Senhor Presidente da República, Excelência,
No dia 25 de Junho vamos celebrar 45 anos de Moçambique independente. Esse histórico e epopeico dia tem um significado incomensurável para todos os moçambicanos, do Rovuma ao Maputo, do Zumbo ao Índico. Excelência, esse dia nos recorda o histórico discurso do camarada e saudoso Presidente Samora Machel no estádio da Machava, não só, o hastear das nossas aspirações coletivas como nação simbolicamente representado na troca de bandeiras.
Neste ano atípico, Senhor Presidente, não iremos ao estádio da Machava, confluir-se no calor do povo, a nossa razão de luta. Neste dia 25, fisicamente ficaremos em casa, no aconchego familiar, mas os nossos corações estarão vibrando como em 75 na Machava, acredite.
Senhor Presidente, nós o povo estaremos a ouvir o seu discurso e a vê-lo (possivelmente), das nossas casas, junto das nossas famílias por quem pelejamos na busca do pão de cada dia nas diversas frentes, no dumba-nengue ou no dumba-my-love, no estrela ou no paquiteketi, por esse Moçambique a fora.
Senhor Presidente, nós vamos vibrar consigo tal e qual em 75, embora das nossas casas. Mas, Excelência, alguns de nós ainda não desembarcamos na Mavalane, a porta de entrada dos que pelejam na Luz como Eusébio, em Sydney como a Lurdes, em São Paulo como o Silva (o Guilherme, entende?!). Estamos ainda aqui, espalhados pelas frentes da diáspora, de coração apertado, ávidos de celebrar junto dos nossos esses 45 anos da independência que também é nossa.
Senhor Presidente, até tentamos com nosso taku (como das outras vezes), mas as circunstâncias atípicas deste ano não jogaram a nosso favor. Aqui da Luz, no dia 5, fomos burlados por uns TAPapados que não nos atendem mais o cell, ficaram com a nossa mola e mais nada, sem direito a um ESSE-EME-ESSE de desculpa pelo menos, ficaram ziiii, tipo não se passa nada, a troco da nossa vontade de nos juntarmos às nossas famílias. Os tipos xiquelenizaram isto, acredite.
Senhor Presidente, que tal nos repatriar de verdade, sem aquela burla dos 50 paus do nosso já furado bolso pelos Nyangu&Meles ocultos dessa vida, de verdade mesmo, para nesse dia 25 estarmos todos juntos, na independência das nossas famílias, a aplaudir o seu discurso? Que tal, Senhor Presidente?
Francelino Wilson
Num texto recente (Eduardo Mondlane. Um arquitecto mudo e de costas para o povo?) reclamei, mais um vez, de que o 1º presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane (1920-1969), precisava de se dirigir ao povo moçambicano. Aliás, uma reclamação de há 6/7 anos quando fi-la num outro texto (Pai, Mondlane não fala?). Nos dois textos, fora a reclamação, sugiro que nos festejos por ocasião de celebrações de Mondlane, FRELIMO e da independência de Moçambique, para citar algumas, as instituições de direito, o Governo em particular, deviam brindar o povo moçambicano com a voz de Eduardo Mondlane, o arquitecto da unidade nacional, quer através de vídeos e áudios quer por via de escritos de entrevistas, discursos e de outras intervenções. No último texto ainda pedi ao partido FRELIMO que fizesse jus a uma das suas marcas: a valorização da tradição e dos bons costumes.
O Martin Luther King Jr. (1929-1968) foi um pastor protestante e um dos principais líderes afro-americanos de luta contra a discriminação racial nos Estados Unidos da América (EUA). Com esta grande figura tenho o grato privilégio e o orgulho de partilhar a data de aniversário e tudo que é inerente a um capricorniano. Há dias fiquei ainda mais orgulhoso: vi e ouvi o meu homólogo aniversariante a responder a uma pergunta sobre as causas que possam explicar porque razão os afro-americanos enfrentam tanta dificuldade para poderem progredir nos EUA. Na verdade a pergunta foi dirigida a Fareed Rafiq Zakaria, escritor e jornalista norte-americano, no seu programa de TV “Fareed Zakaria GPS”, a propósito dos recentes ( e em curso) acontecimentos de foro racial nos EUA. Para responder Zakaria recorreu a um vídeo de uma entrevista dada por Luther King em 1967. No final do vídeo Zakaria disse que fazia de suas as palavras de Luther King.
