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Carta de Opinião

quarta-feira, 08 fevereiro 2023 07:28

FMF Incuba "Gangsterismo"!

Adelino Buqueeeee min

“Ao assumir um compromisso de pagar um determinado valor no caso de qualificação e não fazê-lo, ao assinar um compromisso com os atletas em Argel e, chegados ao território nacional, considerar esse documento inválido e sem valor jurídico, o colectivo da FMF mostra que a FMF agiu sempre de má-fé, nunca teve intenção de remunerar os atletas pelo seu trabalho. Mais do que isso, ao criar uma comissão de inquérito para um caso em que ela será objecto de inquérito, mostra o jogo de antecipação, qual astúcia! Definitivamente, as atitudes da nossa FMF são próximas de um "gangsterismo" não é aceitável, devem cumprir com as promessas feitas aos jogadores. Honrem a vossa palavra, obrigado.”


 
AB



Os episódios acontecidos em Argel com a Federação Moçambicana de Futebol e a Selecção nacional, os “Mambas”, não dignifica Moçambique e tão pouco a própria Federação Moçambicana de Futebol. Longe disso, mais do que os seleccionados de Chiquinho Conde, a Direcção da Federação Moçambicana de Futebol é responsável por esses episódios tristes e lamentáveis que, para o bem do Futebol, devem ser erradicados no nosso seio.



Uma nota importante aqui a considerar, estando certo que o Presidente da FMF é o “cabeça” e quem lidera a Federação, a estrutura em si tem um carácter colegial, por isso, a minha reflexão não visa a pessoa de Sidat, mas, antes pelo contrário, o colectivo que compõe a FMF. A esse colectivo se deve responsabilizar por estes tristes episódios que aconteceram em Argel e que continuam no território nacional. Caros membros da Federação Moçambicana de Futebol, é triste e lamentável a forma como lidam com este caso de Argel.



É deveras lamentável que uma instituição como a FMF reúna via “virtual” num feriado nacional, dia consagrado aos Heróis Nacionais e decidir pela criação de uma comissão de inquérito e a suspensão de atletas da selecção. Esses senhores que estiveram reunidos deviam ter vergonha desse acto tão precipitado quanto irresponsável que tiveram. Reunir num dia normal da semana e de forma presencial não seria a forma mais responsável?! A decisão que tomaram, caso tomassem no dia 06 de Fevereiro de 2023, o que atrasaria! Não é compreensível que homens com responsabilidades como dirigir a FMF não tenham respeito pelos Heróis nacionais, é triste.



A FMF e os “Mambas” são partes do litígio



A Federação Moçambicana de Futebol e os “Mambas” são duas partes em litígio no caso do CHAN Argel 2022, por isso não faz sentido que uma das partes tenha o poder de criar uma comissão de inquérito em que também é responsável. As pessoas indicadas para essa comissão de inquérito irão ouvir a FMF? Se sim, em que qualidade? Sim, porque a FMF, para um bom entendedor e com interpretação isenta dos factos, é responsável pelos acontecimentos de Argel. É a FMF que não cumpriu com as suas obrigações para com os atletas, obrigações que de forma voluntária prometeram aos atletas.



Mais, ao agir como agiu, a FMF é que acaba manchando o bom nome de Moçambique, conquistado com sangue dos Heróis nacionais simbolizados no 3 de Fevereiro, data em que a mesma Federação do Futebol, no lugar de dirigir-se à Praça dos Heróis para homenageá-los, preferiu reunir “virtualmente” para “punir” outros Heróis nacionais, desta feita, do Futebol nacional. Na verdade, no seio dos adeptos de futebol, estes jovens trouxeram muita alegria e hastearam a bandeira de Moçambique bem alto em Argel. Foi o trabalho dos “Mambas” e seu corpo técnico que logrou esse sucesso, registe-se!



Na minha opinião, a FMF, para este caso específico, não devia reunir para deliberar tal como o fez. Até poderia reunir para analisar os acontecimentos do CHAN e comunicar o público as suas conclusões. No entanto, essa reunião nunca deveria criar uma comissão de inquérito e muito menos punir jogadores, excepto o elemento da Federação. Esse, sim, podem puni-lo como acharem melhor e dentro dos vossos estatutos e regulamentos. Agindo como agiu, a FMF quis “jogar” na antecipação e criar “confusão” no seio da opinião pública, o que não abona aquele colectivo.



Sobre a Intervenção da SED!



