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Carta de Opinião

quinta-feira, 21 janeiro 2021 09:04

O dilema de Mariano Nhongo*

Está com medo como nunca. Ele já atingiu a última linha para o abismo onde lhe esperam as verrumas de aço, onde seu corpo será espetado como carne a ser servida aos convivas do inferno. Mariano Nhongo é um pêndulo sem confiança, como sempre foi depois da morte de Afonso Dlakama, nunca teve certeza de nada. Agora caminha completamente no escuro com o tacto a fugir-lhe, está atordoado. Se fosse um ndawu puro seria este o momento para optar pelo suicídio, mas não é ndawu, mesmo assim é a única alternativa que lhe sobra. Entre dar o derradeiro salto rumo ao vazio da noite onde reinam as hienas com as suas sinistras gargalhadas, e levantar os braços da rendição sem a certeza de que será recebido com amor, o general acha melhor entregar sua carne aos abutres.

 

Nos últimos dias anda em estado permanente de embriaguês mas sem perder a lucidez. Quanto mais ébrio, mais esclarecido. Perdeu o apetite e a vontade de continuar uma luta que lhe levou a verter sangue dos seus próprios irmãos. É esse sangue que agora jorra em catadupa sobre a sua cabeça, cobrindo-lhe os olhos que já não vêem nada. Não dorme, nem de dia nem de noite, o álcool e a cannabis que fuma sem parar, não produzem mais o efeito desejado, Nhongo pretendia com esses estimulantes ganhar coragem e manter o seu estatuto de general, mas tudo isso esfumou-se, ficou um esqueleto em fim de carreira.

 

Os subalternos deixaram de cumprir as ordens do ora temido homem tido como cicerone de Dlakama, aliás Nhongo esvaiu-se, não dá mais ordens, mesmo que as desse ninguém as cumpriria porque todos os seus sequazes andam bêbados também, como ele. Outros fugiram e entregaram-se, porém há muitos outros que manifestam no fundo essa vontade, mas têm medo de voltar, como o próprio comandante, que deixou de ir ao rio tomar banho, anda desmazelado.

 

Quando o general ainda acreditava na sua paranóia, ia ao rio livremente e os crodilos fugiam, assim como capitulavam os militares das FADM ao saber da presença desse tigre perigoso num determinado teatro das operações. Mariano Nhongo tinha nos amuletos dos curandeiros mais afoitos de Machanga, a sua fortaleza inabalável, chegou de facto a estremecer os fundamentos da Frelimo. Nhongo era a fúria da cordilheira de Gorongosa, mas hoje todo aquele baluarte está em derrocada, o homem do momento está a despedaçar-se. Em fiapos.

 

Em toda a sua vida da guerra mais cruel do século passado na África, Mariano Nhongo nunca tinha encarado uma hiena, animal abominável, porém muito feroz quando se junta aos outros bichos da mesma estirpe e partem em matilha para o ataque. Hoje são esses bichos desdenháveis que guarnecem a cubata sombria do general que não pára de beber e fumar cannabis em vão. As hienas riem-se de Nhongo e nas noites mordem-lhes as costelas nos pesadelos de não acabar.

 

O troar dos canhões que se ouvia ao longe, agora ribomba perto, anunciando a última hora de um relógio que funciona com sangue. Estes são os últimos dias, na verdade, de um grande lagarto que deixou de se mover ou que se move em direcção ao cadalfalso. Mariano Nhongo vive as últimas alucinações.

 

*Texto imaginário

quarta-feira, 20 janeiro 2021 08:33

“Bang 4 Life”

Não sei como é que criaste esta assinatura, mas talvez Deus sabia que em todas as produções da Bang Entretenimento que acompanhei, desde muito cedo, essa voz desafiadora em cada videoclipe do Marcell, era a tua imagem de marca.

 

Lembro-me de ti desde como parte do meu debute profissional, em Moçambique. Eu era novinha em Maputo. Com o meu sotaque “tuga”, e toda a minha bagagem e as experiências europeias inerentes à minha narrativa. Tu e a tua “Gang” eram um produto engraçado de trabalhar para uma miúda que ainda não tinha chegado aos 30.