Voltando a Mondlane: a data (20 de Junho) do seu centésimo aniversário está próxima e será celebrada num contexto em que a sua grande obra – a unidade nacional – vive tempos difíceis e carecendo de uma intervenção de vulto. Para o efeito nada melhor que a do próprio arquitecto. Aliás um procedimento que devia ser normal para trabalhos regulares de manutenção. Mas pelo o que tenho acompanhado na imprensa, até agora o arquitecto da unidade nacional ainda não foi chamado. Os trabalhos de manutenção da sua grandiosa obra está, e como sempre, à cargo de intermediários. Contudo, ainda não desisti. Irei aguardar até ao dia 20 de Junho. Quem sabe se até lá alguém de direito faça o mesmo que Fareed Zakaria.
As casas foram queimadas. As bonecas esfoladas. A nossa inocência molestada. Dói ser criança, numa terra onde a guerra e barbárie imperam. Não sabemos até quando teremos que esperar para honrar as almas dos nossos irmãos decapitados em Xitaxi, explodidos no Ibo e esquartejados em Bilibiza.
Quem nos acude?
Nós as crianças de Cabo Delgado, concretamente em Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe, Nangade, Quissanga, Mueda e Meluco há mais de um ano que esquecemos o que é ser "criança". Junho é o mês das crianças e desde 2017 que não celebramos, o 01 e 16 de Junho como antes!
A guerra chegou no momento em que os nossos sonhos fluiam e hoje foram substituídos pela dor de ser órfão, viver sem ir a escola, sem brincar e com constante medo de como será o dia amanhã.
Alguns de nós vivemos sem sono tranquilo nos centros de acomodação, porque se á comida durante o dia, a noite a manta ou cobertor é menor que dormimos trémulos e em disparo. Quando as condições existem então vem na memória, os episódios da guerra, homens mascarados cortando o pescoço dos nossos pais, tios, avôs, irmãos e amigos!
Quem nos acude?
Sabemos que os títios das Forças de Defesa e Segurança tem feito, o seu melhor no combate aos al-shabab. Mas quem irá nos ajudar a reiniciar ou tirar da memória em aqueles episódios sangrentos que ainda correm-nos na memória. Que ainda estrangulam o nosso cérebro, pensamento e sonhos. Quem nos acude, desta situação em que tivemos que abandonar as terras e raízes em busca de segurança e paz, mas as marcas são recentes e cruéis.
As nossas flores secaram com fogo provocado pelas balas, bombas, combustível e fósforos. Nossas casas onde nascemos e viviamos foram saqueadas, incendiadas e profanadas. Torna-nos díficil entender a razão desta guerra que destruiu a história das nossas famílias e tirou-nos os nossos deuses na terra (pai, mãe e avôs), nossos protectores.
A nossa vida já mais será a mesma, mesmo que este "blood gas" (gás de sangue) sirva no futuro para alimentar a economia de todo país. As nossas maiores riquezas foram-nos tiradas sem pelo menos dizessem adeus! O nosso futuro é incerto! Alguns de nós vivemos com desconhecidos e com códigos de vida diferentes daqueles que desde o berço fomos ensinados (...).
Morremos de fome todos os dias! Para chegar a Pemba, Metuge, Namapa, Meconta, Nacala ou Cidade de Nampula tivemos que caminhar na mata ou seguindo viagem numa canoa superlotada, sujeitos a todos tipos de perigo de vida e dor. Sujeitos a morrer andando ou navegando. Os verbos que aprendemos na escola foram todos conjugados andando. A tabuada idem. Quanto sofrimento meu Deus!
Nós as crianças de Cabo Delgado, pedimos paz!
We the children of Cabo Delgado, we ask for peace!
Nos filii Cabo Delgado, non petere pacem!
Omardine Omar
PS: Elaborada a partir de uma leitura social, psicológica, humanitária e imaginária, o que uma criança sobrevivente da guerra em Cabo Delgado diria caso tivesse a oportunidade de assim o fazer. Conteúdo criado a partir da constante cobertura da guerra nos distritos de norte e centro de Cabo Delgado.
Nunca antes veio a minha casa pedir sal, ainda por cima a uma hora destas. Na tradição respeitada desde os tempos dos meus ascentrais, e seguida por nós também, não se pede sal ao vizinho quando a noite se materializa. Mas Nhathswa está aqui a pedir esse tempero imprescindível, desculpa vizinho, só agora é que me apercebi que o sal acabou, já com a panela ao lume, e não tenho outra alternativa porque as lojas estão fechadas.