Devo dizer que a intervenção da Secretaria do Estado do Desporto foi oportuna e deveria ter sido logo à chegada dos “Mambas” de Argel. Peca por ter sido ligeiramente tardia e que deu espaço para esta atitude da FMF de reunir “virtualmente” num ferido nacional para tomar decisões que tomou. Ainda assim, a SED deve manter-se a frente deste processo, na qualidade de representante do Governo para a área de Futebol e não só. É chegado o momento de a FMF deixar de ser um refúgio de “gangsterismo”. A FMF deve ser um lugar para gente honrada e responsável, comprometida com o desenvolvimento do Futebol em Moçambique.



Ao assinar um compromisso em Argel e chegar em Moçambique considerar o documento inválido e sem valor jurídico, a FMF mostra de forma clara e evidente que a FMF sempre agiu de má-fé neste assunto. Mostra o quão “gangsterista” é o colectivo da Direcção da FMF. De entre eles deveria aparecer alguém a chamar a atenção para a observância das regras elementares de convivência social. Por outro lado, mostra que os atletas tinham razão ao exigir algo escrito em como irão respeitar o compromisso assumido voluntariamente, veja-se agora!


Atletas gazetam encontro com a SED!


Aqui, é importante chamar-se os atletas à razão. Quando a SED os convoca, repito, CONVOCA, não é uma questão de vontade, é uma questão de obrigação comparecer a esse encontro. A solução dos problemas não acontece por forças mágicas, acontece com a intervenção humana e, no caso, a SED, como representante do Governo de Moçambique, a ela cabe dirimir este conflito e reportar a outras partes do Governo sobre as posições das partes. Ao agir como agiram, faltaram respeito a uma instituição do Governo e o que tem a fazer é pedir desculpas e solicitar encontro para se esclarecerem e, quiçá, pedirem ajuda a SED na resolução deste diferendo com a FMF. Gazetar não vos dignifica jovens, a vida deve ser encarada de frente, os problemas, por mais bicudos que sejam, devem ser resolvidos e, para que isso aconteça, é importante a participação dos visados. Mas, como diria o Secretário de Estado para o Desporto, talvez tenham agido “de cabeça quente” depois do comunicado da FMF. Compreendemos, mas devem redimir-se do erro. Todos devemos respeitar o Governo.  

 

 

Adelino Buqueeeee min

“Existe um ditado chope que diz “se você ajudar alguém que não conhece, deve cortar-lhe parte do seu corpo, preferencialmente a orelha” para que amanhã se recorde de quem o ajudou. Moçambique pagou um preço muito alto para o fim do Apartheid, valores incalculáveis com a aplicação de sanções e o albergue dos militantes do ANC. Temos na Cidade da Matola um Memorial sobre o sucedido a 30 de Janeiro e como nos agradecem!? Vandalizando e saqueando bens dos nossos concidadãos. Esta é a forma de expressão de ingratidão jamais vista para com um povo que lhes foi generoso. Ai se Samora Machel vivesse para ver isto!”

 

AB

 

Nós, moçambicanos, sentimos na pele que as relações entre os dois países não estão bem, quer a nível dos povos, quer a nível oficial, entre os dois estados. Sentimos que há tendência de se subalternizar o Estado Moçambicano pela África do Sul e, na minha opinião, devemos dizer basta ao Governo da África do Sul! As relações devem beneficiar as duas partes, as relações que beneficiam somente uma das partes não são relações justas.

 

Nos recentes ataques dos bandidos sul-africanos, parece-me que o Governo daquele país sai em defesa dos seus bandidos. Pode não ser essa a realidade, mas, perante o silêncio ensurdecedor que aquelas autoridades manifestam, a conclusão não pode ser outra. Por outro lado, os moçambicanos que sofreram sevícias naquele território contam histórias de indiferença policial, mesmo que devidamente informada pelas vítimas, isto é, na minha opinião, inaceitável. Basta!

 

Mas também é preciso reconhecer a “inércia” das nossas autoridades do sector da Diplomacia e quer me parecer que a vinda a público da Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação foi forçada pela imprensa nacional. A forma como comunicou e o semblante apresentado na Conferência de Imprensa não são de alguém preocupado com o terror que os seus compatriotas acabavam de viver. Tudo isto acaba não abonando a favor daquela instituição que nos deve defender no exterior. Moçambique já tinha ultrapassado essa fase de Diplomacia demasiado “silenciosa”, mas também não estou a dizer que deve ser “ruidosa”, deve ser prática e pragmática na sua acção a nosso favor.