 

Lembro-me perfeitamente como tudo começou e a Bang Entertainment entrou na minha vida. Depois de uma passagem pelo grupo Soico, fui copy da agência GOLO e como tinha muitas ideias o Thiago Fonseca criou um departamento de marketing relacional para criarmos os conceitos do bellow the line para o Verão Amarelo da Mcel a tua maior patrocinadora antes da vermelhinha.

 

Na altura lembro-me de estar na sala dele, com o Tito e a Sandra a apresentar, sozinha, o projeto que tinha para esse início de Verão “sem qualquer responsabilidade” da GOLO. A cena Bateu! E a ideia foi aprovada.

 

É bom! Como dizemos aí. E o meu atrevimento valeu-me o melhor Verão Amarelo de sempre durante o tempo que trabalhei na GOLO. Enquanto isso, entre os concursos da miss Coconuts era preciso show e é aí que me lembro da voz rouca do Denny OG, uns tempos mais tarde do “Teresinha Você”, e de um grupo de miúdos que era constituído pelo molwene mais desejado da cidade – o nosso Ziqo Ziquinho – a estudante de Direito, Dama do Bling, a voz suave da Lizha que muitas vezes te vi ir buscar à Josina Machel no teu carapau branco, os Mozdance  e as Dejá Vu, dançarinos de apoio dos músicos da Bang e toda uma estrutura que passou de “Gang” a produtora de sucesso nos meados dos anos 2000.

 

Se estivesse a partilhar isto contigo agora íamos rachar. Porque ninguém começa de cima, a não ser os que já sabemos, e tu não começaste. Tinhas entre 23 e 25 anos quando decidiste ser o produtor “grande”. Eu, que nem sou do tempo do Alex Barbosa, só consegui aferir duas pessoas até hoje – durante os dez anos que vivi em Maputo -  que conseguiram fazer “shit´s” no entretenimento em Moçambique. Tu e o Tio Julinho, com os shows dele. Que também não nos podemos esquecer. Mas você tinha label.

 

Tinhas aquele ar bruto e arrogante, que muita gente descreve, mas já se colocaram no teu lugar, Bang? Um puto que provavelmente naquela altura vivia na Malhangalene a encher o Coconuts com músicos nacionais, fechar parcerias com operadoras móveis para grandes concertos e conseguir colocar no mercado sem “rochar” cerca de cinco a seis músicos em permanência durante anos? Até o Big Nelo rendeu no dia que tu partiste e também tive orgulho da minha costela angolana ao ouvi-lo falar de ti.

 

Por isso demorei a escrever, porque intenções há muitas, mas é preciso fazer homenagens com base no teu percurso e não em especulações e ausência de empatia que ando a assistir um pouco por todo o lado. Mas não te preocupes. Personalidades como o Luís Moreira, Beto Sarmento – que te abriram a porta do Coconuts – sabem a dimensão do teu esforço.

 

Como dizia ontem o Big Nelo tu conseguiste trazer a soberania da música moçambicana que nunca tinha sido conquistada até à data. Sempre vivemos de cooperação e não de produção. Por trás de um concerto havia sempre uma instituição e não um produtor sozinho e eu, também como produtora cultural, nunca te cobrei “cultura”. Tu eras puro entretenimento. O que o povo precisava para se empoderar. Eu empoderei-me com a primeira música da Dama do Bling. “Quem é que tem mais style?” E vinha da Europa onde já tinha assistido Prince, U2, Jamiroquai e outras bandas icónicas, mas nunca tinha assistido a nascimento de projetos de raíz.

 

Até hoje rendo com “Essa Mulher é Minha”! E o mais recente “Tá Nice”, onde envolveste sangue novo com os Big Five ficou muito bom. Via-se estratégia em tudo. Até naquela camisete “Moluene”.

 

Nós que tínhamos acesso às traseiras do “Mini-Golf”, quando subíamos aquelas escadas, depois dos shows acabarem, assistíamos a um grupo de putos felizes por fazerem o que gostam e fazerem a “bomba rebentar” – esta é para ti Denny OG.

