A euforia, a alegria, o riso espontâneo e a sensação de relaxamento são alguns dos efeitos atribuídos ao consumo da cannabis sativa, vulgo marijuana/suruma, fumada com um charro ao estilo de cigarro e feito à mão. Há dias lembrei-me destes efeitos enquanto lia um texto sobre Diego Armando Maradona, o El Pibe, escrito por ocasião da passagem do seu 60º aniversário celebrados no passado dia 30 de Outubro. Da lembrança conclui, e não sabia, que nos anos da adolescência correu-me pelas veias a adrenalina do melhor charro do mundo: o indelével charme do futebol do El Pibe.
Nesta quarta-feira, o El Pibe partiu. Partiu ao encontro de Deus, um velho conhecido que lhe emprestara a mão para fazer um mágico golo no mundial de futebol México-86, o mundial de Maradona cuja equipe, a Argentina, eu nem apoiava, mas era e serei eternamente, como tantos pelo mundo fora, um leal adepto do El Pibe. É a segunda vez que ele parte. A primeira, e não física, foi quando da sua despedida dos campos e desde então o mundo deixou de saborear o melhor charro do universo e só, e apenas, ocasionalmente para o delírio de quem matava saudades dos efeitos atribuídos a cannabis sativa.
E tal como acontece com a cannabis sativa, cuja venda e consumo é crime em alguns países, incluindo Moçambique, e em outros como a Holanda, está legalizada, em torno de El Pibe também pairou muita controvérsia, sendo uma delas a de saber se o El Pibe é ou não o melhor futebolista de sempre. Alguns alegam que a qualidade dos seus dotes dependia do vício de outros tipos de charro. Sobre tal, alguém respondeu nos seguintes termos: “Fumem todos (os jogadores) e vamos ver se fazem o que Maradona faz”. Do próprio El Pibe, o acórdão: “Imaginem-me sem a droga, o quanto teria sido melhor”.
EL PIBE DE ORO, ÉS O MELHOR DE SEMPRE! E na hora de despedir, a minha solene vénia diante do indelével charme do teu futebol, o meu charro da adolescência. Um charro diferente, exclusivo e terapêutico. Um charro que duvido que tenha sido enrolado por mãos terrenas. Porventura, um charro de outra galáxia e para onde Diego Armando Maradona regressa.
Saravá El Pibe!
Situados entre os decisores e os cidadãos, os organismos intermediários (sindicatos e associações) continuam a ser actores fundamentais na vida social e democrática de vários países. Asseguram simultaneamente uma solidariedade de proximidade que o Estado ou as autoridades locais não sabem organizar ou não querem organizar e, para alguns, um papel de contra-poder capaz de criticar o poder a nível local, regional e nacional e de propor soluções alternativas (Fardeau, 2016).
Tradicionalmente – de Maquiavel para Gramsci, passando por Rousseau, Hegel ou ainda Marx – a filosofia política define como sociedade civil tudo o que não é sociedade política formal. Para além das grandes diferenças entre estes pensadores (a sociedade civil como base do Estado ou contra o Estado), ela engloba, portanto, toda a cidadania, que não é nem o nosso objectivo nem o problema a enfrentar. A dispersão de vocabulário e o que as palavras cobrem é sintomático da imprecisão em que nos encontramos. Os franceses falam ‘société civile’ – onde fazem referência para uma sociedade cívica –, da sociedade civil organizada, do movimento associativo. Os ingleses vão referir-se em ‘civil society’ – mas com um enfoque no que chamamos um movimento associativo, aplicando assim o nosso vocabulário mais amplo à mais estreita das realidades. Noutras esferas, mantemo-nos num terceiro sector, um intermediário entre a política e o mercado. Contudo, não cabe aqui tentar definir o que seria a sociedade civil. Aliás, desprovido de consensos e clareza, seria um exercício interminável procurar fazê-lo.
