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Carta de Opinião

quinta-feira, 04 fevereiro 2021 09:00

Os bayas e os maços de dinheiro

Os bayas pescam, nas extensas áreas de exploração de ouro e outros minérios. Não pescam golfinhos e nem carapaus, mas sim preciosos recursos a preço de banana. Idosos, crianças e mulheres ralam durante dias nas bocas dos buracos, lagoas e cavernas cavando minérios e, do nada, os bayas chegam e compram tudo como se de molhos de bananas se tratasse. Os tipos circulam com maços de dinheiro em redor dos garimpos, enquanto os "novos escravos" labutam para serem os primeiros a acharem o recurso…

 

São os bayas que definem os preços a pagar por grama ou quilograma do minério, mas estes valores não chegam nem a 1% do valor que os mesmos vendem para os compradores libaneses, somalis, paquistaneses, israelitas, nigerianos e sul-africanos. Os bayas desgraçam as almas das crianças, mulheres e idosos; plantam eles um enorme clarão de pobreza. E com a magia dos maços de dinheiros fazem "escravos" obedientes que aceitam tudo para calar o ronco dos estômagos. A verdade é que os bayas cercam o perímetro para que nenhum "escravo" saía da caverna platónica, a caverna da escravatura onde todos estão amarrados a maços de dinheiro.

 

Compram um determinado minério a 50 meticais do garimpeiro na mina e vendem o mesmo a 4500 meticais ou mais aos intermediários na vila, aos libaneses, aos bengalês e aos israelitas. A situação é deplorável e crítica. Insana e desumana. Os bayas vivem à francesa diante da pobreza acrescida das comunidades detentoras do recurso precioso. Brindam pelo sucesso enquanto os garimpeiros brindam-se de incerteza cavando a terra para achar os minérios.

 

Em Manica e Sussundenga, o termo "baya" é usado para referir todos aqueles que compram ouro ou outro minério nas proximidades das minas e não só. E há diferença nos valores entre os que se enterram procurando minérios e aqueles que ficam de fora molhando o dedo e contando valores.  

 

Os bayas não olham para os riscos que os outros correm, o interesse é adquirir o recurso e pronto. Vender hoje e dia seguinte regressar ao local à procura de uma outra pedra a preço de amendoim. Os bayas nem pensam na poluição dos rios e lagoas que a actividade mineira está provocando, o importante é ter a maior e melhor pedra para vender e dar-se bem na vida! Quantos bayas temos em outros sectores hoje?

quinta-feira, 04 fevereiro 2021 06:48

Caso Tom Bowker: Qualquer um pode ser jornalista

A retirada do cartão de imprensa de Tom Bowker e depois a tentativa de expulsá-lo por não ser jornalista oficial sublinha o fracasso de altos funcionários do governo em compreender que nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha a liberdade de imprensa significa que não há registo de jornais ou jornalistas. Qualquer um pode ser jornalista e qualquer um pode publicar um boletim informativo ou escrever um blog. Em Moçambique, onde os funcionários querem controlar e registrar tudo, isso está além da sua imaginação.

 

Sou jornalista profissional no Reino Unido há 50 anos. Tenho um cartão de imprensa, mas é emitido pelo meu sindicato - o National Union of Journalists (NUJ) - que é um dos 21 membros da Autoridade do Cartão de Imprensa do Reino Unido, que é gerida pelos meios de comunicação, não pelo governo. O cartão é reconhecido pela polícia e órgãos públicos.

 

Mas não preciso de cartão para ser jornalista. Quando vou a uma audiência de uma comissão parlamentar, por exemplo, sento-me na bancada de imprensa e ninguém pede provas de que sou jornalista. Para publicações impressas, há dois requisitos: o nome e endereço da editora devem ser incluídos na publicação, e uma cópia da publicação deve ser enviada para a Biblioteca Britânica. E, é claro, jornalistas e editores estão sujeitos às leis de calúnia, difamação e segredos oficiais.

 

Mas nos Estados Unidos e no Reino Unido, qualquer pessoa pode ser jornalista e qualquer pessoa pode publicar - sem registo e sem pedir permissão. Isso se chama liberdade de imprensa. 

