O surgimento de termos como ‘milicianos digitais’ e ‘Mahindras digitais’ faz parte de um vocabulário do quotidiano das redes sociais da Internet em Moçambique. Com algum interesse particular, nos últimos anos temos tentado perceber que significados podem ser obtidos dos discursos que são emitidos por plataformas socio-virtuais no contexto moçambicano. Num passado recente, o Professor Brazão Mazula referiu que a existência de pessoas que empoeiram o debate por meio das redes sociais da Internet é prejudicial para a Democracia em Moçambique. Nesse contexto, podemos associar a fala de Mazula com o que designaremos como ‘agressão verbal-virtual’ – todo e qualquer comportamento que use palavras, em vez de ataques físicos, para causar danos como insultos, calúnia ou ameaças. Na sua dimensão virtual, a ‘agressão verbal’ descreve uma forma destrutiva de comunicação, que pode ocorrer face a face, bem como mediada por um computador ou outro tipo de plataformas electrónicas (falamos especificamente das redes sociais da Internet).
Existe uma vasta literatura que explica como é que as opiniões podem ser (de)formadas a partir ou nas redes sociais da Internet. Num artigo publicado em 2016, Rösner e Krämer mostram-nos que todos os dias, milhares de usuários da Internet publicam comentários agressivos em plataformas virtuais como Facebook ou Twitter, para expressar críticas públicas, indignação pessoal ou simplesmente para desabafar. Em muitos casos, esses comentários incluem observações desprimorosas que podem ser dirigidas contra empresas, marcas ou personalidades públicas como políticos ou ainda fazedores de artes diversas.
Especialmente no contexto político, alguns autores investigaram a agressão verbal em discussões virtuais sob o nome de incivilidade, o que se refere a ‘’características de discussão que transmitem um tom desnecessariamente desrespeitoso para com o fórum de discussão, seus participantes ou seus tópicos’’ (Coe, Kenski, & Rains, 2014: 660). Nesse sentido, os pesquisadores desenvolveram vários esquemas de categorias para avaliar e explorar as diferentes expressões de agressão. Tais categorias incluem, por exemplo, ‘’palavras e expressões hostis, palavrões e nomes depreciativos, ameaças directas e indirectas, uso de letras, símbolos e sinais de pontuação que transmitem hostilidade ou agressão e comentários insultuosos, sarcásticos, provocadores, negativos ou cínicos” (Lapidot-Lefler & Barak, 2012: 437). Importa sublinhar que este é um campo de análise que tem merecido particular atenção para especialistas de linguagem socio-cognitiva, bem como psicólogos, um campo que certamente não é a nossa especialidade para o presente texto.
Por sua vez, D’Errico, Poggi e Corriero (2014: 195) referem que a política sempre foi uma excelente arena para a comunicação agressiva. De facto, desde a antiguidade, não apenas os actos de fala, mas até mesmo tipos de textos, de insultos a injúrias, de calúnias a panfletos, têm se dedicado a culpar os oponentes, para vencê-los com o martelo da linguagem. Os autores anteriormente referenciados prosseguem e dizem, na era virtual, a agressividade comunicativa passou para as redes sociais da Internet, tanto na interacção pessoal quanto em blogues e fóruns políticos, onde parece ainda mais dura do que na interacção face a face, talvez devido à ideia de que a escalada para a agressão física por questões de ordem política está descartada nos tempos que correm.
Baseando-se no contexto Indiano, Udupa (2017) procurou estudar aquilo que chamou de ‘antropologia do insulto’ para perceber a distinção entre o que é insulto no espaço virtual como meio de participação política, bem como as relações de dominação que esse mesmo insulto reproduz como resultado. Udupa (2017a) avança dois argumentos centrais: (1) primeiro, os abusos de linguagem abrem novas linhas de participação política – pelo menos como engajamento discursivo – para actores experientes numa determinada rede social da Internet, mesmo que isso ocorra em um contexto de debate altamente volátil. Embora não seja verdade que os abusos são o único meio de participar em debates políticos virtuais, eles constituem um contexto comunicacional fundamental para os usuários virtuais que cada vez mais sentem a necessidade de desenvolver as habilidades para lançar, esquivar ou criticar os abusos, bem como para se manterem activos nesses mesmos espaços discursivos virtuais; (2) em segundo lugar, o abuso virtual tem uma estruturação profundamente de género, em que o levantamento de acusações “privadas” e sexuais representa a repolitização da “esfera doméstica” através da lógica masculinista da vergonha com efeitos de intimidação.
