Estávamos felizes naquele dia. A Mariamo preparando o pequeno-almoço. A Samira lavando a loiça. Eu organizando o quarto. Tudo parecia que seria um dia de muita felicidade. Uma vez que após o pequeno-almoço pretendíamos ir almoçar em família na casa do pai Abdula Mussuade, em Milamba, Mocímboa da Praia, Província de Cabo Delgado.
Onze horas da manhã do dia 27 de Junho de 2020 ouvimos rajadas de disparos vindos de diferentes cantos. Ficamos aflitos e cheios de medo. Esquecemos tudo e procuramos formas de correr, mas a situação não nos ajudava porque a Mariamo, minha esposa, estava de gestação de cinco meses, com o corpo difícil de mover e os pés inchados. Perguntei-me o que eu deveria fazer? No meio de tanta bala decide ir procurar pelos moto-táxis... decidimos, na ocasião, que deveria ficar em casa.
No meio de tanta correria e busca de soluções imediatas, aliada à agitação e ao medo instalado, acabei perdendo a minha mulher e cunhada. Na procura que efectuara naquele dia não achei nada seguro, todos meios estavam ocupados. Transportadores pediam valores monetários avultados. Tudo estava nas mãos de Deus. Um amigo disse-me: “Deus dará!”.
Diante de tanto fogo e chumbo voltei para casa às pressas. Quando cheguei ao quintal, vi que a porta de casa que tinha sido arrombada. Corri desesperado em direcção à mesma, gritei: “Mariamo, Mariamo!”. Mas ninguém me respondeu. Apercebi-me que elas já não estavam a casa.
Sai pela estrada, aflito e destemido. Afinal, havia levado a minha amada que carregava no seu ventre, o meu legado, o meu primogénito.
Encarei balas e os riscos. Encarei os temidos al-shababes ou andorinhas da noite! Infelizmente, não vi a minha amada Mariamo, dona da voz na Rádio Comunitária de Mocímboa da Praia.
Gritei, Mariamo, Mariamo! Meu amor, onde estás? De repente surgiu-me a Samira do nada, toda assustada e banhada de lágrimas! Perguntei-lhe onde estava a sua irmã? – Respondeu: “os al-shababes levaram-na; a mim deixaram porque disseram que sou feia e que ninguém iria me querer lá na base!”.
Desesperado, angustiado, molhado de tanta raiva, mas de mãos atadas por não saber o que fazer. Eu e a Samira decidimos fugir para Pemba. Não tínhamos como levar o caso às autoridades policiais e militares, uma vez que a vila estava em chamas e que cada um procurava formas de se salvar. Por sorte conseguimos um transporte que nos tirou da zona de guerra para a Cidade de Pemba.
Já em Pemba. Procuramos por amigos que nos levaram até à polícia. Explicamos ao senhor agente em serviço que registou a ocorrência, mas disse-nos que estava de mãos atadas porque estava distante do facto e que deveríamos ter fé e esperança. Naquele momento era como se estivéssemos com um padre, nos fortificando e nos dando força!
As raparigas e mulheres que eram raptadas pelos al-shababes poucas conseguiam fugir deles e a maioria passava a ser escravas sexuais dos mesmos. Mas como a Mariamo iria aguentar aquela situação, uma vez que estava grávida? Pensamos em reportar alguns jornalistas, mas depois veio aquele medo, uma vez que os terroristas também informam-se com os jornais, rádios e televisões.
Em conjunto, optamos pelo silêncio. Mas a Mariamo continua nas mãos dos terroristas e o meu filho correndo o risco de nascer ou perder a vida nas matas e base dos al-shababes.
Quem nos ajudará? – Até hoje espero pela minha Mariamo!
Texto escrito através de um facto real ocorrido a um jovem casal residente em Mocímboa da Praia. A esposa encontra-se sequestrada pelos terroristas desde Junho. Os nomes do texto são fictícios, mas a história é verídica.
O aeroporto de Maputo tremeu, não porque aterrava uma gigantesca aeronave, mas porque Timbila ta Mhono ia voar, como as águias que dominam as montanhas de pedra. Na capital inglesa, onde tudo vai começar, as televisões vão dando sem se cansar, excertos das actuações dos moçambicanos, para publicitação daqueles que irão actuar no Estádio de Wembley. Não há nenhum jornal que não insere publicidade da já considerada a maior orquestra de timbila de todos os tempos. Os melhores jornalistas ressurgem, soberbos, com reportagens espectaculares antes de chegarem as “águias”. Muitos desses jornalistas que agora retomam os apontamentos, estiveram no estádio da Machava, na despedida, e descrevem tudo aquilo sem, no entanto, conseguirem dizer tudo, porque, segundo eles próprios, o Timbila ta Mhono é infinito. As rádios abrem as suas emissões com o som da timbila e deixam essa secular melodia devastar os corações dos ouvintes por horas sem fim, muitos ingleses e outros europeus que estão em Londres, são entrevistados para dizer qualquer coisa sobre este vulcão que se anuncia, e a única coisa que eles conseguem dizer é, isto é simplesmente incrível, é imperdível.
