chimoio, nas aldeias comunais, Miguel Buendia participa do nascimento da nova Nação. Vai dar aulas para uma escola secundária. A educação sempre fora o seu escopo, o seu desígnio, o sentido e o propósito da sua vida. Mais tarde embrenha-se na educação à distância. Homem do sector educativo, estuda-o e doutora-se na área. É autor de “Educação moçambicana – a história de um processo: 1962-1984” (1993). Nele faz o excurso crítico da educação num contexto colonial e do seu processo político e ideológico libertador no tempo ulterior, o da independência.

 

Miguel Buendia é um homem compassivo e intelectualmente honesto. Impressiona a sua imensa humanidade e a sua espantosa humildade. Chega a ser comovente como ele é humilde, como se esquiva quando lhe é perguntado sobre o seu papel na História deste país, atribuindo a outros a importância que ele também tem, como libertador. A amnésia e a ignorância e a incultura, entre nós, estão na origem de muitas injustiças que praticamos sobre muitos daqueles que, corajosamente, lutaram por nós e que são nosso inequívoco património histórico. Quando pensamos em heróis somos maniqueístas e atribuímos este distintivo apenas a uns. Miguel Buendia e os seus companheiros, Padres de Burgos, lutaram por este país e são nossos heróis e merecem a nossa homenagem e o nosso preito.

 

Miguel Buendia é um ser humano superior, de elevadas qualidades humanas, intelectualmente comprometido pelo nosso destino e pelo devir moçambicano. Mesmo nos momentos sombrios – e estes são cada vez mais impressivos – vejo, sobretudo no seu vívido olhar e na sua alocução apaixonada, um amor declarado ao futuro e a este país. 

 

Ao longo destes muitos anos, de convívio e amizade, de irmandade, de camaradagem e de fraternidade, nunca vi o Miguel Buendia reivindicar o seu papel – corajoso, sublinho eu! –  na história de Moçambique. A sua humildade é desarmante. Conheci, através dele, o padre Vicente Berenguer, outra grande personagem e tive pena quando este, há seis anos, foi embora de Moçambique, sem haver, oficialmente, um reconhecimento da sua acção e luta. Berenguer falou-me com ternura infinita de Buendia e da sua figura, carisma e grandiosidade. Viviam, Sara e Miguel, vivíamos todos nós, familiares e amigos, a dilacerante partida do filho Mike.

 

Neste testemunho, necessariamente breve, queria celebrar a vida deste homem livre e lutador pela liberdade, este homem que viveu para a educação, que quis aprender sempre, este homem de uma imensa sabedoria e de uma imensa humanidade, este homem de um coração enorme e de uma bondade incomensurável, este moçambicano sem favor de ninguém, este herói que nos merece todos os preitos, que soube escrever, com os seus companheiros, uma página nobre na história deste país – Moçambique.

 

Devemos-lhe um tributo, todos os tributos. Devemos um tributo aos Padres de Burgos e a todos os que se interpuseram contra as perversidades, crueldades, injustiças, iniquidades do colonialismo e do seu sistema brutal, feroz e atroz.  A todos os que lutaram por este país. Miguel Buendia é um dos nossos melhores. É daqueles que souberam libertar-nos. Nós temos que saber reconhecer isso. Nós merecemos estar à altura da sua imensidão, da sua grandeza, da sua humanidade – da sua compassiva humanidade. A nossa história também tem o brio destas personagens.

 

Miguel Buendia Gomez nasceu a 1 de Abril de 1944 numa Espanha opressiva e ominosa que vivia mergulhada no nacional fascismo. Nasceu depois em Murraça, quando chegou a Moçambique, aos 26 anos. Nasceu quando foi expulso e levou consigo o relatório que denunciou o tenebroso massacre de Wiriamu a 20 de Fevereiro de 1973. Nasceu quando, na carta dos Padres de Burgos, foi contra o silêncio e a tibieza da Igreja em relação aos povos e abandonou o sacerdócio. Nasceu com a nossa independência. Nasceu depois nas aldeias comunais. Nasceu em Chimoio. Nasceu no ensino à distância. Nasceu quando pensou, reflectiu e escreveu sobre a experiência da educação. Nasceu com a Sara. Nasceu com o Mike. Nasceu no tremendo dia 26 de Outubro de 2003. Miguel Buendia nasce todos os dias com toda a sua imensa humanidade. Hoje, 1 de Abril de 2024, ele nasce aos 80 anos.

