Passam já 20 dias após Moçambique assumir a presidência rotativa da SADC e, as vozes que questionam o significado que esta terá para Moçambique não param, são vozes que clamam pela paz em Cabo Delgado e enternecidas pelo sofrimento que assola a população daquela parcela do país. Não é para menos! Afinal, são pessoas brutalmente assassinadas, outras obrigadas a deixar para trás tudo que por vida inteira lutaram para conquistar, homens e mulheres são despojados das suas terras, crianças vêem seus sonhos e seu futuro mutilados, seus direitos espoliados, enfim, são vidas alienadas e obrigadas a viver em condições inóspitas e que, para tomar qualquer tipo de refeição dependem de ajuda.
Pelas razões anteriores são justificáveis as inquietudes e normal que se procure entender como pode Moçambique usar a presidência para persuadir os países da região, já que é assumida numa altura em que, os ataques em Cabo Delgado têm se intensificado e pontos estratégicos como o porto da Mocímboa da Praia são tomados.
A resposta para estes questionamentos é simples – Moçambique não pode fazer nada – os países são soberanos. Ademais, a política exterior dos países é conduzida em função dos interesses nacionais e combater a insurgência na região me parece não fazer parte dos seus interesses. A excepcionalidade deve ser o calcanhar de aquiles da cooperação internacional. Para além do marco da SADC e da União Africana, as relações entre os países da região são regidas também por acordos bilaterais, o que dá espaço para que a cooperação seja mais efectiva.
Falando da excepcionalidade, vale a pena sublinhar que não se trata de um problema apenas dos países da região, mas sim da cooperação internacional no geral. Depois do brote do covid-19 na cidade Chinesa de Wuhan, ninguém pensava que a epidemia sairia das fronteiras chinesas, para o mundo o covid-19 era “um problema chines” e, por tanto, não haviam razões para a cooperação multilateral. Esta foi a reação pelo menos dos líderes de alguns países desenvolvidos, como é o caso do presidente Donald Trump, quem chegou a chamar corana vírus de “vírus chines”.
Desgraçadamente “o vírus chines” já não é um problema para a China, mas para o mundo e sobretudo para os EUA que têm registado números assustadores, com cerca de 6,008,000 casos confirmados contra cerca de 85,000 na China, situando-se por debaixo de muitos países da América Latina, da Europa e inclusive de alguns países da África como, África do Sul e Egipto.
O facto é que a globalização é uma realidade e estamos todos conectados, porém, para fazer face aos problemas que devastam a região e o continente é necessário que os países pensem numa cooperação efectiva. O terrorismo é um problema global e emergente, nenhum país da região está livre, para a sua erradicação precisa-se de conjugação de sinergias e de uma vontade política inabalável. Disto depende a integração e o desenvolvimento regional.
Os meus dois amigos bebem cerveja tranquilamente na esplanada do restaurante, um sentado numa mesa, outro noutra, mesmo assim partilham a mesma garrafa. De Txilar. Parecem desolados, cada um fazendo as contas a vida sem dirigir palavra ao companheiro que está no outro barco navegando num rio triste. Na verdade esta esplanada é um rio triste no sentido de que não emana alegria. Eles são os únicos que estão alí, aliás, num dos cantos há mais um cliente degustando um peixe em silêncio, de costas para a rua vazia, contrariando os cowboys nos saloons.
Escrevi um poema na memória ao vê-los cada um ocupando a sua mesa, porém muito próximos um do outro, absortos nos telemóveis, completando assim o silêncio da cidade de Inhambane que daqui a pouco vai ficar entregue a outro silêncio, o do néon. Os últimos carros já passaram de recolha aos aposentos, e não vejo nenhum pedestre por aqui. Contudo, apesar deste mutismo, ainda consigo ouvir o derradeiro canto das tuta-negras penduradas nos cabos de electricidade. Outros nas copas das velhas acácias, despedindo-se do dia e agradecendo a Deus por terem saciado o bandulho sem precisarem de trabalhar.
Cheguei por volta das 16, convidado pelos dois “bradas” que dividem a Txilar, e o que me fascina a esta hora, é a total liberdade da urbe. É o silêncio. É a possibilidade de ouvir os batimentos compassados do coração. Também estou aqui em respeito a estes companheiros. É essa consideração aliás que levou-me a aceitar de pronto o chamamento, porque de outra forma não teria saído de casa, onde já me enclausurava mesmo antes da Covid-19. A pandemia quando chegou eu já era um prisioneiro do sossego que os meus aposentos me oferecem, ainda por cima um sossogo abrilhantado pela música diária dos pássaros.