 

Por exemplo, ontem, 30 de Janeiro, recordamos o ataque às residências e à Fabrica SOMOPAL na Matola, residências que albergavam membros do ANC residentes em Moçambique. Entretanto, no lugar de confraternizar, estávamos lamentando o sucedido com os nossos compatriotas. No lugar de falarmos de fraternidade, estávamos a falar de um escândalo de vandalismo contra as pessoas e sua propriedade privada. É preciso recordar o ANC e os sul-africanos no geral o papel e o preço que Moçambique pagou para a sua liberdade. Neste momento, o grosso dos dirigentes da África do Sul no activo conhece bem a história da sua liberdade e o preço que pagamos, ingratidão!

 

Não à retaliação por Moçambique!

 

Apesar de reconhecermos e doer a ingratidão dos sul-africanos, nós não podemos pensar em retaliação contra a África do Sul e cidadãos daquele País que demandam o nosso País, quer em negócios quer em Turismo. A nossa forma de ser e de estar nos impele a sermos mais responsáveis e cautelosos, mas nós não somos ricos. É urgente que se fale de ressarcimento dos moçambicanos pelos bens perdidos por vandalismo dos cidadãos daquele País. A África do Sul deve indemnizar os moçambicanos, devidamente identificados no vandalismo daquele País.

 

Existe a “narrativa” de que em Moçambique existem viaturas roubadas e que se encontram na província de Maputo. Se isso for verdade, eu penso que o Governo não é espaço de albergue de bandidos. Essas viaturas, uma vez identificadas, devem ser repatriadas para o País vizinho e entregues às autoridades competentes. Não pode um país inteiro pagar por culpa de meia dúzia de indivíduos, não é aceitável e tão pouco dignificante isso.

 

Nas redes sociais, alguns moçambicanos residentes e a trabalhar na África do Sul mostram-se revoltados com o seu próprio País porque acham que estão a pagar o preço de falta de acção das nossas autoridades. A Xenofobia é parte dessa forma de pagamento e nunca se sentou e se tomou uma decisão séria a respeito. Moçambique deve fazer-se respeitar, somos um país com mais de trinta milhões de habitantes, independente e soberano, afinal o que nos falta!

 

Reitero o meu apelo ao Governo de Moçambique para que saia em defesa dos seus concidadãos, não faz muito sentido isto que vivenciamos nos últimos dias, em que moçambicanos são vítimas de vandalismo na vizinha África do Sul com aparente indiferença das autoridades competentes. Moçambique precisa da África do Sul, mas a África do Sul também precisa de Moçambique, não são poucos investimentos daquele País em Moçambique, a era de venda exclusiva de mão-de-obra barata de Moçambique para África do Sul já era, acabou, vamos nos tratar de igual para igual ou somos diferentes!

 

Adelino Buque

quinta-feira, 26 janeiro 2023 07:38

África do Sul: Parem com o vandalismo!

Adelino Buque min

“As recentes reportagens passadas nos órgãos de comunicação social, mas antes nas redes sociais, em que um autocarro é queimado sem dó nem piedade, o relato de moçambicanos que sofreram sevícias naquele território, alegadamente, porque machanganas roubaram quatro D4Ds”, a indiferença da polícia sul-africana e, pior, a indiferença da nossa Diplomacia, que equivale dizer do nosso Governo, Governo de Moçambique, preocupa a muitos cidadãos atentos ao desenvolvimento, por isso a Sociedade Civil e o Sector Privado devem manifestar indignação com os acontecimentos, num acto que pode configurar que a África do Sul se declara inimiga de Moçambique!”.



AB



Os actos de vandalismo, perpetrados por cidadãos sul-africanos contra os moçambicanos e suas propriedades e a indiferença com que age o Governo da África do Sul demonstram claramente que o País vizinho não é amigo de Moçambique e tão pouco nos quer como parceiros naquele país vizinho. Mas, mais do que isso, o silêncio dos nossos serviços Diplomáticos pode traduzir a falta de vontade na protecção dos seus cidadãos no estrangeiro e isto preocupa a qualquer um, independentemente do seu interesse na visita à África do Sul.



Circula, nas plataformas digitais (Whatsap), vídeos e áudios relatando os acontecimentos e um dos áudios que ouvi é de um cidadão que repete de forma frequente: “irmãos! Isto é sério”. Diz ele no áudio que foram parados somente carros moçambicanos e nele deitaram gasolina, queriam queimá-lo. Mas conseguiram reunir 10.000 Rands e foi então que lhes deixaram passar. Num outro vídeo, uma senhora fala sobre a vingança dos sul-africanos nos seguintes termos: “dizem que machanganas roubaram quatro D4Ds e os proprietários foram mortos”, por isso estão a vingar-se.