 

KaMpfumo, 1 de Abril de 2024

quinta-feira, 28 março 2024 07:57

De todos se faz um Município

O título é um arranjo de um outro título, este de um livro (De todos se faz um País) de Óscar Monteiro, um histórico e membro sénior do partido no poder, e é um apelo que decorre do recorrente frenesim que se assiste com as inundações e derrocadas de infra­estruturas públicas e privadas no país, em particular no Município de Maputo, a capital do país.

 

As consequências das enxurradas, os gritos por soluções e ajudas a quem de direito, as ideias e a vontade de quem queira contribuir ­ para citar alguns exemplos ­ já são do conhecimento público e das próprias autoridades municipais que as chegam de diversas formas, incluindo das "visitas ao terreno", sobretudo a locais e famílias que tenham sofrido o impacto das inundações.

 

Do cenário emerge uma fotografia recorrente: a que retrata uma (ténue) proximidade física entre governantes e governados em tempos de grandes calamidades.  

 

Uma fotografia igual aos momentos de dor por conta da perda de um ente querido, em que o finado é até amparado por um familiar que nunca o estendera a mão e que no momento toma conhecimento do valor que fora o finado em vida, e do potencial que teria sido feito em conjunto, com as ideias e braços de ambos, e de todos, por uma família e mundo melhores. 

 

O mesmo na dor por conta das actuais enxurradas: que as autoridades, sobretudo as municipais, tenham a real dimensão de que "De todos se faz um Município".

 

PS: Hoje é o velório do jornalista e político Manuel Tomé (1952­2024) que a propósito do texto lembra-me uma observação dele quando recebera, enquanto parlamentar, uma delegação de uma organização da sociedade civil moçambicana no âmbito da concertação de esforços para o cancelamento da dívida externa moçambicana. A citada organização, de tão aguerrida, merecera notas prévias de Manuel Tomé que perguntara aos presentes da organização pela cabeça da instituição. Manuel Tomé justificara a pergunta, argumentando que sentia a existência e eficácia de uma espinha dorsal mas de que até então nunca vira a cabeça.

quinta-feira, 28 março 2024 07:13

A ADIN

Por uma razão supérflua, fútil e inimpressionante, a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) - do norte de Moçambique -, acrescente-se, voltou a merecer algumas linhas nos media, nacionais e internacionais, nos últimos dias. E a tal razão de notícia foi, nada mais, nada menos, a substituição do seu presidente de Conselho de Administração. Justamente, como quando, há sensivelmente dois anos e meio, o Professor Ngunga foi substituir o anterior, o ex-diplomata Armando Panguene, que fora nomeado pouco depois da criação da instituição.

 

Uma notícia inimpressionante justamente porque da ADIN, da pompa e circunstância, i.e., do barulho e das expectativas que rodearam a sua criação e lançamento, e todo o clima e ambiente que se vive em Cabo Delgado, esperavam-se/esperam-se mil e uma notícias sobre as suas realizações e ou actividades em toda a extensão do território que se lhe adjudicou. Segundo escreveu uma publicação nacional na altura da entrada em funções do Prof. Ngunga, a ADIN “nasceu com a aura de ser a instituição que iria promover o desenvolvimento sócio-económico em Nampula, Niassa e Cabo Delgado, províncias que compõem a região menos desenvolvida de Moçambique. Era a solução não-militar que faltava para enfrentar o problema do extremismo violento em Cabo Delgado: a ADIN tem a missão de promover empregos para jovens como forma de os desencorajar a aderir aos grupos extremistas.” Por conseguinte, as notícias deviam ser neste vastíssimo e infindável horizonte de acção.