 

Foi aí que foste crescendo e a fasquia aumentou. Anselmo Ralph, Nelson Freitas, Pérola, Matias, Alcione e tantas outras internacionalizações fizeram a Bang crescer.

 

Mas antes vou voltar atrás. Lembras-te da rota da Mao Tse Tung? Onde toda a malta se encontrava e se preparavam para os shows? Era no Nephitys que tu entravas para partilhar ideias, dar bronca nos atrasados, falar alto com o DJ Marcell a combinar próximo clip e foste fazendo a tua life.

 

Querido por uns e odiado por outros. Ninguém pode agradar toda a gente e não é porque partiste que te estou a endeusar. Estou apenas a partilhar uma história que existe, não tem outra versao que não esta, e que o André, o Ardilles, o Deejay Júnior, Valdemiro, Cátya, Lizha, Ivânea, Doppaz não me vão deixar mentir.

 

Bang não perdeu tempo, não deixou nada por fazer. E fez bem, com os recursos à medida dos seus sonhos. Vais fazer falta puto, mesmo assim com todos os molhos.

 

Profissionalmente só te posso descrever até ao último Team de Sonho que organizaste com os angolanos, a minha outra costela, em 2012, e aquela viagem que fizeste a Luanda em 2014 onde fizemos uma produção para a Lizha e a entrevistei para a revista Lux Angola. Sei que sempre confiaste em mim e que não te atrapalhavas com as minhas verdades. Mas sempre que regressava a Maputo rachávamos.

 

A última vez foi no ginásio, lembras? Estávamos no Power do Baía Mall a tentar perder as nossas barrigas, em 2018. Mês de Março. Quando mais uma vez fui fazer o meu festival “Jardins em Festa” e como sempre nos tivemos respeito mútuo rimos e perguntaste se estava feliz na Tuga. Disse que sim. Tu continuaste lá a fazer metade do treino, porque o telefone era o teu melhor amigo e o teu Personal Trainer sofria contigo!  Acho que para 1h de tempo levavas 3h (risos)

 

Bang. A última vez que falámos foi em julho. Entraste num direto meu e mandaste um DM (mensagem) para falarmos.

 

Tenho a certeza que tinha a ver com o teu projeto televisivo e o que eu puder fazer para esse sonho continuar conta comigo.

 

Bang 4 Life, Nigga!

quarta-feira, 20 janeiro 2021 08:24

Fecharam o “Takidir”. E a Lixeira do Hulene?

Quando recebi a notícia de que fecharam o “Takidir” lembrei-me do  Bill Gates e de monumentos. De Bill Gates porque este uma vez disse que se não tivesse abraçado o mundo dos computadores teria optado por vender frangos e de que o resultado teria sido o mesmo: a riqueza.  De monumentos  porque considero o “Takidir” um património histórico da cidade e quiçá do país. Infelizmente o Bill Gates não disse se com a alternativa ele  teria  enriquecido fora dos EUA, especificamente em  Moçambique.

 

De toda maneira, existem empresários  em Moçambique, incluindo os do “Takidir”,  que se dedicam ao negócio do frango. Serão ricos? Não sei, pelo menos, salvo melhor informação,  nunca o disseram, nem em privado (para os que conheço) e nem em público (também para os que conheço e não só). Aliás, “O segredo é a alma do negócio” já diz o ditado. Porventura, e avaliando as razões do fecho do “Takidir”,  alguém conhece as condições higiénicas em que são produzidos os computadores do Bill Gates? Por outro lado, e salvaguardando a ideia  de que o “Takidir”  é um  património histórico da cidade,  entendo de que o seu encerramento carecia de um  outro tipo de protocolo. E como? No mínimo que fosse  feita uma consulta pública aos munícipes  consumidores do seu frango. Na verdade, e diante das últimas medidas de combate à Covid-19, o “Takidir” já se encontrava  “fora do jogo” por conta do seu  horário de ponta (das 8 da noite às 6/7 da manhã) que casa com o do fecho da restauração. E isto -   atirar sobre um estatelado -  não é justo  e nem é  ético.