Falta um dia para a abertura das comportas e tornar o Wembley numa albufeira sagrada dos chopi, para onde os europeus serão chamados a mergulhar e de lá sairem purificados, Wembley vai se transformar, com a chegada do Timbila ta Mhono, em lago Betsaida, onde o anjo Gabriel chegou e agitou a água para que todos mergulhassem e se puruficassem, e esse anjo Gabriel é, na linguagem dos jornalistas mais afoitos e mais criativos, que faziam estas comparações todas nas suas reportagens, Mathxinguiribwa, que não vai carregar a banda às costas, mas vai à frente dela, como Jesus Cristo ia à frente dos seus discípulos. Estas parábolas citadas nos jornais, aumentam a ansiedade, e os locutores chamam à atenção dos seus compatriotas para controlarem as emoções e reprimirem a ansiedade porque, como repetiam, a ansiedade mata.
Em Londres os hoteis estão abarrotados de gente que foi de diversos cantos da terra de Sua Majestade para testemunhar aquilo que é apelidado, por aqui, de meteorito sagrado, eles também querem ser fustigados, querem ver de perto esse mito vivo. A Polícia e o exército e a Polícia secreta, foram mobilizados para controlar a situação, e já fazem isso há um mês, mas nesta noite que antecede ao espectáculo, a vigilância redobra-se, em todas as ruas há agentes da autoridade trabalhando discretamente, também notam-se agentes da cavalaria movendo ora a passo, ora a trote, os seus pujantes cavalos, sem entretanto incomodarem as pessoas. À volta do estádio há várias lareiras com labaredas vivas, circundadas por jovens que cantam e dançam e bebem e comem carne assada em espetos, à espera que amanheça e concrectizem o sonho anunciado, e nesta alegria inefável, há um jovem que manda calar à todos para recordar o velho ditado, não é por muito madrugares que o sol vai nascer mais depressa. Mas esse raciocínio dos sábios não é relevante neste momento, dizia outro, para nós já amanheceu desde que estamos aqui. E a festa de antecâmara continua com muito sangue jovem, que ferve nas veias. Com verve.
É primavera, e as folhas caiem e espalham-se nas ruas e nas avenidas, folhas estas que não podem ir ao estádio ver o Timbila ta Mhono, porque dali, do chão, serão retriradas para o lixo, ou para servirem de adubo, o Big Ben aumenta a ansiedade dos corações em cada badalada, que ecoa para toda a cidade e soa directamente para os microfones de todas as estações de rádio ingleses, que não páram de anunciar o grande show.
Já amanheceu, os portões estão abertos, e as pessoas começam a entrar mesmo sabendo que ainda faltam muitas horas para iniciar o grande espectáculo que será sem dúvida, memorável, porque esta orquestra que vem de Moçambique, foi criada para estar permanentemente no cume, e aquilo que está no cume, a sua vocação é manter a luz acesa para todos os que estão no sopé. E perante Timbila ta Mhono todos sentem-se no sopé. E precisam dessa luz africana personificada em Mathxinguiribwa. Para iluminar a alma.
O dia 05 de Outubro de 2017 marca o início da insurgência terrorista no norte de Cabo Delgado e Mocímboa da Praia, o ponto de partida dos ataques, lembra-me o sismo (7.5 na escala de Richer) que abalou a Pérola do Índico, em particular as regiões centro (local do epicentro) e sul no ano de 2006. A lembrança, na verdade a semelhança, está no espanto. O espanto em ter ficado a saber da vulnerabilidade de Moçambique para acolher tal fenómeno e do facto de Mocímboa da Praia ser afinal uma região estratégica cujo porto é “um dos mais estratégicos” do país e quiçá da costa oriental da África subsahariana. Até 2006 não era notícia (ou de domínio público) que o sismo fosse um fenómeno que estivesse sorrateiramente alojado entre nós e, por estes tempos, que um outro tipo de sismo – o terrorista – tivesse que eclodir para vir à superfície a dimensão estratégia (económica e de segurança) de Mocímboa da Praia.