Ora, se as lojas estão encerradas, e esta mulher já tem a panela ao lume, não tenho outra escolha que não seja desobedecer aos ditâmes dos antepassados, mesmo sabendo dos riscos que isso representa. Não sei o que poderá acontecer depois, mas também não posso recusar sal a alguém tão respeitado como Nhathswa. Ela sabe que a atitude que toma, de vir a minha casa numa hora proibida para as suas intenções, é desaconselhada. Eu também sei. Nenhum de nós sabe, porém, sobre quem vai cair o raio depois disto. Mas estamos cientes de que isso pode acontecer.
Eu disse para que ela fosse pessoalmente a cozinha tirar a quantidade desejada. No fundo invadia-me algum remorso, ao mesmo tempo sentia-me incapaz de dizer “não”. Também tinha a sensação de que a vinda de Nhathswa a minha casa transmitia outros sinais que eu não podia perceber. Aliás, já houve tempos em que, sempre que nos encontrássemos por aí, desfiavamos conversa entusiasmada. Porém, ultimamente ela distancia-se. A nossa saudação é fria, sobretudo do lado dela, e eu nunca me preocupei com isso porque sempre acreditei que a vida é feita de ciclos. E ela hoje vem pedir-me sal.
Enquanto Nhathswa ia a cozinha, eu mantive-me na varanda, de pé, pensando, sem olhar para ela, que isto é sinal de mau agoiro. Já ouvi histórias trágicas sobre o sal que não se pode pedir a noite, mesmo assim eu ainda prevarico conscientemente. Se calhar pela magnitude da personalidade desta mulher perante a qual ninguém resistiria. Qualquer ordem que ela emanasse, seria cegamente cumprida. Se calhar seja por isso que estou a cometer um erro grave que pode resultar em danos irreversíveis. Estou hipnotizado!
Nhathswa sai com o sal na mão direita feita concha. Passa por mim e não diz nada, como se estivesse a sair da cubata de um curandeiro onde não se despede, e eu não sou curandeiro. Nem sequer fechou o portão do quintal, que ela própria abriu. E tudo isso pode estar a transmitir-me uma mensagem que eu não consigo decifrar. Seja o que for, acho que o leite está derramado.
Durante a noite, dormindo, parecia que eu estava no paraíso. Via Nhathswa correndo na orla marítima, vestida de branco numa praia desconhecida, cheia da luz do luar. Ela acenava-me, e a mão dela brilhava. Parecia um anjo que ia para casa, pisando levemente a areia branca, e eu sentado também na areia ouvindo a música que as ondas tocavam para acompanhar Nhatswa, que agora caminha por sobre as ondas até desaparecer, como Jesus por entre as nuvens, depois de se despedir dos apóstolos em Galileia.
Quando despertei já era madrugada. Ouvi choros de tristeza e de lamentação na casa de Nhathswa, e pensei: já estava escrito!
Li com inusitado interesse o artigo do Conselheiro de Estado Jacinto Veloso. Não poderia ser de outro modo. Veloso não é um moçambicano qualquer. Foi o único, senão um dos poucos pilotos da Força Aérea Portuguesa, em plena guerra colonial ou de Libertação Nacional, que "fugiu" com um avião militar para se juntar aos libertadores na Tanzânia. Dentre vários postos, foi Ministro da Segurança e é actualmente Conselheiro de Estado. Pelo que é ou deveria ser autoridade na matéria.
Por cada um desses postos ou feitos merece a nossa atenção e, quiçá, vénia. O que me preocupou na sua análise publicada no semanário Savana da semana passada é o facto de o Conselheiro-mor do nosso estado, depois de muita lavra, ter chegado a uma conclusão que me parece muito simples: que a guerra de Cabo Delgado é uma guerra de desestabilização! Algo que, se não me engano, alguns camponeses de Mocímboa da Praia já tinham apontado ainda em 2017! O que acho interessante é a coincidência desta tese com uma outra sobre a guerra Civil Moçambicana conhecida como a "guerra dos 16 anos" ou a "guerra pela democracia".
Apesar desta coincidência não ser razão suficiente para invalidar a tese de Veloso, revela algo que me inquieta. E que meu querido pai (Que Deus o tenha) ensinou-me que "burro é quem chuta a mesma pedra, no mesmo lugar, por mais de uma vez". Ou seja, mesmo que por hipótese, concordemos com esta tese, não deixa de ser desolador descobrir que volvidos 45 anos "chutamos a mesma pedra, por duas vezes no mesmo lugar", revelando um despreparo e negligência dos sucessivos governos e não só! Se bem que fosse compreensível o despreparo dos quadros da 1ª República em matéria de governação e de leitura de questões estratégicas, é de bradar os céus que como país, volvidos 45 anos de independência, tenhamos "chutado de novo a mesma pedra, no mesmo lugar".