Admitindo que a realidade moçambicana possui características próprias e que o actual debate decorrente das redes sociais da Internet está empoeirado, nos parece igualmente verdade que tal realidade constitui uma dimensão de participação política (entendida aqui para além da regular ida às urnas). Pode parecer um paradoxo, mas com o alargar do uso das redes sociais da Internet a consequência directa é ou seria o surgimento de vozes várias, sejam elas polidas ou não. Aliado ao manancial teórico acima apesentado, pensamos que o essencial da nossa discussão não deve ser a surpresa que nos cria o surgimento dos chamados ‘milicianos ou Mahindras’ digitais, mas acima de tudo perceber que impacto isto cria para a promoção ou não das diferentes formas de participação política oferecidas pela Internet.
Claro, não defendemos a promoção ou reprodução da linguagem agressiva no espaço virtual moçambicano. Contudo, argumentamos, de forma hipotética, que estamos diante de uma oportunidade para alargar, através das redes sociais da Internet, o que parece nos escapar com maior regularidade nos últimos anos: espaços e práticas de participação política em Moçambique. Dito de outra forma, não nos parece que o surgimento dos referidos ‘milicianos/Mahindras’ digitais seja de facto problemático, dado que através destes ampliam-se algumas vozes contrárias que não encontram eco nos espaços tradicionais de participação política como as ruas, jornais ou televisões, em razão destes últimos terem sido cativos pelos mesmos actores. Diante disto, uma questão pode ser levantada: como aproveitar positivamente a existência dos ‘milicianos/Mahindras’ digitais para alargar os espaços e oportunidades de participação política (através das) nas redes sociais da Internet?
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Para aprofundamento, algumas referências:
Coe, K., Kenski, K., & Rains, S. A., Online and uncivil? Patterns and determinants of incivility in newspaper web- site comments, Journal of Communication 64, p. 658–679, 2014.
D’Errico, F. et al., Aggressive language and insults in digital political participation, International Conferences ICT, p. 105-114, 2014.
Lapidot-Lefler, N., & Barak, A., Effects of anonymity, invis- ibility, and lack of eye-contact on toxic online disinhibition, Computers in Human Behavior 28, p. 434–443, 2012.
Rösner, L. et al., Verbal Venting in the Social Web: Effects of Anonymity and Group Norms on Aggressive Language Use in Online Comments, Social Media + Society 1–13, 2016.
Udupa, S., Gaali cultures: The politics of abusive exchange on social media, New media & society 20(4), p. 1506–1522, 2018.
Faz algum tempo que eu contei a saga sobre a “Revolta dos Beneficiários” cujo epicentro é a “Lista dos Participantes”, vulgo de presenças, e que circula nos seminários para o seu preenchimento e assinatura. Foi graças à assinatura desta lista que os beneficiários de potenciais apoios de projectos ou programas de combate à pobreza e/ou de promoção do desenvolvimento chegaram a uma lista geral de cidadãos, entre nacionais e estrangeiros, a serem punidos com a pena máxima, uma sentença decorrente da alegação de que os beneficiários, o potencial grupo alvo de tais projectos, foram usados no lugar de apoiados. Daí a “Revolta dos Beneficiários”.
Com a Covid-19 e por força da proibição de aglomerações e do fecho de fronteiras , a“ Lista dos Participantes” foi uma das principais vítimas e também uma salvadora da Covid-19. A sua ausência impactou negativamente na economia, sobretudo na indústria hoteleira e de transportes, e ainda evitou contactos de alto risco, atendendo que os seminários, pelo menos os ditos bem sucedidos, constituem um cocktail de participantes provenientes de diversos locais a nível nacional assim como internacional.
Para a História, fora o bom do lado salvador, creio que será pelo lado das vítimas que a História lembrará a “Lista dos Participantes” em tempos da Covid-19. Numa outra perspectiva, e a fechar, a ausência da “Lista dos Participantes” reduziu a possibilidade de alguns ( os mais assíduos) ocuparam os lugares cimeiros de cidadãos a abater ou, no mínimo, a constarem na lista da “Revolta dos Beneficiários”.