 

Indo-se ao baú de realizações da instituição, muito pequeno ainda, diga-se em abono da verdade, quase nada se vislumbra, senão uns workshops de reflexão aqui e acolá, conferências e… casas de reassentamento em construção algures, absurdamente não nas zonas de origem dos deslocados, em substituição das queimadas pelos terroristas. Acções de desenvolvimento como tais - estradas para escoamento de produtos agrários, pontes, linhas férreas, silos para armazenamento de excedentes de produção, apoios multiformes a camponeses/produtores/criadores na venda dos seus produtos, aumento de empregos, escolas técnicas, hospitais, etc., etc. -, nada de nada; muito menos de algo integrado!

 

A questão que se coloca, a meus olhos, é justamente a imprecisão, a ausência de um entendimento ou definição clara do “fenômeno” desenvolvimento no projecto, alguma confusão da noção por parte do conceptor; fala-se de uma forma genérica, sem indicadores concretos - não se diz quantas estradas entre a produção e o mercado se vão abrir, pontes que serão construídas… empregos que se vão criar, onde, quando e como. De que estamos a falar quando dizemos “desenvolvimento de Cabo Delgado, Niassa e Nampula”? E, mais especificamente, quando dizemos “desenvolvimento integrado”?... Integrando o quê com o quê?

 

Não parece crível que os arquitectos da ADIN tenham visto ou vejam ‘desenvolvimento’ como Todaro (2012) o viu/vê: um processo científico multidimensional, complexo mas inteligente, laborioso, rigoroso, inclusivo; que envolve grandes mudanças nas estruturas sociais, nas atitudes dos indivíduos e das comunidades (da população, como dizemos aqui); um processo acompanhado de um acelerado crescimento econômico, redução de desigualdades e erradicação da pobreza. Desenvolvimento tem subjacente toda esta gama de transformações que levam a que um sistema social saia do estágio de diversas necessidades básicas, diversas e crescentes aspirações, de condições de vida precárias, insatisfatórias, e ascende, migra (esse sistema social) para uma condição de vida melhor, de qualidade, satisfatória, material e espiritualmente!

 

Que colossal desafio para uma ADIN! Será, ela, capaz de realizar este desiderato? Bastante duvidoso. Mas onde estão os governos provinciais (GP) - agora amalgamados com secretarias de Estado? Fazem o que? O desenvolvimento de uma província não é a razão de ser e de existência de um governo provincial? Os GP só existem para representar o Estado na província? E qual é o papel dos ministérios? Por quê os temos? Não é o de trabalharem/promoverem o desenvolvimento de Moçambique em todos os espaços geográficos?

 

Somos muito exímios em duplicar estruturas e em não aprender com a nossa própria experiência. O que é que o Gabinete do Plano do Vale do Zambeze (GPZ), hoje transformado em Agência de Desenvolvimento do Vale do Zambeze (ADZ) conseguiu fazer de visível e aceitável nestas três a quatro décadas de existência nas quatro províncias de jurisdição? E o GPZ (ou ADZ… não sei como se chama agora, mas completamente apagada) não tem e nunca teve pressão de guerra, ou de deslocados! O muito que o GPZ tentou - mas não conseguiu - foi ficar super-governo provincial, chefe dos governos das quatro províncias…pretender substituir-se aos governos dessas províncias, o que certamente criou confusão, fricção, dispersão e esbanjamento de recursos!

 

Se a intenção, que é nobilíssima, é transformar sobretudo Cabo Delgado e as outras duas províncias (Niassa e Nampula) em face ao terrorismo; e se conseguimos recursos financeiros (que ascendam aos USD700 milhões que a ADIN procura), porquê não potenciarmos os aludidos governos provinciais em todos os meios para fazerem face às situações em que se encontram - um pouco mais do que as outras províncias? Para terem um desenvolvimento mais acelerado? Mais estradas, pontes, linhas férreas, mais apoio aos produtores, mais empregos… etc.? Porquê criar estruturas e mais estruturas e mais estruturas?