No caso moçambicano, naquilo que preferimos designar como ‘sociedade civil fresca’ (início do século XXI), provavelmente o Professor António Francisco seja dos poucos que, com alguma regularidade, tenha tido interesse em reflectir sobre os caminhos da sociedade civil no país (*em 2003, Mazula e Mbilana escreveram sobre o papel das organizações da sociedade civil na prevenção, gestão e transformação de conflitos; *em 2004, Negrão falou da relação entre o ‘Norte’ e a sociedade civil em Moçambique), mesmo considerando que vários sejam os relatórios sobre organizações da sociedade civil/balanços de projectos que são hoje produzidos. Recuemos, porém, para o ano de 2007 quando, através de um ‘’Índice da Sociedade Civil Moçambicana’’, António Francisco coordenou uma equipa de pesquisa, em que com base na conjugação dos múltiplos resultados, concluiu que a sociedade civil moçambicana é globalmente fraca, nas suas quatro dimensões: estrutura, ambiente, valores e impacto. A pontuação rondava em 1, o representava um valor abaixo do médio, na escala de classificação de 0 a 3 pontos. Depois seguiu-se o ano 2010, através dos habituais livros do IESE ‘Desafios para Moçambique’, onde voltou a discutir expectativas e desafios da sociedade civil em Moçambique (*em 2015, a Altair Asesores e da Agriconsulting SL fez um amplo estudo de mapeamento de organizações da sociedade civil de Moçambique).
Recentemente, em Setembro de 2019, Francisco traçou um provável perfil do que seria então a sociedade civil moçambicana, tendo postulado três dimensões: (1) violenta – aquela que seria revoltada, frustrada e acima de tudo intolerante ou mesmo criminosa; (2) servil – estaria subjugada, bajuladora, ou por outra, corrupta e fingida; e por fim (3) inovadora – que pauta pela coragem, honestidade, e acima de tudo responsável. Para o autor parece ser difícil pensar a sociedade civil em Moçambique nas modalidades actuais, dado que numa sociedade com fraco desenvolvimento humano, económico e institucional, dificilmente pode ser gerada uma sociedade civil forte, mais progressiva do que regressiva, mais construtiva do que destrutiva. No campo da confiança, avança que a descredibilização da sociedade civil deriva de culpa própria, mas não só, pois tal confiança não se pede, nem se compra. Conquista-se – pela credibilidade, autoridade e respeito, sendo que há duas vias como solução: maior carácter, integridade e dignidade; e aumento de competências, técnicas e educacionais, dos seus membros, líderes e gestores.
Sobre isto, recordamos as recentes palavras de Joseph Hanlon (23.11.2020) que, em seu habitual ‘boletim político’ (número 258), chega mesmo a dizer que ‘’a sociedade civil de Maputo, financiada por doadores, normalmente limita-se a emitir declarações, as quais são ignoradas. Não há grandes protestos de rua por causa de eleições fraudulentas, como na Bielorrússia’’. Para Hanlon (idem), as eleições já foram importantes, mas já não são tratadas com seriedade. Nunca houve uma oposição política séria. As agências doadoras estão agora mais interessadas no gás e no investimento, do que na governação e não protestaram seriamente contra as eleições de 2019. Finalmente, a Frelimo tem tido o cuidado de manter a classe média de Maputo confortável para não protestar como na Bielorrússia. A desigualdade, a pobreza e a raiva contra a Frelimo ferveram em Cabo Delgado, levando à actual guerra civil. Mas isso fica a 1800 km de Maputo e a Frelimo pode ignorar as raízes locais e culpar o Estado islâmico (ibidem). Por outro, existe quem pense que o problema da sociedade civil moçambicana seja transformar os nossos problemas que são de carácter eminentemente político em técnicos. Macamo (2019) diz mesmo que quando é assim a participação política não conta, a articulação de interesses não conta, o que conta é fazer a coisa tecnicamente certa. E é isso que as nossas organizações da sociedade civil fazem, e infelizmente não têm consciência que estão a despolitizar completamente o país.