PS: Na retoma dos seminários é possível que os dados a preencher da “Lista dos Participantes”, nomeadamente o nome, organização, função, proveniência, contactos bem como a respectiva assinatura ou rubrica, sejam acompanhados por outros sobre a Covid-19, tais como: “Positivo ou Negativo”, “Positivo Activo ou Recuperado”, “Sintomático ou Assintomático”, “Quarentena Domiciliar ou Hospitalar” e por ai adiante.
O dinheiro que ganhavam não era o mote. Nunca pensaram nessa mola de impulsão antes de, com os pés descalços, dominarem o esférico. Nem nas massas que viriam a encher os estádios. Eles nasceram com a bola nos pés, então urgia que descessem aos campos onde ressurgia a luz da glória. E eles nem sabiam do brilho que lhes esperava. Não podiam saber porque a força que lhes movia era maior. De modo que só lhes incumbia obedecer aos impulsos até se tornarem na força motriz das vitórias.
Luís Suquice fazia parte dessa panóplia que reverberava mesmo em dias infaustos. Eles eram o testemunho dos ditos intemporais de Deus, segundo os quais muitos serão chamados e poucos escolhidos. É por isso que o delírio do povo começava antes de o juiz da partida apitar para dar início ao turbilhão. Havia crença nesse tempo. Uma fé inabalável que lhes dava a força dos bisontes. Tudo o que faziam era vertiginoso, os passes, as defesas no último reduto, as estiradas dos guarda-redes e o engodo pela baliza.
Luís Siquice não era o único, mas avultava entre os tigres. Era o algoz escolhido para matar em momentos cruciais, e o veneno aspergido nos pés ainda no ventre da mulher que lhe deu a luz, era inoculado sem piedade para o desespero dos guarda-redes. Luís era essa águia imparável, e a história nunca vai perdoar aqueles que não o deixaram planar até outros céus, onde iria exuberar no zénite. E agora só nos resta ovacionar com estrondo a alma da nossa estrela que se aparta de um corpo que nos últimos momentos da errância pela terra, parecia resignado.
Na verdade o cheiro de Luís Siquice anda impregnado por aí, no bairro do Chamanculo e no Xiphamanine onde se desumbilicou. É também nas adegas de thonthontho (aguardente caseira) que os bebedores inveterados, frustrados e destruídos, não observam um minuto de silêncio, mas desencadeiam memórias, contando histórias sem fim de um artilheiro de ouro, que passou toda a vida sem nada material nas mãos. Misturando-se com as massas para as quais se tinha tornado um pequeno deus. Mas não haverá palavras suficientes para exaltar o mortífero avançado. Porém ele não merece o silêncio, nem as lágrimas.
Escrevo este texto imaginando o caixão de Luís Siquice entrando pela porta da maratona do Estádio da Machava, carregado aos ombros dos colegas do seu tempo, e nas bancadas um público de pé, eufórico, ovacionando o craque que se despede para sempre.
Hamba kalhe (vai em paz)!
Quando alguém chega à uma residência e nesta, à partida, não se vislumbram sinais de alguma alma viva é normal que se pergunte “Alguém em casa?”. Depois de algum tempo, e perante o silêncio, é ainda normal que o visitante entre pela casa dentro. Diante do cenário de abandono e sem que ninguém interpele, o visitante, nos dias que se seguem, paulatinamente apodera de um e outro pertence até ao dia, e por força do silêncio, em que decide definitivamente assentar arraial como o todo poderoso.
O intróito foi a propósito de uma conversa de Chapa esta manhã. Um dos passageiros reclamava pelo destino de um país entregue aos antónimos dos nacionais. O tal passageiro, para fundamentar o seu protesto, contava que os seus gastos diários, incluindo os de construção, eram invariavelmente feitos em “vários países”. Disse ainda, em tom jocoso, de que os únicos locais em que os mesmos (gastos) eram intramuros a Covid-19 tratou de fechá-los. Insistido por outros passageiros para que revelasse os tais locais o passageio pronunciou bem alto “Barraca” e bem baixinho “Escondidinho”. Um outro passageiro, e com ares de um universitário em defeso forçado pela Covid-19, teorizou a tirada, denominando tais locais de “conclaves de soberania”, incorporando nestes o Chapa. Segundo ele, os ditos “conclaves de soberania” ainda não foram tomados pelos antónimos dos nacionais, um entendimento posto em causa por outros passageiros e até com recurso à exemplos concretos.