Saudei aos dois, e as mesas estão de tal maneira dispostas que ao me sentar a uma delas, sou a ponte que os vai fortalecer a ligação. Se calhar sou a jangada. E antes que a conversa estalasse, um deles perguntou-me o quê que ia beber, e eu respondi, água! A água associa-me aos rios que venero, e aqui sou a ponte sobre o rio, ligando duas margens que se irmanam. Duas margens que bebem a mesma Txilar e comunicam-se por via do silêncio.
Estou com os meus amigos entregue ao vento das palavras. Livre como as gaivotas voando por sobre as marés vibrantes de verão. Aliviado dos pensamentos. Bebendo água, não num copo, mas numa taça de vinho. O garçon trouxe uma garrafa de água e serviu numa taça de vinho sem que eu desse por isso, nem os meus companheiros, mas também não acho isso importante. Água é água, num copo ou numa taça. Ou num rio. Mata sede na mesma. Mas há quem acha que as coisas devem ser colocadas nos seus devidos lugares, como este outro amigo que chega e exclama, estás a beber água numa taça de vinho!
Sim. O título lembra e foi inspirado na “Velha Xica” do agora saudoso músico angolano Valdemar Bastos (1954-2020). Tive o privilégio, ainda miúdo, de o ver cantar e encantar nos idos anos oitenta. Corre-me ainda na veia o sangue dessa quente e memorável noite. Depois que soube da sua partida, a 09 de Agosto, procurei por essa noite na Internet e não encontrei. Agora temo que tenha sonhado. Seja como for, dessa noite, lembro-me do olhar silencioso dos mais velhos quando Valdemar Bastos cantou a “Velha Xica”. Hoje, e distante desse momento, penso que a razão do tal olhar silencioso dos mais velhos, então jovens/adultos e outrora, na era colonial, meninos admoestados pela vovó Xica para que não falassem política, justifica-se porque também perguntavam, com Valdemar Bastos, “Qual era a razão daquela Pobreza/Daquele nosso sofrimento”.
O tempo passou e os meninos da velha Xica, os miúdos do antigamente, agora são titios e avozinhos. E é para eles, sobretudo os de matriz urbana – que depois da independência eram jovens/adultos - que vai abaixo uma música adaptada e inspirada da “Velha Chica”, que a par de “Muxima”, outro clássico do imortal Valdemar Bastos, neste final de semana, entre amigos e em jeito de homenagem ocasional, fizeram parte da fogueira até o sol de Agosto voltar a raiar.
Dito isto, caríssimas leitoras e leitores é tempo de "ouvir”: os meninos da velha Xica!
Depois da independência, um titio lá do prédio/Trabalhava na Loja do Povo (2x)
E à janela da sua flat ou na rua ele via uma viatura Lada a passar/Era o dirigente importante (2X)
E nós os miúdos lá do prédio/Perguntava-mos ao titio/Qual era a razão daquela nobreza/Daquela vénia e do nosso silêncio (2x)
Xê titio tinha medo da política/ Tinha medo da política/ tinha medo da política (2x)
Mas o titio era estudado/Ele sabia, mas não dizia a razão daquela vénia e do silêncio (2X)
Xê titio tinha medo da política / Tinha medo da política/ tinha medo da política (2x)
E o tempo passou e o titio, só mais velho ficou/E ele somente tinha a casa do APIE que vendeu/E agora vive no bairro, na casa de madeira e zinco da sua infância (2x)
Xê titio tinha medo da política/ Tinha medo da política/ tinha medo da política (2x)
Mas quem vê agora/O corpo e o rosto daquele titio, daquele titio/Já não vê as curvas da vénia e as rugas do silêncio, do silêncio, do silêncio! (2x)
E ele agora só diz:
- Xê menino posso partir, posso partir (2x)
- Xê menino posso partir/já vi Moçambique democrático! (2x)
E os meninos do bairro dizem:
Xé titio fala política/Fala política/fala política (2x)
E assim também foi um jeito de recordar Moçambique com toque de Angola e em tripla homenagem: ao Valdemar Bastos, pelo legado da música e da reflexão; aos titios/avozinhos de hoje, os jovens/adultos e meninos de ontem, pelos desafios enfrentados em tempos difíceis e com memórias, ainda, por contar/escrever; e por último, mas não menos importante, aos que apreciam ouvir, cantar, dançar e reflectir com Valdemar Bastos. Saravá!
Achei melhor que eu escrevesse em duas palavras a Rodália da minha imaginação. A própria não conheço, a não ser pela perfurante Wansati, música que pega na mulher por inteiro e transforma-a na ferramenta da vida. Ouvi pela primeira vez este tema numa madrugada e senti a alma toda da cantora envolvida naquilo que eu considero ser um trabalho de antologia. Por tudo. Pela letra, pela composição, e sobretudo pelo engajamento dela na interpretação. É como se todas as mulheres do chão estivessem amalgamadas no seu sentimento.