É maré cheia e daqui deste aconradouro, o arquipélago de Mucucune que se estende do outro lado de lá, lembra-me o filme de Francis Coppola, Apocalipse Now. A diferença ´porém é gritante, entre a película que vi nos princípios da década de oitenta no Cinema Manuel Rodrigues em Inhambane, e a história que estou a viver neste lugar esplendoroso, mesmo assim vituperado pelo matadouro que nos impregna com o fedor da bosta. No filme o actor principal era Marlon Brando e era ficção, aqui o personagem de proa sou eu e tudo isto é real.

 

Estou à espera, com mais gente, do barco que nos vai levar a Guidzivane, uma das ilhotas do mítico Mucucune e que se localiza no extremo norte, escancarada para o oceano Índico. É a efectivação de um sonho antigo, uma oportunidade de viver esses ritos apregoados desde os tempos. Então, sinto uma grande incapacidade de suster a ansiedade que me devora.

 

Fui o primeiro a entrar na linda barcaça acaba de pintar, logo a seguir vinha uma rapariga a tocar música no seu celular e sentou-se ao meu lado. Esta foi a primeira contrariedade, pois, o que eu queria ouvir ao longo da viagem, era a melodia do vento moderado que sopra do sul, em consonância com o mar sendo amorosamente rasgado pela quilha. Queria contemplar aquela paisagem inteira em silêncio.

 

Partimos sem alarido, deixando as ondas que se iam esbatendo na margem e nas paredes do repugnante matadouro, e aqui dentro do barco com cerca de quinze passageiros,  o silêncio parece triunfar, mas é desmentido pelo som do celular que já está demais. Não consigo concentrar-me no detalhe da viagem e a miúda está animada ouvindo aquilo que até podia ser boa música para os ouvidos dela, mas que oiça isso sozinha porque nós outros queremos escutar a composição da natureza.

 

Eu já estava no limite da irritação diante desta violação ao meu sossego, era insuportável, e na falta de palavras suaves para não magoar a inoportuna  “DJ”, eu disse, moça, porque é que não usas os auriculares? Ela olhou para mim e ignorou-me completamente. E repeti, moça, porque é que não usas os auriculares? Desta vez a rapariga exasperou-me questionando-me, afinal qual é o seu problema?

 

Calei-me profundamente, suportando a faca enterrada no meu peito por uma miúda com problemas sérios de formação. Uma companheira de viagem que podia ter a idade da minha neta, e ela disse mais perante o meu silêncio de derrota, se o senhor não gosta de música a culpa não é minha.

Na terra dos Muzaias nasceram reis, plebeus e bárbaros. O poder local foi sempre repartido por membros destes três grupos. A autarquia é rica, produtiva, com terrenos extensos e devidamente localizados. Na verdade, todos que lá conhecem, querem ter espaços extensos para construir mansões, vivendas e hotéis, mesmo que seja para arrancar ou usurpar dos nativos. Por lá, a Lei está sempre do lado do homem de fato e gravata, linguagem aportuguesada ou dialecto branqueado.

 

Na terra dos Muzaias, chegar ao poder exige lealdade e mudança total do cérebro e da forma de estar e ser dentro do partido. Até para se recolher dinheiro de projectos e usar para fins alheios, não precisa de um exercício magistral basta ter parentes no sector da Justiça e protecção política total.

 

É assim, pelo menos, como vive o jovem autarca da terra dos Muzaias, que ascendeu ao poder em meio a várias trafulhices. Ele teve um primeiro mandato de fotos bonitas, boas aparições da mídia corrupta e inaugurações que agradaram até aos inimigos.

 

Entretanto, o que ninguém sabia é que por detrás daquele discurso refinado havia milhares de munícipes que estavam a ser expropriados das suas terras e machambas.

 

Ninguém imaginava que o autarca estava a construir obras com dinheiro proveniente de golpes palacianos. Ninguém sabe que o autarca tem uma dívida que não para de subir com o Tribunal Administrativo, avaliada em 900 milhões de meticais.