O debate foi prosseguindo à media do para e arranca do Chapa. Embora com uma enorme vontade de continuar a participar (em silêncio), tive que descer numa paragem junto à uma instituição pública que, por coincidência, era o meu destino. Já no interior e depois de uma hora ainda aguardava ser atendido. Infelizmente não era o único e até por mais tempo. Enquanto esperava veio-me à mente o episódio do “Alguém em Casa?”. Pelos vistos pouco ou nada mudou desde a penetração dos povos Bantu, passando pela dos árabes, a dos europeus e mais recentemente a de outras latitudes e a da própria renovação, em outras vestes, das primeiras penetrações. É a sina da hospitalidade da Pérola do Índico. E como diz um meu primo: “I'm telling you”.
Eu acredito inabalavelmente que as ideias possuem uma origem divina (com exclusão, obviamente, daquelas ideias macabras, maliciosas e imorais, cuja fonte é, indubitavelmente, diabólica ou, no mínimo, fruto da incapacidade da razão em sobrestar as maldosamente tentadoras sensações do nosso instinto selvagem).
Na tríplice classificação celebrizada por Sigmund Freud, o nosso intelecto é estruturado pelo inconsciente, subconsciente e consciente. A ideia pode brotar em qualquer um destes três compartimentos cerebrais.
Na minha mundividência, a partir do momento que ela se cria (quando induzida) ou surge (quando acidental), destina-se a cumprir um propósito. Um propósito divino pelo qual a pessoa proprietária do intelecto onde surgiu ou se criou a ideia foi chamada a executar. Isto significa que ela é singularizada; é fulanizada; é individualizada. Foi intencionalmente atribuída a determinada pessoa.
Nem sempre nos apercebemos da magnitude desta missão. Aliás, vezes há em que sequer imaginamos que se trata de uma missão. É por isso que as ideias, uma vez surgidas/criadas, são ignoradas, objecto de desinvestimento e evanescentemente abandonadas à sua sorte, chegando a falecer e se sepultar no intelecto de onde brotam, sem que tenham sido devidamente exploradas.
As pessoas não fazem ideia de que, se ela surgiu num determinado cérebro (e não noutros), é porque aquele determinado cérebro foi “escolhido” para desempenhar a missão de materializá-la, tornando-a real, palpável e de apreensão mundana, à merce, ou do próprio proprietário do cérebro pensante e/ou da comunidade onde que ele está inserido.
Atribui-se ao visionário Walt Disney a lapidar frase (sic) “se tu podes sonhar, tu podes fazer”, transformada em aforismo que se casa em perfeita comunhão geral de bens com a frase “primeiro o homem sonha e depois a obra nasce”, sendo ambas as frases demonstrativas do carácter poderoso que as ideias possuem.
A ideia não surge por acaso. Ela não pertence à ocasionalidade, mas sim à causalidade. É como se ela tivesse escolhido a pessoa detentora do cérebro onde ela se vai alojar, para que aquela pessoa lhe dê vida. A ideia suplica: “por favor, transforma-me em algo real”, todavia, aquele sujeito muitas vezes está longe de possuir a perspicácia necessária para intuir o que se passa no seu próprio cérebro, não fazendo, por isso, a mais diminuta “ideia” da bênção que se acometera sobre ele com a escolha e visita realizada pela “ideia”.
Isso torna-o ingrato (ainda que inconscientemente) pois aquela ideia poderia escolher outro cérebro apto a satisfazer-lhe o desígnio de se metamorfosear em “projecto” que, posteriormente, transmutar-se-ia em realidade visível e geradora de múltiplas utilidades. Não só é ingrato, como também chega a ser uma clamorosa injustiça ter consigo a ideia e não a transformar em realidade. É pecaminoso asfixiar e assassinar a ideia dentro de si, proibindo-a de florescer e fazer a diferença “cá fora”.