 

Contudo e para concluir: o Bill Gates ficou por explicar  em detalhe o processo  de enriquecimento com a venda de frangos e a um preço concorrencial. E o INAE, a entidade competente e que exarou o fecho do “Takidir”,   terá que explicar se a imundície (e os negócios)  na Lixeira do Hulene - um outro monumento da cidade – não justificaria também uma visita  e ao seu imediato e irreversível  encerramento.

A organização do poder na e da sociedade política (constituição dos órgãos de poder), a determinação dos mecanismos de decisão e fiscalização, é temporal e está num presente indefinido. As pessoas singulares mudam, as decisões são diversas, mas as instituições são supostamente imutáveis. Além disso, só se tornam instituições se se afastarem do evento para se constituírem como mecanismos e regras do jogo. Funcionam então num tempo móvel, mas que assegura o regresso ao mesmo. O tempo neutro e cíclico é, por excelência, o da vida política institucional.

 

A unidade de tempo que analisa e mede a vida política da sociedade é a duração de vida do principal corpo político. Na realidade, as ciências sociais não podem construir uma conceptualização do tempo. A história e todas as abordagens genéticas adoptam a concepção do tempo como linear, orientada e activa. É um tempo absoluto estruturado pelo calendário e pela periodização que o pesquisador constrói sobre o calendário. Este tempo social histórico permite organizar eventos e fenómenos duradouros de acordo com uma cronologia (Borella, 1990). A sociologia e todas as abordagens sincrónicas querem afastar-se deste tempo fluente a fim de basear a sua cientificidade no tempo relativo e neutro da mecânica. É o tempo dos sistemas e estruturas, específicos de cada sistema, uma dimensão simples do mecanismo que pode ser dispensada se o sistema for estável e fechado.

 

Esta dualidade é particularmente marcante em demografia, economia e política. Tanto assim que se duvida se estamos a falar das mesmas coisas. No primeiro caso, estamos a falar de objectos naturais, como teria dito Auguste Comte; no segundo, de objectos artificiais, sistemas abstractos e modelos. Na maior parte das vezes, ambos não têm mais nada a dizer um ao outro. Os historiadores só falam do passado e proíbem-se de qualquer explicação e especialmente de qualquer previsão. Outros, sociólogos, economistas, cientistas políticos, de facto falam do presente, mas como se fosse intemporal, isto é, eterno, e aspiram à previsibilidade dos seus modelos.

 

Mas em política não podemos cingir-nos a esta observação. A política como acção e a política como conhecimento são de facto inseparáveis. Como acção, a política é o controlo de um grupo social, do espaço que ocupa, do tempo que vive, por uns poucos ou pelo próprio grupo. Assim, é em primeiro lugar uma tentativa de controlar o tempo, mas inseparavelmente, é controlado por ele.

 

Tal como a política não pode fazer o tempo, também a política não pode fazer o tempo, mas tenta controlá-lo a fim de neutralizá-lo. Este esforço visa organizar o tempo político como uma realidade autónoma em relação ao tempo do mundo orientado e irreversível, e em relação ao tempo da história, em suma, em relação ao tempo que flui. A política procura estabelecer um tempo mecânico, neutro e reversível em que não há passado nem futuro. O fenómeno político só existe se observarmos esta situação de uma sociedade que se organiza para controlar a temporalidade do mundo e da história, para se instalar num presente permanente.

 

Por política, entendemos toda e qualquer acção que se efectiva pela capacidade de provocar ou retardar mudança e que é exercida pelos actores com poder de decisão sobre destinos colectivos. Com efeito, o tempo tem interessado à política, designadamente, enquanto um meio e um instrumento de calendarização de actividades ou como um plano de orçamentos e de avaliação da concretização de metas. Trata-se do tempo-calendário, o tempo como sistema métrico e cronológico (Araújo, 2018). Neste comentário, propomos argumentar que a política (que tanto se refere à acção dos representantes políticos, como a acção do indivíduo humano, no contexto da sua vida) se “esquece” frequentemente do tempo.

 

Explicadas as metamorfoses sobre o tempo, importa destacar que ao analisar a implementação de uma reforma (do sector público) ou de uma iniciativa governamental, existem dois tempos centrais para a boa realização ou não de tal pretensão política.