 

O autarca é sortudo! É visto, até ao momento, como o único para segurar a terra dos Muzaias, enquanto se prepara um candidato à altura para gerir aquele território bastante cobiçado.

 

O autarca da “terra dos Muzaias” sabe calar os oponentes, mesmo em plena votação do Plano Anual ou Orçamento Rectificativo da autarquia em que o seu partido tem uma maioria relativa e a oposição junta e unida pode o derrubar.

 

Contudo, estranhamente, o homem conseguiu amarrar e estar a dar de comer membros de Assembleias Municipais dos outros partidos, que sempre votam ao seu favor ou inventam que estão doentes no momento certo, acabando por defraudar aqueles que a muito esperavam pelo momento para encostar o homem.

 

O tipo é um estranho. Consegue gerir um território onde não visita certas zonas porque a população que dirige se cansou dele e chegou até a ameaçar-lo de morte.

 

O autarca da “terra dos Muzaias” por tanto medo de ser exposto na mídia, chegou a pagar a um prurido jornalista e gestor de um vende manchetes da praça dois camiões com mais de 500 sacos de cimento e pedras para que não se tornassem públicos os seus crimes na autarquia dos Muzaias, uma vez que na justiça ninguém o toca.

 

Na terra dos Muzaias, os pássaros cantam tanto em árvores separadas que, quando chega a hora da verdade, não conseguem despejar as fezes de uma vez só na cabeça do autarca.

 

O cenário é lastimável. Os grupos de interesse capturaram a autarquia. A humildade do homem desapareceu num zás. Pelo que a actual estratégia do seu grupo partidário é investir na imagem de um outro jovem, que nos últimos tempos passa a conversar e a comer com vendedores de recargas de telemóvel, passando as noites com os moradores de rua e engraxando sapatos, sempre que vai ao escritório, em plena rua. O objectivo é a promoção de uma imagem que o homem não tem, como demonstrou quando estava na terra do Mapiko!

 

Os projectos mal-parados, na terra dos Muzaias, são tantos, que por falta de seriedade chega-se a abrir concursos para a reabilitação da mesma estrada num ano, mais de seis vezes, mas os problemas prevalecem.

 

Coitados dos munícipes da terra dos Muzaias, que escolheram aparência em vez de cabeça e desenvolvimento. Também, foi sempre assim. Lembremos que Pablo Escobar chegou a ser, ainda que por pouco tempo, membro do senado da Colômbia. O povo votou nele!

 

Hoje, na terra dos Muzaias, ver o autarca virou milagre. É tanta coisa parada e mal explicada que o homem pensa que vive numa montanha ao lado de um super-homem nietzschiano, do tipo Zaratustra. Assim é o autarca da terra dos Muzaias!!!

quinta-feira, 28 janeiro 2021 08:08

Ao Armando Matsimbe pela nossa amizade inabalável

A fuga de Adriano Bomba, um dos melhores pilotos moçambicanos formados na então União Soviética na categoria de Mig-17, inspirou-me a escrever uma crónica nos princípios do ano 2000, publicada no jornal Notícias. Foi um texto contestado pelos pilotos que o leram, pois não correspondia à verdade, ou seja, a história que eu contava desmentia absolutamente os princípios da física, a não ser que o “caça”, segundo esses mesmos pilotos diziam, estivesse a ser conduzido por mim.  Adriano Bomba jamais cometeria aquela peripécia, não por incapacidade, mas porque a gravidade da terra não o permitiria.

 

Eu descrevia Bomba dirigindo a máquina de guerra a baixíssima altitude, num voo mais do que rasante, ainda por cima fazendo gincanas entre os imbondeiros que se estendem de Chicualacuala à fronteira com a África do Sul, numa acção que visava despistar os radares, mas o que eu dizia era ficção exagerada, nenhum caça-bombardeiro faz aquilo, mesmo voando nas mãos dos pilotos mais sagazes do planeta como Adriano Bomba, o  que se descrevia na minha prosa era uma paranóia.