As ideias não nos surgem por acaso. Se a tens, possuis o dever de investir nela. Uma vez semeada, cabe-te cultivá-la e adubá-la. Na maior parte das vezes, ela não nos surge como produto acabado; aparece como um embrião carente de alimentação para que se forme e se substancie até se tornar consistente. E esta incumbência é tua. Por isso, traduz-se numa ingratidão incomensurável promoveres um aborto sobre a ideia – matando-a mesmo antes da nascença –, pois, ela, no fundo, não é tua; apenas surgiu no teu intelecto para que cumprisses a missão de a vivificar, de tal sorte que, através de ti, o mundo se beneficiasse das vantagens que ela, uma vez concretizada, proporcionaria.
Tu até podes morrer; mas a tua ideia deve perdurar para além da tua morte... imortalizando-te perenemente.
Seguíamos pela EN380 numa motorizada da marca Xinthai quando sons de bombas e bazucas inundavam os nossos tipanos e chorávamos a alta velocidade. Pela estrada, cruzavamos com crianças, mulheres e idosos famintos, com trouxas na cabeça e pensando porque não foram dadas assas para que num instante estivessem num local seguro e sem medo de ser morto.
Naquela manhã, nosso coração palpitava a uma velocidade galopante. Aquela motorizada mesmo na velocidade máxima parecia que estava andar a 5km por hora. Choravámos juntos. Albertina Baptista, jovem corajosa que apenas procurava por uma oportunidade de emprego naquela rica província assolada pela guerra desde 2017 e de turbulências sociais, económicas e políticas há décadas.
Albertina Baptista e o seu corajoso taxista Martinho Macume, um homem corajoso que há anos tem arriscado a vida salvando outras e vivendo a história da guerra em Cabo Delgado desde os primeiros momentos. Voltando ao teatro das operações! Naquele dia corríamos há uma velocidade de um leopardo, mas pelo medo, sentíamos que estavamos em cima de um burro ou rinoceronte, porque não víamos a hora de chegar a Pemba são e salvos.
O medo era tanto. As lágrimas inundavam o meu rosto. O caminho parecia estar a ser acrescentado. As minhas preces intensificavam-se. A minha alma havia abandonado o corpo. A esperança por algumas horas não existia. O medo reinava em nós. Foi um dia doloroso. Foram segundos, minutos e horas de sufoco e desespero. Aquele dia jamais será esquecido por mim. Pelo que vi e ouvi do Martinho Macume. Das histórias de sangue e destruição. Da impiedade belicista e dos amigos e parentes que tombaram em Muidumbe, Macomia, Nangade, Meluco, Mocímboa, Palma, Ibo, Quissanga e Mueda.
Percebi que o meu sonho de trabalhar naquela multi-nacional não seria desta vez. "Que aquela guerra não era uma manifestação popular como alguns dirigentes apelidaram numa reunião realizada secretamente na África do Sul, onde países como Estados Unidos de América (EUA), China, Zimbabwé e outros pretendiam perceber qual seria o seu papel. Estranhamente, quando tudo parecia tender para o apoio, eis que um general, levanta e diz que Moçambique vai resolver o problema, sem precisar do armamento pesado dos americanos, porque tudo era uma insurreição popular".
Narrava Albertina Baptista, lembrando de uma conversa tida com um amigo de alta-patente presente na tal reunião realizada em Maio. As revelações caíram como bomba para mim, mas devido ao estado psicológico dele não levei em conta.
Durante aquela viagem na motorizada, percebi que aquilo não era uma insurreição popular armada, mas sim, terrorismo sem fim a vista. Contra todas expectativas salariais e de status sociais garantidos pela multi-nacional finalmente decidi desistir do sonho. A minha vida tinha mais valor que o salário e os benefícios que adviriam do mesmo.
O meu grito do medo foi maior naquele dia, mas entre os batões, perguntei-me, quantos gritos de medo estão a ser feitos neste momento em Mocímboa da Praia? Quantas crianças, mães e idosos choravam e lutavam pela vida naquele preciso momento? Os gritos do medo eram maiores e constantes e que mesmo saíndo do local ainda iriam intervir nos meus sonhos e que tal do Martinho Macume?
Criação do autor ...Omardine Omar...após uma conversa com uma sobrevivente do ataque a Mocímboa da Praia.