 

O primeiro momento podemos designá-lo de tempo técnico, que seria a possibilidade material e efectiva de colocar em prática um serviço – uma acção. Dito de outra forma, é a criação de condições objectivas para que a vontade do político seja materializada. Aqui não basta a promessa ou a mera intenção, é preciso que existam condições para o efeito, sejam elas de ordem material, financeira ou mesmo humana.

 

O segundo tempo é político, que é a vontade do implementador (entenda-se actor político de governação) para colocar em marcha uma determinada acção governativa, tendo como objectivo principal o cumprimento de uma promessa política. Seria a ‘entrega’, em forma de bens e serviços, aos cidadãos de um pacto político feito antes da eleição do governante.

 

Trazemos esses dois tempos para perceber de que forma os mesmos podem ter aplicação, face ao momento de crise que, mais do que sanitária, deve ser entendida como tendo pendor político, sobretudo porque demanda dos governantes a tomada de acções para minimização dos impactos que podem afectar a sua reeleição ou mesmo manutenção em determinados cargos de exercício de poder.

 

O tempo técnico em face desta pandemia seria a criação de vacinas ou soluções médicas que possibilitem a erradicação da doença, mas enquanto essa acção não se concretiza de todo, o actor político precisa acelerar a sua marcha para que possa cumprir as juras que fez ao seu eleitorado, sobretudo antes da pandemia – referimo-nos aqui ao tempo político.

 

Pensamos que vivemos hoje a contradição invisível de dois tempos que procuram coexistir num mesmo espaço que podemos designar de arena social, onde enquanto que os cidadãos (aqui entendidos como eleitores) demandam por protecção em prol da sua saúde, o político (governante) preocupa-se em garantir que, ao mesmo tempo que disponibiliza serviços de saúde, deve colocar em marcha as suas promessas políticas (que vão para além de gerir uma pandemia) tendo em vista os próximos pleitos eleitorais – uma campanha política permanente. Se bem feita tal protecção sanitária, pode valer claramente a reeleição de um político ou do seu partido. Esta equação não deve ser surpreendente, se tivermos em conta a racionalidade incompleta que guia qualquer actor político, cuja preocupação maior passa pela perpetuação do poder (Marrel, 2018).

 

Em outros termos, diríamos que os actores políticos têm consciência da importância do inesperado e do desconhecido no desenvolvimento da tomada de decisão e de políticas. Todavia, a sua visão de tempo na política é fundamentalmente de carácter sequencial, linear e delimitada pela prevalência de datas e de prazos. Uns, à escala anual, como planos de actividade, programas ou orçamentos, e outros a uma escala mais longa. Na base, pode afirmar-se que predomina o conceito de tempo-recurso. As técnicas da acção política utilizam o tempo como recurso e meio de acção, e não apenas como objecto de acção, o que demonstra a transformação do papel da política. Já não se trata de uma questão de poder político que estabelece normas para a actividade humana e social, que de outra forma é deixada livre. É claro que o Estado continua a ser responsável por esta tarefa, estabelece e controla as regras do jogo, mas também se torna um dos jogadores.

 

Esta situação é bem conhecida. O estado neutro, liberal, mínimo ou modesto é a política no presente permanente, enquanto que o estado intervencionista, assistencialista e providencial é a política em acção no tempo histórico. Estratega e táctico, o actor estatal actua num tempo prospectivo e finalizado, que se torna um recurso raro como os outros recursos necessários para qualquer acção (meios humanos e financeiros, espaço e técnicas, materiais e intelectuais).

 

Desde as acções mais simples, como as obras públicas, até às mais complexas, como o planeamento completo de toda a vida económica e social, o tempo histórico-social torna-se um recurso raro. Nas democracias liberais, cuja acção política é canalizada através de eleições populares, o intervalo entre as eleições fornece a matéria-prima temporal para a acção dos órgãos políticos eleitos. Os regimes autoritários ou totalitários, ao recusarem as eleições e/ou mandatos limitados, pretendem fornecer-se com uma oferta inesgotável de tempo.