Levei o assunto à mesa do papo, entre amigos, neste final de semana a propósito da passagem dos três anos de insurgência terrorista. O grosso da opinião apontava como responsável desta ignorância geográfica a existência de problemas de comunicação do executivo ou mesmo a falta dela sobre assuntos basilares do país. Aliás, a falta de uma estratégia de comunicação governamental é um défice que o Jornalista Tomás Viera Mário tem repetidamente apontado nas suas intervenções públicas. No entanto, voltando ao debate, uma outra opinião foi a de que a falta de comunicação ou de informação de assuntos como a vulnerabilidade do país à ocorrência de sismos ou sobre a dimensão estratégica de Mocímboa da Praia, para citar como exemplos, não é o problema. Para esta corrente o problema é de base e é educacional (escolar e cívica). Mais adiante, o consenso de que a combinação do tal défice educacional com o de comunicação governamental constitui um potencial atentado à segurança do Estado. Porventura seja por aqui uma das trincheiras de combate.
Uma outra lembrança de semelhança são as fugas da população. No sismo de 2006, ocorrido à noite, assistimos, na cidade de Maputo por exemplo, ao corre-corre súbito dos munícipes, sobretudo o dos residentes em prédios altos. Em Mocímboa da Praia o corre-corre diário da respectiva população, deixando para trás os habituais locais de residência. Desta semelhança, um detalhe: no sismo de 2006, o grosso dos “deslocados/desalojados” dos prédios da cidade de Maputo trajava camisetes (feitos pijamas) de seminários/workshops com dizeres/palavras de ordem sobre o combate a pobreza ou de promoção do desenvolvimento. E do grosso dos deslocados/desalojados de Mocímboa da Praia, a imagem de uma Nação que (de facto) dorme com os problemas do povo.
Infelizmente as semelhanças não se estendem ao regresso à casa. No sismo de 2006, os “deslocados/desalojados” regressaram aos seus apartamentos depois de algumas horas. Para os deslocados/desalojados da Mocímboa da Praia, a noite ainda vai longa e por enquanto e de Agostinho Neto (1922-1979), poeta e 1º presidente de Angola independente, a esperança do sonho “Havemos de voltar”: “ (À Mocímboa) Havemos de Voltar/ Às casas, às nossas lavras/às praias, aos campos/havemos de voltar”. E mais adiante: “Aos nossos rios, nossos lagos/às montanhas, às florestas/havemos de voltar”. Que assim seja e o mais breve possível.
Pertencer a um partido político da oposição em quando se é funcionário público, na República de Moçambique, é o mesmo que assinar um tratado oficial de traição. Principalmente, quando se é residente naqueles distritos onde as vias de acesso são difíceis e problemáticas. Onde a consciência política ainda é primitiva e o pensar diferente é motivo para tornar qualquer cidadão em búfalo ou elefante fora da reserva.
Embora não seja apenas nos distritos onde existem os peregrinos da Pátria (aqueles que pensam que podem mudar Moçambique estando doutro lado da bandeira e das convicções políticas, sociais e culturais). Os Peregrinos da Pátria muitos deles vivem em constante medo e na linha do tiro. Mas eles nunca desistem, porque sabem o que querem, pretendem e defendem.
É como Vasco Choe; um brilhante professor que já corre nisso há 14 anos. Um corajoso que mesmo sabendo que a sua vida corre perigo entende que a pátria precisa de bons peregrinos. Choe já convive com os lobos há anos. Mesmo quando é dado ordens de transferência para os confins de Chinde, consegue andar em prontidão combativa.
A situação que vive Vasco Choe é mais uma das várias que acontecem todos os dias em Moçambique, na África e no Mundo. Onde as pessoas são perseguidas e aniquiladas. A diferença é que Choe é um peregrino patriota, disposto a ir até às últimas consequências, defendendo suas convicções, mas de uma forma ética.
É comum ver jovens que perdem a vida porque decidiram ser heróis das suas comunidades. Que perdem emprego porque acreditam que podem fazer melhor de quem detém o poder actualmente. As nossas diferenças nos tornam eternos Peregrinos da Pátria. Foi assim com Jesus Cristo, Martin Luter King Jr, Abraham Lincoln, Patrice Lumumba, Nelson Mandela, Steve Biko, Filipe Samuel Magaia, Urias Simango, Joana Simeão, Mahamudo Amurane, Ibraimo Mbaruco, a senhora baleada em Cabo Delgado e tantos outros.