Chegados aqui, provavelmente tenha ficado claro que a nossa opinião surge como um inacabado e obsoleto contributo para pensarmos uma possível sociedade civil em Moçambique, diante dos últimos posicionamentos que sugerem um ‘’ambiente turvo’’ face ao processo de escolha de membros que deverão perfilar na próxima Comissão Nacional de Eleições. Ora, se notarmos as propostas avançadas por Francisco no capítulo da confiança, perguntamo-nos até que ponto estamos diante de organizações que, ao exigir integridade e transparência nos órgãos eleitorais, são, per si, modelos para ser seguidos? Até que ponto outorgar-se como a ‘’voz dos outros’’ não é uma forma de justamente apoderar-se da fala dos demais? Que perfil de facto exigimos das nossas organizações da sociedade civil para ‘’cimentar’’ a confiança diante dos representados? Que relações podemos estabelecer entre o representante e o representado num clima de constante crispação social, o que ultrapassa tais organizações? Estaremos diante de um problema de ordem técnica (transparência deste ou aquele órgão), ou em presença de um problema político? Mas entre o tempo técnico e o tempo político, o que pesa de facto –, o que deve ser tido como prioridade? Ou por outra, que sociedade civil pode ser pensada fora da órbita do ente que governa Moçambique – uma ruptura em continuidade?
Por fim, talvez fosse necessário trazer alguns dados que temos estado a tentar compreendê-los no campo da cidadania e participação, realizados pelo Afrobarómetro, entre 2002-2018 (amostra – 8590 inquiridos – 50% mulheres, 50% homens – todas as províncias):
Em progressão...
Lá nas bandas de Quissanga, na martirizada província de Cabo Delgado, os narcos foram "legalizados". Os tipos circulam à vontade, enquanto isso, o povo luta para chegar às zonas seguras; eles carregam suas mercadorias, organizam nos carros e zarpam livremente. Estranhamente, ninguém lhes fiscaliza e nem os ataca, sejam militares, assim como, terroristas. Quando chega a hora de escoar o produto, há um acordo de não-agressão entre eles.
A rota que já era usada há anos, agora foi totalmente legalizada. O local é um matador de gente estranha e metida a investigador. As coisas por lá funcionam que nem em Sinaloa de El Chapo e os corredores de Medile de Escobar.
O acordo de livre-trânsito permite que mais cães de guerra surjam. As guerras em Moçambique criaram muitos the dog of war, não é em vão. Com extorsões de camionistas e passageiros que circulam pelas estradas nacionais, acabando por ser alvo todo aquele que não coopere com os mesmos. Os vendedores de armas alegram-se com a sanha assassina da guerra. Para eles quanto mais perdura uma guerra melhor é.
As províncias de Cabo Delgado, Manica, Sofala e Maputo estão banhadas de cães de guerra, outros sentados nos escritórios e mansões na capital e os uns fazendo as coisas acontecer ao longo das Estradas Nacionais (EN 1, 7 e 380).
Os cães de guerra se beneficiam de tudo, até de raparigas, jovens ou mulheres carenciadas e desprovidas de tudo. Eis que "homens predadores" chegam e que dão produtos alimentares em troca de sexo, quando há resistência não te apoiam. Os cães de guerra beneficiam-se dos choros e das mortes dos inocentes. Fecham grandes negócios por cima do sangue e da morte do povo inocente. Alimentam as partes beligerantes de um conflito para continuarem a comer mais.
Os cães de guerra farejam tudo, até a desgraça do povo. Que o diga os deslocados de guerra em Cabo Delgado, Manica e Sofala, que de números que são apresentados, contas de particulares engordam. Mansões, carros, fatos bonitos e de último grito são adquiridos pelo suor de apoio e campanhas sem fins feitas em nome de quem mais precisa. Os proprietários de carros e barcos, estes especulam preços de transporte, levando crianças, mulheres, homens desprovidos e velhos a caminharem por longos dias para chegar a um local seguro.
Os cães de guerra não conhecem filantropia, altruísmo, dor, amor ao próximo e muito menos sofrimento. O cão de guerra fareja tudo. Ama a guerra. Ama a violência. Os cães de guerra interrompem sonhos de adolescentes e jovens iludindo-os, fazendo-os acreditar que queimando casa do pobre povo, decapitando e bebendo o sangue do outro é sinal de lutar por uma causa justa.
Em todas as guerras, surgem the dog of war e em Moçambique são vários e estão presentes em tudo que é sector-chave da sociedade: político, económico, religioso e cultural. Todos eles atrás do dinheiro sujo. Cães de guerra são mafiosos que fazem de tudo para terem dinheiro através da violência armada e excessiva. Raptos, extorsões e assassinatos. Queremos que a guerra acabe, disse um ancião ao Presidente Nyusi em Macomia! Quem sabe assim, os cães de guerra desapareçam...