 

Chegados aqui, sobressaem duas questões que nos parecem fundamentais: como garantir a articulação entre o tempo e a política durante a gestão de uma pandemia? Seria esta uma oportunidade ou perigo político?

 

*Sugestões de leitura

 

  • Emília Rodrigues Araújo. Para uma perspetiva aplicada do tempo na política. Revista de Estudios Sociales. 65. 2018. pp. 63-72.
  • France Culture. Le politique réduit-il le temps de la politique?. Podcast. 2017
  • François Borella. Le temps et la politique. Critique du savoir politique. Presses Universitaires de France. 1990. pp. 163-182.
  • Guillaume Marrel et al. Temporalité(s) politique(s): Le temps dans laction politique collective. De Boeck. Paris. 2018.
segunda-feira, 18 janeiro 2021 06:57

O político tramado

Na “pátria dos heróis” facilmente são criados “falsos vilões e paladinos do povo”. Na Matola, em meados de 2013, era derrubado um edil bastante protegido, que tudo inaugurava, mesmo o que não lhe dizia respeito. Em meio à tempestade, algumas figuras sobressaíam e os detentores do poder não viam o mesmo com bons olhos. 
 
Algum tempo depois, a “praga” instalada na autarquia mais extensa e das mais concorridas na “terra dos desmentidos” foi removida. Tinha que se encontrar um substituto (coitado!). Na lista dos que mais “barulho” fizeram, encontrou-se um homem, doptado de fortes habilidades humanas, competências técnicas, princípios éticos e com uma avalanche de apoio das massas.
 
O homem era a pessoa certa para gerir a Matola que todos queriam. Infelizmente, no meio daquele “ciclone político e partidário”, alguém tinha que pagar pelo caldo derramado das alas detentoras do poder. Nisto, a ousadia de combater e afrontar a incompetência de um protegido da oligarquia partidária víria a custar muito caro ao homem.
 
Foi o que aconteceu. Eles haviam mexido o filhote da leoa. O grupo tentou rir-se do crocodilo, antes de atravessar o rio. Zombaram-se da monarquia interna a nível da província. O sarcasmo havia sido demasiadamente usado naquele bestseller político. Além disso, a vassoura da feitiçeira tinha sido tocada e usada para atacar o filhote querido e amado.
 
Dias, semanas e meses passaram. A autarquia estava numa gestão dos que combateram pela transparência e qualidade governativa dos munícipes matolenses. Algo tinha que ser feito para travar o jovem revolucionário, porque o trabalho feito demonstrava que o homem tinha tudo para ser o candidato e vencedor das autárquicas de 2014.
 
Várias linhas operativas de sabotagem foram montadas e enviadas para o campo. Levantamentos bancários, da vida, académico, profissional e empresarial foram feitos. Tinha que haver uma falha. Não era possível, diante de tanta súcia partidária, existir uma virgem imaculada como aquela.
 
A tesão e tensão era tanta no seio da oligarquia partidária cinquentenária. O pénis não conseguia deixar de estar erecto. A bombril pedia, cada vez mais, por mais rounds. Era preciso encontrar o meio para ejaculação ou atingir o orgasmo. Tantas rameiras passaram pelo porongo erecto insaciável. Vários gigôlos tentaram e não conseguiram vencer a tusa da bombril. O homem tinha ficha limpa e tudo para avançar a tão querida e desejada liderança da Matola. 
 
Inesperadamente, uma esperança de última-hora surgiu... Os homens, enviados em diferentes linhas operativas da sabotagem, acharam uma coisa pequena nos movimentos bancários da mulher do “jovem político atrevido” que ousou em confrontar as doutrinas cinquentenárias do partido que libertou Mosambike do jugo imperial e colonial português.
 
A esposa do “Rango da Matola” trabalhava no departamento das finanças no Ministério da Administração Estatal, onde processava, fazia os balancetes e os lançamentos dos salários. A jovem mulher, atarefada e sempre dedicada ao trabalho, profissional reconhecida no ofício e que procurava, constantemente, cumprir as metas, acabou cometendo um “erro perdulário”, que, no entanto, lhes custou muito caro.
 