As figuras acima mencionadas viviam como Vasco Choe; vítima das raízes e embondeiros da intolerância política, social e cultural. As nossas sociedades neocolonizaram-se e precisam de novos lutadores pela liberdade completa e rejuvenescida.
O Peregrino da Pátria, Vasco Choe, é um dos vários cidadãos que sofre a ira da ditadura não institucionalizada. Um cidadão que é barrado ao direito à palavra nas visitas presidenciais, num intuito de não revelar a podridão que assola as estruturas governamentais naquele distrito insolar. Em 2019, durante o período eleitoral, Choe candidatou-se a deputado através de uma lista de um partido da oposição, todavia não conseguiu um lugar na dita "escolinha do barulho".
Entretanto, na campanha eleitoral, o Peregrino da Pátria, Vasco Choe, conseguiu mobilizar outros Peregrinos da Pátria com influência política, económica e social a nível do distrito; tudo isso acabou lhe custando uma transferência para um povoado longínquo onde terá trabalhado nos seus primeiros cinco anos de professorado.
A decisão de transferência visava aniquilá-lo profissional e fisicamente, tudo por ser mais um Peregrino da Pátria – eterno lutador pela justiça social, igualdade, desenvolvimento e amante da verdade. No entanto, Choe conseguiu contornar a as espinhosas políticas, ficando atento para os próximos episódios da novela.
Texto inspirado em um facto real. O personagem citado no texto vive, actualmente, o cenário relatado.
Sempre que passo por aqui nas manhãs, em obediência a rotina das minhas caminhadas de manutenção física, ela está a varrer o quintal, mais ou menos às mesmas horas. A casa dela fica ao longo da “Rua branca”, que sai do Handling e termina no Posto Médico. É um troço pouco movimentado, sobretudo a esta hora em que as pessoas ainda se preparam para sair e enfrentar o desafio da vida. Mesmo assim, depois de virem cá fora, as coisas não vão alterar muito porque a cidade de Inhambane não tem muito para onde ir.
É uma mulher que pode estar entre os cinquenta e os sessenta, mas ainda vibra. Sinto isso na forma como me olha. Há qualquer coisa naquele coração, mas eu tenho medo de avançar para perceber de perto o enigma. Se calhar é uma ilusão de óptica da minha parte. Provavelmente ela nem me vê como nada. E se na verdade me acha opaco, então está absolutamente protegida pela razão. Mas eu não deixo de alimentar a esperança que me habita desde o primeiro dia que os meus sentimentos mudaram de frequência, ao entrar em contacto com aquele ponto luminoso.
É ela que comanda a minha mente ao raiar do dia. Penso nela, logo salto da cama. O meu corpo inteiro entra em consonância consigo mesmo, e mesmo antes de beber a minha mistura de beterrada e cenoura e banana para me energizar, estou apto. Estou insuflado do sonho de ver alguém que me arrebata competamente. Então o meu dia começa nas nuvens. Ou seja, tenho algo importante em que pensar, mesmo que essa sensação seja boba. O que importa é abrir o leito da imaginação e deixar o rio correr livremente. E o rio é a minha paixão.
Não conheço o nome dela, e eu nunca quis sabê-lo por via de terceiros. Isso pode esvaziar todo este enredo que vou construindo não propriamente de forma desinteressada, mas sem pressa, como o faço com os livros que escrevo na minha fascinante solidão. Posso esperar o tempo que for necessário, até porque estou preparado para perder algo que nunca ganhei. Algo que me atrai sem que eu saiba o que vai dentro daquela cintilação. O pior é ela um dia dar-me um beijo, e tornar-se, a partir daí, na minha futura ex-companheira. É esse o medo que tenho. O medo de magoar. De voltar a magoar uma mulher.
Ontem passei novamente daquele espaço que se tornou especial na minha vida, ao ritmo da passada habitual e ela já estava ali, como sempre, desde o primeiro dia que a vi. Desta vez não está a varrer, e tudo leva a crer que vai sair, pois no lugar da capulana, veste uma saia florida que vai até um pouco abaixo dos joelhos, traja uma blusa amarela, e as duas peças entram em perfeita combinação. O cabelo grisalho com tranças finas e brincos de ouro e sapatinhos rasos de cabedal, dão-lhe o estatuto de celebridade. Ela é uma estrela.
Cheguei a pensar que ficou ali a minha espera, antes de seguir seu caminho, para que a visse naquelas vestes. Tentei fazer um esforço para não dizer nada, mas o brilho era demais. Muito forte por demais. E eu falei assim para ela, a senhora é muito bonita! E ela respondeu-me assim, você também!