 

De que valerá a mudança constante de PCE’s da ADIN? O Eng. Loureiro vai fazer o quê lá? Acaso saberá ele ao que vai? Um claro processo de “nenhumação” de quadros, como bem o diz o nosso Ungulani.

 

ME Mabunda

quinta-feira, 28 março 2024 07:03

No Paraíso das canções da eternidade

“Carta Aberta”

I. As últimas de 2024 (em Portugal de Marcelo Rebelo de Sousa) mostram, através das legislativas, um cenário político cada vez mais assustador e perigoso. Disputadas por AD (PPD/PSD-CDS-PP-PPM); IL, BE, PS, PSD, etc., a questão que aqui se põe, a de saber se a democracia constitucional portuguesa – ao nível da qualidade da democracia internacional como exemplo do que é civilização democrática, do que é democracia constitucional, do que é rotativismo democrático (alternância democrática), do que é partilha de poder (democracia pluripartidária) – permanece firme sobre os alicerces do 25 de Abril ou se se trata de um ‘retrocesso democrático civilizacional’ parece-nos inevitável. Vozes há, mais ou menos otimistas e outras nem tanto! As otimistas, falam da existência da chegada da “tripolarização do poder” (AD-PS-CHEGA) – apesar de, em nossa opinião, não a reconhecermos como tal pela natureza belicista do Partido liderado por André Ventura na medida em que ao nível conjuntural e estrutural implica que haja consensos que nem sempre podem facilitar o processo de governabilidade à AD. Ou seja: um acordo com o CHEGA, não nos parece (em ciências políticas) aceitável; uma aliança com a extrema-direita de Ventura seria claramente um pacto com o ‘Diabo’; mancharia a própria AD e o histórico doloroso sobre a conquista da democracia portuguesa. Não é por acaso que Marcelo e Montenegro se “distanciam” de um eventual acordo político com o CHEGA.

 

II. Aliás, lembremos nas palavras de Marcelo o seguinte: (i) “(…) é importante, numa democracia que celebra 50 anos que não acompanhemos a evolução de democracias mais antigas e mais velhas que é o de aumento da abstenção em eleições que são todas elas muito importantes”; (ii) “os portugueses vão votar e, naturalmente, ponderarão aquilo que é o significado do seu voto e os portugueses têm demonstrado desde o 25 de Abril uma maturidade e uma sabedoria antecipando em muitos casos aquilo que muitas vezes só se percebe no futuro…” (Marcelo R. de Sousa, 10 de Março para o 1º Jornal da SIC notícias). Discurso realista de Marcelo, mas vejamos até onde vai o “realismo” de Marcelo na prática democrática. Primeiro ponto, Marcelo, ao jogar a democracia para as mãos do Povo, força os eleitores, quase todos, a terem de decidir tudo nas últimas 24 horas… isto é, na boca das urnas sendo resultado disso muitos dos votos, inconscientes. As sondagens de muitos meios de comunicação social, da Universidade Católica portuguesa – politizadas (ou não) para influenciar as decisões dos eleitores flutuantes – apontavam para este cenário de incerteza político-eleitoral sobre em quem votar. O grande pretexto usado foi o de que não pode ser primeiro-ministro quem não foi a votos. Ora, a pergunta aqui é: se o “voto de Marcelo” vale tanto quanto à indispensável e necessária estabilidade parlamentar… talvez seja hora de rever a Constituição para permitir que, reconhecendo a legalidade da dissolução parlamentar, situação superveniente possa ser decidida por meio de um referendo e não apenas por uma decisão presidencial (presidencialismo pós-dissolução?). E, olhem que mau Professor Catedrático… sempre atrasado… vem dizer sobre a importância do 25 de Abril nas vésperas das eleições, sobre os cuidados a ter com a implantação de uma “sociedade de radicais”, tudo isso para disfarçar ainda mais os seus intentos palacianos… numa altura em que já tinha “permitido” que o fascismo e o nazismo se instalassem na democracia portuguesa pluralista de Luís Vaz de Camões.