A mulher do “político tramado”, efectuando pagamentos de serviços prestados pelo seu sector laboral a forncedores, acabou transferindo, supostamente por erro, uma quantia de 175 mil meticais para uma conta conjunta do casal, que tinha mais de 20 milhões de meticais, valores que se assumem  pertencer à empresa particular do “Rango da Matola”.
A transferência falhada da mulher para uma conta bancária do casal, a qual também era da empresa deles, retirou o véu da virgem imaculada que tanto os leões quanto as leoas caçavam. 
 
Finalmente, o porongo erecto despejou o esperma na cara e nos mamilos da primeira meretriz que apareceu. O orgasmo foi atingido com um simples beijo. Sucede que a ansiedade era tanta e os nervosos quase explodiam a cabeça da cúpula toda. Os batuques já não tocavam o som do Mapiko/ Nhambaro/ Tufo ou Marrabenta. A orquestra tinha que encontrar novas formas de maestria. Por fim, a hora da vingança foi anunciada: a justiça espantalha tinha que funcionar para os senhorios do glorioso.
 
Foi feita a cama para o “Rango da Matola” dormir. O homem acabou sendo constituído arguido, acusado de cumplicidade por defraudação e ocultação de crime financeiro. O adversário do protegido e discípulo do mestre do calote secular, Chopstick, já tinha o passe livre para chegar ao trono. 
 
Enquanto isso, o “Rango” combatia na justiça procurando provar que não tinha nada a ver com aquela situação e que a mulher havia falhado, para além do referido valor ser uma simples gota de água no oceano. Mesmo defendido por um dos melhores advogados da praça, o homem foi condenado a oito anos de prisão, por um crime que ele não cometeu e a mulher, que supostamente desviou o dinheiro, voltou para casa inocentada. 
 
A informação sobre a sentença era comemorada nas vermelhadas e badaladas campanhas. Brindes de whiskys, vinhos e champagnes eram feitos, porém, escondidos dos holofotes da mídia crítica, que poderia afectar negativamente a imagem do partido e do candidato, a favor da oposição.
 
O homem havia sido atirado para as masmorras. Inconformado e com a honra manchada, o jovem Rango recorreu da sentença. Metidos a competentes, os juízes da dita Secção reduziram-na para três anos, mas com pena suspensa. Entretanto, o homem, insistiu. Escreveu para o Supremo, pedindo que o seu caso fosse analisado no âmbito da jurisprudência (igualdade de direitos/ sem dualidades de critérios). 
 
No Supremo, a esperança de que a honra seria reposta era tanta. A luta pelo poder político seria recomeçada: o sistema teria um novo adversário, um osso duro de roer, porém a esperança desmoronou. Ora, sucede que no Supremo, o homem tinha lá o seu padrinho de casamento, um pai, irmão e companheiro de longas batalhas. Com a jurisprudência criando fortes dores de cabeça nos juízes presidentes do Supremo, aliada à pressão externa da mão política, num belo dia, cumprindo uma agenda política e devidamente desenhada, o “admirado padrinho” foi mandatado para convencer o homem a retirar o processo no âmbito da jurisprudência, visto que estava a lutar demais com o sistema, na sua totalidade, e pediu para submeter um novo requerimento solicitando o arquivamento do processo por erros judiciais.
 
Quando tudo indicava que o “acordo de cavalheiros” entre o mediador (padrinho) e os leões ferozes havia sido suprido, eis que o último golpe de Shaolin foi aplicado. O colectivo de juízes presidentes do Supremo enviou o homem para os calabouços, dando três anos de prisão efectiva e matando todas as possibilidades de o homem continuar a sua vida com a família. 
 
O Rango da Matola foi destruído social, política e juridicamente. Contudo, ele permaneceu espiritual e epistemologicamente livre.
 
Fica uma lição: a luta de homens iguais morre quando, em vida, não encontramos discípulos a altura de Platão e Aristóteles. O Rango da Matola foi mais um político convicto tramado, entre os vários que, dia-a-dia, vivem situações similares na família, no sector de trabalho, na mesa de copos com amigos, discotecas, no partido, na igreja e noutros locais.
 