Em 45 anos, que eu saiba, formamos quadros em matéria de desenvolvimento, assuntos internacionais e segurança em várias academias internas e externas desde a Rússia (ex-URSD), ex-RDA, Cuba, UK, EUA, África do Sul, Checoslováquia para não falarmos da nossa própria academia UEM, ISRI etc. Como Estado até chegamos ao ponto de ter um Centro de Estudos Africanos (CEA) na UEM e um Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI) no ISRI e temos alojado em nosso solo um outro "Centro de Análises Estratégicas da CPLP". O sector civil avançou na criação de centros de estudos e de pesquisa como o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Centro de Integridade Pública (CIP) e, mais recentemente, o Centro de Desenvolvimento e Democracia (CDD). Nalgumas Províncias também surgiram alguns centros de estudo ou de pesquisa.
Em outras paragens essas instituições são verdadeiros centros de formação de capacidade humana, de análise e testagem, ou seja, verdadeiros "laboratórios de ideias e de cenários".
Ademais, o nosso Serviço de Informação e Segurança de Estado tinha e ainda tem o dever de fazer estudos ou encomendar estudos sobre possíveis cenários, caso um dia Moçambique descobrisse gás (como já o fez) ou petróleo. Para além de outros recursos estratégicos. Em miúdo, já meu pai me contava que Moçambique possuía gás e petróleo, pois nos anos 60 empresas norte-americanas abriram poços de pesquisa em vários pontos do nosso país, incluindo Inhassunge e Chinde. Portanto, se meu pai sabia, não quero nem cogitar que um serviço inteiro que tem por missão garantir a nossa segurança individual e colectiva bem como antecipar-se aos possíveis perigos da pátria não tivesse essa informação. Podemos imaginar que "os serviços" não tivessem capacidade interna para realizar tais estudos. Não seria o fim do mundo. Poderiam "encomendá-los" ou então direccionar estudantes e pesquisadores nacionais e estrangeiros para que, nas suas teses, "cavassem" um pouco mais sobre este assunto!
Com todo este manancial custa-me acreditar que uma vez mais, como diz o Mais Velho Veloso, tenhamos 45 anos depois, caído que nem patos no mesmo buraco, e no mesmo lugar! Será?
Nos EUA e em outros países a fertilização cruzada entre academia e governação é uma realidade. Por exemplo, as administrações democratas com raras excepções "pescam" seus quadros para a área da Política Externa na famosa "Georgetown University", como testemunham o caso da Madelaine Albright, ex-Secretária de Estado norte-americana. Enquanto que os Republicanos "pescam" em outras águas como a Harvard, como testemunha o caso da ex-Secretária de Estado Condy Rice.
Onde é que o nosso "establishment" pesca? Continua a pescar em Nachingweia?
A ser verdade o que Veloso diz, e assumindo por hipótese a sua tese como verdadeira ou plausível, surge uma pergunta que não se cala: como é que fomos apanhados de surpresa pela segunda vez e no mesmo lugar? Será a academia que não produziu os avisos à navegação há tempo (mas o IESE já tinha avisado) ou é o "establishment" que não leu ou não sabe ler?
Os desafios de hoje exigem outra matéria prima para "ler, entender o mundo e aconselhar" a quem de direito. Estamos no século XXI e na era da informação e dos "New Media," pelo que teremos como país de saber misturar os "saberes" mulatos de que se faz esta pátria (Nachingweia, Marínguè, Satungira, Sommershield, Munhava, Brandão e Namutequeliwa), sem "deitar o bebé com a água suja da bacia! Um bom cozinheiro, diz o ditado popular, para ter boa sopa deve saber não só escolher os condimentos como também saber quando e como misturá-los!
Se como país não corrigirmos o nosso "modus operandi", teremos outra gema do nosso miolo securocrático enclausurado em "djelas" algures e voltaremos a "chutar, pela terceira vez consecutiva, a mesma pedra, no mesmo lugar".
E mais não disse!