Da Rodália nunca ouvi nada antes, nem o nome. E ao aparecer no mostruário da arte desta forma, surpreendeu-me como uma dinamite que explode sem obedecer ao rastilho, é assustador. Mas não importa o que possa vir depois de Wansati, mesmo que não haja mais montanhas para subir. Ela está topo, aliás é alí, ao que parece, onde tudo começou. E agora só lhe resta cingir o lombo para lá se manter, ciente de todos os vendavais porque a partir de agora, será julgada em função dessa música profundamente comovente, cantada com toda a dor e esperança.
A Rodália da minha imaginação já percebeu com certeza que do topo onde se encontra, pode voltar a oscilação, e passar a viver entre os cumes e os sopés, mas ela não tem medo. Nem sequer pensa nisso porque há uma grande luz no seu horizonte, e é nessa luz que ela se concentra. Rodália é mulher de sete costados, preparada para remover as pedras todas do caminho, usando as suas próprias picaretas. É por isso que ficou chocada perante a oferta de uma casa provavelmente nunca sonhada.
Wansati é capaz que esteja a colocar a Rodália completamente nua, no sentido de que essa wansati é ela mesma. Porque só nua é que podemos captar a guerreira que está por dentro, capaz de regressar a lama e recomeçar. Wansati simboliza a coragem de vestir outras roupas e criar novas searas, com obstinação e fé. Então é aí onde coloco a Rodália da minha imaginação, uma mulher tenaz que nasceu para cantar.
Comunicando numa mistura de português, inglês e provavelmente o xiswati ou zulu, não sei bem, Rodália descomplexa-se nas mesas de júri e veste a linguagem rústica nunca disfarçada. Ela parece ter medo de julgar, então prefere rejubilar quando os outros reverberam, sem no entanto esconder a vontade de saltar da cadeira e invadir o palco para viver e deixar tudo por conta das emoções.
É esta a Rodália da minha imaginação. Se calhar igual a própria. Não sei!
Passei o final de semana numa celebração inusitada. Era o 30º aniversário do enlace matrimonial de um casal de amigos. O inusitado – para responder à curiosidade – estava no facto de ambos terem apenas 40 anos de idade e celebravam 30 anos de casados. A explicação não tardou e veio do celebrante ao referir, no final da sua intervenção, que a sua contagem iniciava no ano em que se avistara pela primeira vez com a celebrante e não no ano do casamento. Eis - para que não hajam dúvidas - as palavras finais do celebrante: “Uso o mesmo critério para a definição dos 500 anos de colonização portuguesa em Moçambique”. E assim a cerimónia ganhou um outro ímpeto com os diversos casais a recontarem os respectivos anos de casados. Foi interessante.
Na mesa em que me encontrava o debate passou a ser a idade dos assuntos e das instituições em Moçambique. Em relação a das instituições, foi dito, por exemplo, que para alguns a contagem da idade do partido Frelimo inicia a partir de 1977, o ano da transformação da FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique, em partido. Para outros tantos, o cálculo começa a partir da sua fundação, enquanto Frente, em 1962. Quanto à idade dos assuntos, foi largamente citado o exemplo dado pelo celebrante em que se atribui, à colonização portuguesa, a idade arredondada de 500 anos, contados a partir da chegada de Vasco da Gama em 1498 até 1975, com a independência nacional. Em contracorrente há quem atribua, à colonização portuguesa, menos de 100 anos, calculados a partir da Conferência de Berlim (1884/85) e/ou da queda do Império de Gaza em 1895, actos que simbolizaram o início da ocupação colonial efectiva que se prolongou até à proclamação da independência.
Outros e semelhantes exemplos foram citados e que, certamente, são do conhecimento do leitor. De forma breve, e para arrolar mais dois, seguem os casos da cidade de Inhambane e o da Rádio Moçambique (RM) versus Jornal Notícias (JN). Sobre a cidade de Inhambane, que recentemente (12 de Agosto) celebrou o seu aniversário, faz alguma confusão que um local secular (os edifícios falam por si) celebre os módicos 64 anos. No caso da RM versus JN, ambos do tempo colonial, anos 30 e 20 do séc. XIX, respectivamente, não se compreende, salvo melhor entendimento, a razão de em 2020, a RM celebrar 45 anos (já nos tempos da independência) e o JN celebrar 94 anos de idade (anterior aos tempos da independência).