III. De facto, nunca, nunca na história democrática portuguesa a direita-centrista se aliou com um partido da extrema-direita radical. Nisso tudo, vemos Marcelo! Para nós, o grande autor da “tripolarização do poder” em Portugal, numa cadeira de rodas, de mãos-atadas modo “António Guterres perante as nações em guerra.” Não tenhamos ilusões, Marcelo “lança” a extrema-direita radical e o cenário de ingovernabilidade e austeridade na democracia portuguesa com pretexto na eleição e na inadmissibilidade de um cenário que integrasse um ‘primeiro-ministro interino’ de acordo com a democracia direita (Referendum); uma solução de estabilidade política, económica, social e cultural assente numa maioria relativa como a que foi encontrada e rapidamente dissolvida. Evidentemente, a conjuntura internacional, os conflitos armados internacionais (Rússia vs. Ucrânia; Israel-Hamas, etc) dariam um grande empurrãozinho ao populismo do CHEGA e óbvio que MARCELO sabia disso… Marcelo, suficientemente estudado nestas matérias, agiu com “intenção” dolosa; a intenção de aniquilar “parcialmente” a dimensão cultural – exigência da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal sobre os Direitos do Homem e do Tratado internacional que regula as questões sociais; a intenção de facilitar a ascensão da extrema-direita em Portugal e com isso tornar-se o autor da “tripolarização do poder” em Portugal, pelo menos de uma falsa ideia de “tripolarização do poder”. Como se há de calcular: é impossível negociar com radicais, narcisistas, machistas, mentecaptos, sectários e oportunistas que em nome dos seus interesses individuais e de um Portugal com um espírito ainda muito colonial (pelo número de idosos que tem, que viveram a época colonial e que não abandonam as ideias coloniais) vêm os seus ódios e sentimentos de vingança (íntimos e camuflados), resplandecer. É, pois, com hipocrisia que julgam o socialismo liberal sendo que também elas vivem dela… a história política tem vindo a provar que pela natureza humana e das leis os ciclos se repetem se não formos vigilantes…

 

IV. Uma “tripolarização do poder” como a que se pretende a todo o custo não vai a bem da democracia, da democratização da sociedade. Antes! A bom senso, vemos a bipolarização do poder continuar na prática democrática. Do mesmo modo que uma mulher adulta finge orgasmos para agradar quem ama, a ilusão da “tripolarização do poder” não deixa de ser importante aos olhos da comunidade internacional. É sempre importante manter o casamento aos olhos dos povos, mesmo que ambos (os cônjuges) saibam que não existe mais comunhão plena (…). Os media, uma vez mais, são os que mais sabem dar de comer aos ignorantes esses venenos promovendo essas falsas ideias. Um veneno que nos vai matando aos bocados… Não é o Ventura o principal autor da “tripolarização do poder”, é o “São MARCELO” – o troca tintas, o que se veste de “Bom Samaritano.” As “asneiras” e as “infantilidades” de Marcelo parecem infindáveis, nem SANTOS SILVA conseguiu escapar a rasteira dada por Marcelo… primeiro, estão os seus interesses individuais e políticos. Legitima a geringonça; depois, promove uma maioria parlamentar que certamente sabia que tarde ou cedo havia de resvalar para a ditadura da maioria… inflama o ego do Governo, com isso faz reacender nas massas o descontentamento mais ou menos generalizado; a bomba atómica é instalada e acionada por via da PGR, a tática mais perfeita! Onde há um campo colonial aberto, tudo flui naturalmente. Claro que a conjuntura internacional, dissemos, dão aqui um grande empurrão. Ninguém desconfia da “Justiça” – são sempre os homens de Deus (Roma locuta causa finita). Portanto, temos na Constituição formal portuguesa um sistema constitucional semi-presidencialista, mas que na prática MARCELO continua o Rei soberano, o grande mostro – o leviatã hobbesiano, o príncipe maquiavélico que emana o Estado sob as vestimentas mais sagradas do Estado – o respeito pelo Estado de Direito democrático e de Justiça social; um Estado de Direito que afasta o sistema presidencialista. Marcelo, sem fazer parecer, funciona como um verdadeiro camaleão. Tanto arrota santidade perante o grande público como destila o seu veneno em trajes do Rei João sem Terra, o tirano que forçou a imposição da Magna Carta em 1215. Assume a figura do Sto. Padre, o Francisco, e (ao mesmo tempo) o de Imperador-tirânico como se de uma monarquia ditatorial se tratasse.