Um destes dias de (iso)lamentos dei por mim e estava na colonial Major Araújo, a actual Rua de Bagamoyo. A propósito: sempre quis saber a racionalidade em terem levado o nome (Bagamoyo) de um centro de treinamento político-militar da FRELIMO, na Tanzânia, e outorgado a uma rua cuja actividade-mor, também mental, física e com um intento libertador, fora combatida nos primeiros anos da independência. Voltando. Não me lembro da hora mas a noite estava acolhedora e um pouco mais fria e vazia comparando-a, no mesmo período, com a da minha última visita no ano passado. Na verdade, a da minha expedição (inconclusiva) levado pela curiosidade de um misterioso “bigodinho”: a especialidade de uma esbelta trigueira que em tempos, em troca, depenara o bolso e o físico de um amigo. Aliás, na minha dita expedição, também fora uma vítima dessa especialidade.
O frio e o vazio da rua não me faziam mossa até que de rompante uma moça dera por mim e no lugar da pergunta sobre o que eu procurava, acenou com a mão um sumptuoso “Discovery” - o Vaivém americano de viagens espaciais. Agradeci a gentileza e acenei-a de que estava bem em terra firme até porque a minha estadia, por aquelas bandas, ainda era desconhecida. Pelo menos até ao momento em que entrei numa das casas de pasto. Aí compreendi porque estava na Major. Já no interior, observado todo o protocolo de higienização, recebi a minha bebida mais-querida e um invólucro com uma palhinha acoplada numa máscara. Em seguida sentei-me na primeira cadeira disponível e saquei do casaco um charuto cubano que um amigo oferecera-me para os dias de quarentena. Em pose aristocrática, a fumaça brotava de mim tal armadilha para atrair o que de melhor a noite, ainda fedelha, oferecia.
Para os padrões da nova normalidade a casa estava apinhada e não passava despercebida a presença jovial de um renovado e especial segmento do mercado composto por estudantes universitárias. Elas até que faziam questão de frisar esse “status”. “A culpa é do estado de emergência”. Foi o esclarecimento de um dos comparsas da noite, aludindo ao pagamento integral de propinas e de outros custos adicionais que não foram abrangidos pela suspensão das aulas no quadro das medidas para a contenção da Covid-19. O charuto e as universitárias lembraram-me o Fidel Castro, antigo presidente cubano, numa troca de palavras com um jornalista. Este, fazendo a radiografia das condições de vida em Cuba, concluiu “Que a situação em Cuba estava tão má que até as prostitutas são universitárias”. E o Fidel contradisse de que era o contrário, pois “A situação estava tão boa que até as prostitutas são universitárias”. Entre portas e para o caso em apreço, qual das opiniões encaixaria melhor? Valendo para quem acertar.
Já aconchegado soube que a falta de movimento na rua não passava de uma estratégia para desviar qualquer que fosse o mal-intencionado, incluindo o “Mahindra” da polícia que em tempos de estado de emergência granjeava amizades hostis. Quem me assegurou foi a moça do “Vaivém” que chegara de fininho para certificar se eu era um crente (de cliente) ou um “bufo”. Fiquei também a saber de que ela era uma espécie de “Oficial do Mahindra” cuja função, e única, era a de vigiar os passos do carro da polícia e de quem ambulasse por ali com propósitos não identificados. Daí o gesto do “Vaivém”. Por acaso a moça, vista de perto, não era tão merecedora da mocidade que lhe atribuíra, tanto que já exibia sinais de que a reforma estava à porta. Aproveitei, tipo ao acaso, e perguntei por uma esbelta trigueira. A musa da casa que os meus amigos, até hoje, não me perdoam – e alguns até condicionaram a retoma da amizade – supostamente por fazer segredo do misterioso “bigodinho”. Para eles não fazia sentido que eu não me lembrasse. E, de facto, tirando os sinais, à vista de todos na altura, de que fora uma vítima da esbelta trigueira.
“É dela que procuras?” A “Vaivém” nem esperou que eu a respondesse e logo, com visível inveja, fora a motivada pelo meu interesse, foi contando a da sorte que batera a porta da amiga. Confesso que também bateu-me uma pontinha de inveja. Não a da esbelta trigueira, mas a do forasteiro que a fez decolar. Nada que não fosse o habitual, por estas terras do índico, pois, há séculos, que é este o destino dos recursos desde os mais abundantes aos mais raros e debutantes. É a sina do bom hospedeiro. E nem o misterioso “bigodinho” escapara. Uma outra dose da mais-querida e mais um charuto. Enquanto acendia-o, já sem a pos(s)e do brilho, a “Vaivém”, que notara a minha tristura, chegou perto, tocou-me e disse-me que voltaria para fazer-me companhia algures. Estou ainda a espera dela. Deus queira que ao menos ela tenha ficado com os direitos do mítico e misterioso “bigodinho”.