O título é uma ligeira adaptação de um trecho de uma música doce do cantor brasileiro Djavan e vem a propósito do que se acompanha na imprensa sobre uma (suposta) guerra entre organizações da sociedade civil pelos lugares que a cabem na Comissão Nacional de Eleições (CNE). Pelo histórico é uma rixa periódica, normalmente, salvo erro, de cinco em cinco anos. Agora a curiosidade é a de saber sobre o que tanto de doce tem a CNE? A curiosidade ainda adensa quanto a razão da guerra e se ela existe por que não evitá-la?
A dita guerra foi acirrada por uma decisão da Assembleia da República que marcara o tempo oficial de 15 dias de entrega de candidaturas para os cargos em pauta. Uma parte da sociedade civil quer que se avance para a entrega e uma outra não concorda e quer que se adie e, ainda, que antes haja um debate público sobre as regras, pois, e o tempo testemunha, o actual modus-operandi não passa de um exercício que só alimenta cada vez mais a desconfiança e a fertilidade da cooptação. De resto, em conta-corrente, é muito estranho que se faça tanto alarido para ser parte de um órgão que a mesma sociedade civil, e não só, rotula-o de parcial, manipulável e ao serviço de um determinado partido.
Neste contexto, que saídas? A renúncia geral definitiva pode ser uma boa e pacifica saída. E que as partes desavindas proponham como alternativa um concurso público aberto a candidatos singulares, desde que reúnam os requisitos e a altura da competência e idoneidade exigidas. Aliás, havendo alguma guerra a ser feita que seja dirigida para a definição dos requisitos dos candidatos a título singular e do respectivo processo de selecção. Não seria esta uma simpática saída? Sobretudo, e apenas, quanto ao preenchimento dos lugares da sociedade civil.
Infelizmente (e para qualquer mudança), o tempo dos 15 dias já se esgota. O mesmo com o tempo deste texto, e com a sensação de que teria sido melhor gasto a ouvir Djavan. E para quem leu até aqui, certamente que também pergunta: Afinal o que será que Deus pôs ali (na CNE)? Djavan até que vai mais longe quando a dado momento canta: “Por que será que Deus pôs ali.”
Na madrugada do dia 31 de Outubro de 2020, sábado, os terroristas atacaram Muatide e mais oito aldeias do distrito de Muidumbe. Nas incursões que duraram cerca de dez dias, os bárbaros cometeram atrocidades de arrepiar até o diabo. Houve um fardo de mortes e os que restavam pediam, com voz de sangue, para que houvesse justiça cá na terra e no além. O ataque deixou milhares de crianças desamparadas e caminhando longa distância em busca de segurança e aconchego. Mulheres e idosos aflitos por salvação.
Entre as atrocidades macabras protagonizadas em Muidumbe, está a de um cidadão trabalhador, pai de família, dedicado e apaixonado pela área que desenvolvia há anos naquela localidade. Naquela madrugada, entre as várias famílias atacadas pelos insurrectos estava a de um cidadão que em vida respondia pelo nome de Mustafa, conhecido em todo distrito, como o mecânico Mustafa. Um mecânico competente.
No dia do ataque os terroristas chegaram à casa da família Mustafa; o mesmo buscava um esconderijo seguro e as balas já lhe paravam de enganar; pareciam, a priori, estarem a ser atiradas das matas, enquanto na verdade os terroristas já estavam na vila. Na tentativa de verificar donde saíam e se tinham pessoas fugindo, o mecânico Mustafa fora surpreendido por um grupo de terroristas que zombaram da sua dignidade e o trataram como uma gazela perante leões famintos.
Na ocasião, a família que já havia encontrado um esconderijo estratégico aos arredores da sua residência, assistiu a crueldade in loco. Os gritos, as lágrimas, a força da brutalidade dos terroristas contra um homem desprotegido e submetido à tortura aguda com recurso a catanas, martelos e baionetas. Foi duro ver aquilo. Até os barulhentos suínos colocaram-se em silêncio perante tanta barbárie.
O curral de porcos, onde estava escondida a família do mecânico Mustafa, não foi atacado devido a estrutura que o mesmo apresentava. Estava todo destruído. O silêncio dos porcos, o estado do curral é que garantiu a salvação da família do mecânico Mustafa. Que infelizmente teve que engolir as lágrimas e a dor de ver o seu encarregado ser torturado e cortado como se de carne bovina se tratasse.