Segundo informações, os pássaros dizem que, após ele ter vivido nas masmorras, atirado pelo. onde vivia como um menino da caverna de Platão, contemplando o mundo no interior daquele pavilhão pintado de branco, tentando compreender o fado e o valor da vida. 
 
Hoje, habituado com o canto dos pássaros e o uivo dos lobos, o homem pretende viver ao lado dos apóstolos do bem...Onde é, e quem são?
 
Omardine Omar
Janeiro de 2021   
quinta-feira, 14 janeiro 2021 08:41

Carta de mortos aos ladrões de caixões

"A vida má, sem moderação, desprovida de entendimento e de respeito pelo sagrado não é uma vida má, mas um morrer lentamente." Demócrito de Abdera – 460 a.C. – 371 a. C. Filósofo grego

 

Não vos devíamos saudar, mas a realidade espiritual obriga-nos a fazermos. Esperamos que a vossa vida no mundo dos seres vivos e visíveis esteja a correr devidamente, porque nós por cá nada vai bem, pelo menos, no que concerne ao descanso eterno dos nossos corpos. As nossas almas ainda contemplam o mundo e o além.

 

Escrevemos num momento em que os nossos dias já não são os mesmos; tornaram-se amargos. Quando deixamos o mundo dos vivos e descemos à cova tínhamos um fardo de certeza: teremos um bom descanso. Nenhum de nós queria estar aqui. Gostaríamos de continuar vivos, a viver do pouco que tínhamos ou mesmo à francesa. Talvez estaríamos, agora, murmurando com máscaras nas ruas como pessoas. Mas o anjo da morte carimbou-nos os passaportes sem o nosso consentimento; e atravessamos a fronteira; cá estamos: mortos.

 

As nossas famílias, visando garantir um repouso eterno para os nossos corpos deitados, adquiriram caixões em função do nosso status social, político e financeiro; embora a areia que nos cobre seja a mesma para qualquer um que tenha nascido e morrido. O que elas não sabiam é de que o caixão adquirido na funerária foi desenterrado de um vizinho de campa e colega da vida espiritual.

 

Os ladrões perderam a "honra da ladroagem" e violaram todos códigos da classe dos gatunos. Já não bastava o roubo de rosas, de quinquilharias, lápides com datas e nomes e quadros prateados ou bronzeados com fotografias! Eles agora levam também o caixão e sepultam corpos indignamente.

 

Os ladrões e os proprietários das funerárias vivem como se fossem imortais. Roubam até a cama de um ser indefeso e o pior, inanimado, sem vida! A busca pelo dinheiro fácil os faz acreditarem que o luto de uma família é negócio para as gangs da Lhanguene, Michafutene, Mahotas, Texlom, Saudade, Muxará, Quichanga, Manga ou Coalane. Os ladrões de caixões vivem para além dos limites da (in)moralidade. De uma coisa temos certeza: todo ser-vivo, um dia, morrerá e a terra tornar-se-á o local onde todos os corpos serão sepultados como lixo humano. O que adianta assaltar um defunto e ainda sentir orgulho disso?

 

Que espécie de seres humanos actualmente habitam no mundo? No nosso tempo não era assim. Uma espécie que vê a maldita morte como uma oportunidade para abrir uma multinacional que gere caixões desenterrados em nossas casas! A imoralidade social e financeira atingiu os píncaros da decadência. Ontem roubavam flores, vasos e hoje roubam caixões. Quantas cerimónias fúnebres foram realizadas usando-se os mesmos caixões? E amanhã o que venderão? Com certeza os nossos restos ósseos ou mesmo a areia do cemitério…

 

Acreditem que devido a demanda no negócio de vendas de caixões muitas famílias devem estar a prestar homenagens ou a visitar campas com corpos de outros defuntos. A estupidez é tanta que até existem grupos criados para tal.

 

O anjo da morte é impiedoso na hora que dita que o corpo deve parir a alma. As funerárias são impiedosas com as famílias que procuram pelos seus serviços no momento em que um parente se vai. A saga dos ladrões de caixões revela que a busca por alternativas de sobrevivência, em Moçambique não tem limites, até alguns podem mentir que vendem a "imortalidade"…