Fiz-lhe um thxau com a mão, e ela retribuiu-me estalando os lábios dela em forma de beijo. E agora!
"Estamos a morrer a fome, papá Nyusi", gritou Florinda Gonçalves; uma mulher brava com uma fala revolucionária; lamentou em uma das línguas nacionais, Xichangana. "Nós temos coragem de falar com o governo sobre a caça furtiva", afirmou Florinda.
Indo mais disse "aqui tem muita gente pobre, por isso é insulto para nós falarmos do que estão falar. Elefantes e girafas andam a fazer estragos e a matar pessoas. Pedimos ao papá Nyusi para que nos autorize a caçar animais de pequeno porte, porque aqui não há emprego e nem esperança de dias melhores".
Estávamos no povoado de Mucacaza, localizado a 101 km da vila-sede de Moamba, província de Maputo. Um lugar rodeado de fauna, flora e muita vida. Mucacaza tem 89 famílias equivalentes a 185 habitantes, conforme apuramos das autoridades locais.
Presente naquele local como caçador e contador de histórias de vida, eis que depois de uma longa viagem de carro em terra batida, cheguei a Mucacaza; a população a aguardava-nos ansiosamente para expôr as suas preocupações e fazer chegar a quem de direito. Com uma população jovem ensombrada pela busca de riqueza fácil nas reservas em redor de Mucacaza e na terra do rand.
A juventude e as mulheres, cujas algumas são viúvas, por terem perdido os esposos, irmãos, amigos, filhos e vizinhos na selva atrás dos troféus dos animais como rinoceronte, elefante, leão e leopardo. Hoje com as medidas de conservação da fauna bravia endurecidas, os exímios caçadores de Mucacaza vivem dias tenebrosos e pedem socorro, porque as oportunidades segundo eles não aparecem.
Foi como Fernando Timba, residente de Mucacaza, repisou na mensagem para o papá Nyusi. "As pessoas vivem desenrascando devido à falta de condições. Aqui falta tudo. Vocês ficam satisfeitos quando vossos filhos não trabalham?" Questionou Timba. Acrescentando disse que “em Mucacaza não soubemos sobre os 20%, mesmo com as reservas em redor do povoado, e nas mesmas só trabalham estrangeiros”.
Carlitos Ntimane, um outro residente de Mucacaza disse que o elefante é o animal mais amado e acarinhado do que as pessoas. “Já perdemos muitas pessoas devido aos elefantes e há sete anos que procuramos explicações e socorro, mas ninguém nos apoia e nem nos respondem. Mais de 100 bois já morreram devido ao leão”.
Para os residentes de Mucacaza, as autoridades que velam pela conservação e governamentais só aparecem no povoado e não falam com ninguém e vão se embora. Por isso, para eles, enquanto filhos da pátria amada, precisam que o papá Nyusi, presidente da República de Moçambique, resolva a situação porque a fome não lhes faz raciocinar em prol da conservação ambiental, combate aos casamentos prematuros e muito menos às políticas de desenvolvimento propaladas pelo executivo de Maputo.
Em Mucacaza vive-se em situações de "Deus dará". Num contexto em que a única actividade rentável era e é a busca incessante pelo xibedjane. Mesmo próximo a barragem, o acesso à água é um martírio, aliada a falta de electricidade e os constantes riscos do conflito homem-fauna. Facto este que tem levado maior parte da população a retirar-se para vizinha África do Sul, onde alguns acabam tombando na saga da caça furtiva.
No povoado de Mucacaza, a mudança de consciência de que os tempos são outros e que existem leis que protegem as reservas parece ser um longo desafio, havendo vezes é que os caçadores furtivos são detidos na reserva e as autoridades, por medo de emboscadas da comunidade na transferência, transportam-lhes pelos helicópteros até a Vila.
Em Mucacaza existe uma escola primária completa em que maior parte dos alunos não chega a concluir a 7ª classe, porque devido às necessidades familiares, alguns alunos passam o tempo mudando de local em local em busca de melhores condições e sem seguir os procedimentos normais de transferência ou de mobilidade estudantil; facto este que, para alguns, acaba atingindo idades compreendidas entre 12 a 16 em classes como 3ª, 4ª ou 5ª classe, o que acaba desmotivando os mesmos de prosseguir com os estudos levando-os a enveredar pela caça furtiva ou outras actividades nebulosas.
Texto elaborado no âmbito do trabalho jornalístico realizado em comunidades assoladas pela caça furtiva, nos distritos da zona sul de Moçambique.