Na linha do entendimento dominante, o dos 500 anos da colonização, será igualmente correcto questionar quem tenha resistido contra quem entre Portugal e o Império de Gaza, atendendo que a invasão colonial portuguesa é anterior à existência do Império/Estado de Gaza, este fundado em 1821, fruto de uma outra invasão, a Nguni. E, na senda da outra perspectiva, não é de admirar que o país não esteja independente, e tal só será possível com a independência efectiva. De toda a maneira, e em jeito de conclusão do debate, a recomendação dos membros da mesa, já com copos de vinho à mistura – por sinal um vinho de casta portuguesa -, foi a de que é preciso que o Estado aclare/padronize os critérios para a definição da idade dos assuntos e das instituições, mormente de âmbito estatal. Aliás, um desafio de um outro maior: o da necessidade da História ser reescrita.
Voltando à celebração do 30º aniversário do enlace matrimonial do casal amigo: por enquanto cola a ideia de que são de facto 30 anos de casados, contabilizados a partir do 1º encontro e, por tabela, 10 anos de “Casamento Efectivo”, calculados a partir do acto oficial e com o devido registo nos termos da lei. Para terminar, e por qualquer razão, talvez de analogia com o processo moçambicano de paz, já aguardo do casal o convite para a celebração do “Casamento Definitivo”.
O meu problema não é o governador Daniel Tchapo porque esse vai passar como passaram todos os outros que lhe antecederam. Estou preocupado com o palácio, uma obra de arte, um património tangível da cidade que pertence e orgulha a todos os manhambanas. É um foco de contemplação reservado igualmente aos turistas que vão passar por aqui. É por isso que na concepção desta obra, colocada numa duna estável no bairro de Balane, o arquitecto fez uma combinação perfeita, onde a baía será um complemento importante, demonstrando uma preocupação profunda em não ferir a natureza.
O palácio do governador de Inhambane era um edifício livre, soberbo em toda a dimensão, tornando assim impossível passar pela marginal sem observá-lo com paixão, sem ceder a sedução das suas linhas, aliás, a própria marginal ganhava outra aragem, era mais linda, agradecia por ter aquele complemento na sua paisagem, lembrando as palavras do poeta, “o belo atrai o belo”. Mas alguém apareceu e tirou-nos o direito de alimentarmos a alma ao passarmos por ali. Mandou, sem meias medidas, erguer um muro de vendação. Um muro monstruoso que sufoca um lugar privilegiado. O palácio foi escondido.
Eu já havia vindo a terreiro sublevar-me contra esta barbaridade, ainda na fase de construção, numa altura em que o governador de Inhambane (não o senhor Daniel Thchapo), criava cabritos no palácio, os quais eram amarrados na relva a vista de toda a gente. Falei até a exaustão mostrando a minha cotrariedade, porém ninguém me ouviu. E hoje está aí o muro que para além de ser desnecessário, descaracterizou a zona toda. Tiraram-nos uma atração que nos orgulhava.
A cidade de Inhambane não merece esta agressão, assim como não merece algumas obras que o Município está a desenvolver por aqui, com o edil Benedito Guimino na batuta. Há casos preocupantes de vias de acesso pavimentadas com qualidade muito duvidosa. Em vários troços dessas ruas recentemente inauguradas o pavet está a desfaze-se. Não há nivelamento em muitos lugares, e não precisamos de ser engenheiros para concluir que aquilo foi mal feito, e mesmo assim a empreitada foi entregue e recebida pela edilidade.
O presidente do Município tem facultado o número do seu celular aos interessados como forma de estar mais perto dos munícipes. Foi assim que, usando dessa prerrogativa, enviei mensagens ao ilustre Guimino para lhe chamar a atenção sobre um problema que está a agravar-se. Disse-lhe ainda que corre o risco de não se orgulhar de ter ficado dois mandatos (se não for indicado para o próximo) porque terá deixado obras destroçadas. Enviei várias sms com o meu nome assinado, alertando sobre a fraca qualidade dos trabalhos que estão sendo feitos, incluindo outros assuntos de interesse dos cidadãos, mas o senhor Benedito Guimino nunca me respondeu, embora conhecendo-me.
Não basta que o Presidente faça obras, é preciso que as faça bem, com garantia de qualidade, para que ao terminar o seu mandato, caminhe com orgulho pela cidade que terá ajudado a construir. Ganha ele e ganhamos todos nós. Aliás, no coração da cidade há gente que ergueu casas de pasto em jardins públicos, violando grosseiramente a postura camaráia, e o edil tem conhecimento disso. Então o nosso bom do Guimino tem que fazer qualquer coisa para remover aquilo e devolver nos a leveza na avenida, como estão fazendo, e muito bem, os seus homólogos de Maputo e Chimoio.
Muitos parabéns Inhambane, minha cidade maltratada, pelos 64 anos de existência !