 

VI. O “caso Galamba” foi o auge; a não exoneração de Galamba inflamou o ego de MARCELO, o menino mimado que não pode ser contrariado e/ou desafiado. Afinal ele é o grande Monarca. Custou a Costa (e seu Governo constitucional) – que tentou cumprir com excelso zelo e inegável diligência política as regras estabelecidas pelo Estado de Direito os seus direitos políticos constitucionais – uma demissão seguida de dissolução parlamentar que nos parece até hoje fruto dos violentos coices de MARCELO – um golpe de Estado palaciano bem estudado… Apesar disso, a estratégia de Marcelo terminou mal, isto é, para além de só conseguir criar uma mera “geringonça” (AL) na fase pré-eleitoral, o maior efeito dominó foi a má fama da existência de uma extrema-direita radical na democracia portuguesa e na democracia da União europeia (UE). Sobre a extrema-direita radical, dissemos, tendo em conta a formação académica de Marcelo, custa-nos muito a acreditar que tenha sido um “acto político” intencional… Como reza a religião de Marcelo, em Provérbios: “quem provoca o Rei, arrisca a vida.” Um duro golpe que certamente Costa (seu Governo) e a esquerda liberal ressentir-se-ão para sempre. Zezinho, o Sacerdote da Congregação Jesuíta, figura incontornável na doutrina e literatura cristã-católica, na sua Música Nênia chora. Chora perante a sepultura da democracia pluralista, (…) pela falta de inclusão e nós, seres sensíveis, choramos com ele por amor ao próximo: “tem piedade de nós Senhor, tem piedade do teu Povo; confiamos e mentiram para nós; É teu povo que não sabe mais o que esperar; Já não sabe mais em quem votar; Trapaceado e explorado e sem ninguém; Confiou e foi traído lá nas urnas; Manda-nos profetas; Manda gente honesta; Manda novos líderes, Senhor; Estes de agora não nos amam...” estamos certamente diante de um novo murro das lamentações made in MARCELO REBELO DE SOUSA.

 

VII. Espero que lhe sobre um grande peso de consciência. É com profundo desgosto que começo a acreditar que fomos iludidos. Pensávamos que apreciávamos o nosso Mestre-Catedrático por nos falar no espírito quando afinal só nos falava na letra. Mas as ciências já nos tinham advertido que um bom professor catedrático nunca se mete na política. O discurso inicial, o de nem a esquerda, nem o centro e nem a direita, mas o Povo no seu todo cego a pureza da nossa alma. No fim, revelou-se um grande promotor e defensor oficioso do seu Partido; depois de ter conseguido a estabilidade económica por conta das excelentes habilidades políticas de negociação com Bruxelas por parte de quem acaba de governar, Marcelo sacode o capote sem mestria nem elegância; sacode o Governo de Costa sem piedade, sob a deixa de um processo-crime para cima da democracia socialista. Ainda bem que continuamos democracia! A democracia de Abril, a dos nossos egrégios avós, não morre com a “ditadura” de Marcelo e Ventura. A dignidade da pessoa humana, muito apregoada e defendida (ao nível do direito internacional, regional/comunitário e estadual) não se defende só em papéis, vive-se; não se defende só para certos grupos, para ou entre iguais; defende-se a dignidade de e para todos, na medida e proporção da sua diferença, pelo simples facto de serem pessoas humanas. Não se defende só a disciplina, mas também o Amor. Viva Abril.

 

PhD in Law - Lisboa; Professor Auxiliar & Investigador da Universidade Católica de Moçambique. Antigo Director-Adjunto Pedagógico da Faculdade de Direito da Católica (UCM). Colunista do Jornal Impresso Canal de Moçambique (2012- ao presente).

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