 

Eu referia ainda que o homem  desbaratou temporariamente – no Aeroporto Internacional de Maputo - os controladores de tráfego que assistiam às manobras de um avião que acabava de sair dos trabalhos de manutenção, o qual  devia ser testado pelo aludido elegido por ser reconhecido como um “as”, e essa destreza era demonstrada num determinado momento dos exercícios, Bomba elevou em impressionantes acobracias o seu Mig-17, para logo baixar a níveis quase do chão, apontou com a fuzilagem a cabina dos controladores de tráfego que entraram em pânico, tendo caido todos de bruços, com medo, para logo a seguir o av ião passar de “barriga” ao lado da torre de forma espectacular.

 

Os pilotos que leram esta última passagem disseram que eu estava doente de doido, isso é impossível, não faz parte nem da formação de um doente mental. E como se essa loucura não bastasse, disse ainda que de entre os controladores de tráfego, estava Alberno Chipande na qualidade de Ministro da Defesa Nacional, e que ele também caíu como os restantes, e pior do que os profissionais da aviação civil ali presentes, Chipande desmaiou e molhou as calças de urina. Foi aí então que os meus críticos disseram em definitivo que eu estava a delirar.

 

Seja como for, Adriano Bomba fugiu naquele dia, naquela cirucunstância deixando os companheiros em desespero, de entre os quais o meu amigo Armando Matsimbe, de quem tenho muitas saudades, pelas histórias sem fim que contava em convívios sem tabus. Mas como ele próprio – o Armando - dizia, a vida é como um caça-bombardeiro em pleno combate, a qualquer momento pode ser atingido por um missil.

 

Que a tua alma descanse em paz, Mandito, meu irmão de sangue!

terça-feira, 26 janeiro 2021 13:52

O resultado de eleições

Por alto acompanhei as eleições presidenciais em Portugal, sobretudo os resultados e as reacções à volta. Delas, e não é só destas eleições, retenho, e como um exemplo entre vários,  que ganhar não significa apenas ficar em primeiro lugar e de que ser votado por larga franja da sociedade pode não ser uma boa coisa. Abaixo, e tomando o resultado das eleições portuguesas do passado Domingo, sobretudo o do candidato apoiado pelo partido Chega, recentemente criado, seguem algumas notas.  

 

Ganhar não significa apenas ficar em primeiro lugar. O candidato apoiado pelo partido Chega, dito da extrema-direita, o ainda líder do partido (ainda porque demitiu-se por ter falhado a meta) ficou em terceiro lugar e a meta era a de ficar em segundo lugar, deixando para trás a candidata do partido PS que acabou ficando em segundo lugar. E mesmo assim, o líder do Chega cantarolou vitória por ter amealhado meio milhão de votos e por ter ainda mais votos que o conjunto dos  ditos partidos da esquerda radical (Bloco de Esquerda e o PCP). Ademais e se estas fossem eleições legislativas, o Chega teria conseguido mais de uma dúzia de deputados contra um (que  por coincidência é o próprio líder)  da actual legislatura.  

 

Ser votado por larga franja da sociedade pode não ser uma boa coisa.  Isto porque o extraordinário resultado conseguido pelo candidato do partido Chega, e que posiciona este partido como a terceira força política portuguesa (e em ano e meio de existência), está a gerar uma onda de preocupação no status quo  da sociedade portuguesa, sobretudo da  classe política. As razões da preocupação prendem-se com o facto do partido Chega (e do seu líder em particular) ser considerado, entre outros epítetos, de fascista, racista e xenófobo.  Não sei se isto significa que dos portugueses que foram às urnas meio milhão sejam fascistas, racistas e xenófobos.  Pelo grosso da reacção crítica não o são, apenas estão zangados ou contra o curso actual do sistema/regime.  

 

Dito isto e cá para os meus botões: tendo em mente  que comparo com a Pérola do Índico,  os meus botões não me ajudaram a chegar a nenhum resultado. Aliás, o resultado foi a conclusão de que este tipo de debate continua refém do próprio resultado das eleições, nomeadamente se foram livres, justas e transparentes.