Os terroristas começaram por torturar o mecânico e tentaram obrigá-lo a dizer onde estavam os restantes membros da família. Ele não abriu a boca. Pegaram numa catana e começaram a desmembrá-lo, colocaram partes do seu corpo nas viaturas da oficina. No meio de tanta tortura, por algum momento, a esposa e os filhos quase saíam do esconderijo aos gritos. Mas o guarda e o ajudante seguraram-nos. Pela forma que o torturavam parecia que eles sabiam que em algum canto estava alguém vendo tudo.
Queimaram a casa e todos bens como forma de atormentar a todos que estavam no esconderijo a entregarem-se. No curral, para além dos suínos encontravam-se cinco pessoas, sendo a mulher, dois filhos, o guarda da residência e um ajudante do finado. Sorte teve a família que conseguiu chegar a Pemba depois uma longa caminhada!
No outro canto, na aldeia Ntchinga, cerca de 31 pessoas, sendo 25 adolescentes do sexo masculino e seis conselheiros do rito de iniciação eram cruelmente assassinados. O cenário era desolador e sombrio; partes de corpos foram espalhadas por todo sítio...
Texto escrito com base nos relatos de testemunhas oculares dos actos bárbaros dos terroristas em Muidumbe.
É líquida a ideia de que a implantação de (grandes) projectos de exploração de recursos naturais e parte deles esgotáveis, fora os seus entretantos, gera benefícios para as comunidades locais. E uma vez que a terra dos rongas acolhe a capital do país - igualmente um grande projecto - há quem pergunte pelos benefícios locais disso, sobretudo, e como qualquer projecto, a capital também tem o seu tempo (indeterminado) de duração. Foi assim pelo mundo, incluindo o caso da Ilha de Moçambique, a antiga capital de Moçambique, que em 1898 foi preterida a favor de Lourenço Marques, actual Maputo. Tal possibilidade, a de um dia Maputo deixar de ser a capital, e no quadro do debate sobre a sustentabilidade da exploração dos recursos naturais, leva à reflexão sobre a sustentabilidade da exploração da terra dos rongas como a capital do país, atendendo, e a história prova, que o recurso terra-capital é também esgotável.
E depois que o recurso terra-capital esgotar do que se sustentará Maputo? Não será uma nova Ilha de Moçambique que mal consegue preservar o património erguido por ser a capital, um estatuto que lhe fora retirado, e que se saiba, sem nenhuma indemnização e de nenhuma alocação orçamental anual por ter sido a capital. Provavelmente haja quem não tema a mudança e ache que a cidade das acácias sobreviverá assim como a cidade brasileira do Rio de Janeiro que, em 1960, perdeu o estatuto de capital para Brasília e nem por isso perdeu o seu fulgor. Mas, segundo alguns escritos que não vêm ao acaso, a perca do estatuto de capital do Brasil é apontada como a responsável da crise crónica em que o Rio vê-se mergulhado até hoje, incluindo a da auto-estima do carioca (o ronga do Rio de Janeiro), nunca recuperado desde que a cidade maravilhosa perdeu o estatuto de capital.
Curiosamente, nos dias que correm, parte das razões que ditaram a mudança da capital da Ilha para a então Lourenço Marques – alguns apontam as de ordem económica/financeira (minas sul-africanas) e de soberania (receio da tomada do estratégico porto de Lourenço Marques) face a interesses ingleses, colonizadores da África do Sul - estão novamente à superfície (cofre à norte e soberania ameaçada também à norte) e não me admira que se comece a futurar uma nova mudança. Aliás, este debate não é novo, e por existir uma experiência amarga de uma vítima entre nós o seu desfecho merece um tratamento constitucional no sentido de assegurar direitos vitalícios para a cidade que perca o estatuto de capital. Certamente um assunto para ser ponderado no devido tempo, mas que não deixa de ser um bom ponto de reflexão por ocasião da passagem de mais um aniversário da cidade de Maputo (10 de Novembro). Parabéns cidade das acácias pelos seus 133 anos e também, por arrasto, embora não saiba o dia e mês, pelos 122 anos com o estatuto de capital.