Nos dois relatos existe algo em comum, é que as autoridades sul-africanas, mais concretamente a Polícia, depois de informada não “move palha” e, aos olhos do comum cidadão, isto parece algo coordenado entre os bandidos e o Governo da África do Sul. Mas preocupa-me mais o silêncio das autoridades moçambicanas perante este ataque a pessoa e seus bens num País estrangeiro. Ontem, na TVM, apareceu um senhor que se diz Director dos Serviços Rodoviários a falar do assunto e quase arrisco-me a dizer que “falou e não disse absolutamente nada que interesse” o público afectado.



Pessoalmente, advogo que nós moçambicanos deveríamos deixar por mínimo de uma semana a ida à África do Sul via terrestre. É verdade que muitos vão para lá por razões comerciais e dizer isto é o mesmo que “cortar-lhes as pernas”. Na minha opinião, irá doer, mas é a única forma de podermos demonstrar o nosso descontentamento e, certamente, a economia sul-africana iria ressentir-se e o Governo seria pressionado a agir contra os bandidos. A África do Sul precisa de um sinal, um sinal que demonstre que temos interesses naquele país, mas eles também saem a ganhar com a nossa entrada e saída naquele território.



Moçambique deve parar com a sua Diplomacia “silenciosa”, o caso é sério como dizia o cidadão que foi “regado” com gasolina e foi salvo por 10.000 Rands. Não podemos viver assim. A par da pressão social a ser feita, deve haver uma atitude do nosso Governo contra esta onda de criminalidade perpetrada por cidadãos sul-africanos porque, se deixam as coisas ganharem grandes proporções, passará a ser o “modus vivendi” daqueles cidadãos que concluirão que podem ganhar a vida interpelando e extorquindo, na via pública, cidadãos moçambicanos sem que as autoridades locais façam qualquer coisa.



Mas, mais do que o Governo, o Sector Privado deve posicionar-se com relação a este assunto periclitante. São empresários moçambicanos que perdem seus bens no exercício das suas actividades e se tornarão paupérrimos, pedintes e devedores de um tesouro cego e mudo, de uma Banca comercial insensível e ávida de lucro fácil sem olhar para o estado da “vaca que lhe dá leite”. Isto é preocupante, por isso advogo que todos nós não somos suficientes para manifestarmos a nossa indignidade, parem com isso!



Adelino Buque

Tsandzane min

De forma simplista, podemos considerar que a Síndrome de Estocolmo é um mecanismo de reacção a uma situação cativa ou abusiva a que determinadas pessoas são submetidas. E estas, por consequência, desenvolvem sentimentos positivos em relação aos violadores, ao longo do tempo. Esta condição se aplica às situações que incluem o abuso de crianças, abuso de relações conjugais ou, ainda, o tráfico sexual.

 

Tecnicamente, no mundo da Medicina e Psicologia, a Síndrome de Estocolmo é entendida enquanto uma resposta psicológica, que ocorre quando sequestrados, reféns ou vítimas de abuso se ligam psicologicamente aos seus raptores. Em outras palavras, tal situação ganha força quando, após contínuas sequências de sofrimento, a vítima incarna, na sua mente, aquela sensação como normal e passa a conviver, de forma natural, com o opressor; ou é atingida por um esquecimento temporário que lhe faz ver o seu ‘canalha’ como um indivíduo que apenas pratica o bem.

 

A designação da Síndrome deriva de um assalto a um Banco em Estocolmo, capital da Suécia. Em Agosto de 1973, quatro funcionários do Sveriges Kreditbank foram mantidos como reféns no cofre do Banco durante seis dias. No decorrer deste período, desenvolveu-se uma ligação aparentemente incongruente entre os sequestrados e sequestradores. Um refém, durante uma chamada telefónica com o então Primeiro-Ministro Sueco, Olof Palme, declarou que confiava plenamente nos seus raptores, mas temia morrer num ataque da polícia ao edifício. Ou seja, conforme o procedimento deste refém, entende-se que o instinto de sobrevivência está no cerne da Síndrome de Estocolmo, visto que as vítimas vivem em dependência forçada e interpretam actos raros ou pequenos actos de bondade em meio às condições horríveis como um bom tratamento.

 

Se quisermos aplicar o introito acima para o caso de Moçambique, precisamos retomar ao debate efervescente que tem sido caracterizado por um distribuir gratuito de simpatias que o então Presidente da República, Armando Guebuza, tem estado a conquistar em cada aparição pública. Aliás, engana-se quem tenha concluído que tal teve o início apenas na celebração dos seus 80 anos de idade. Com alguma atenção, se o número de apoiantes representa um critério de medição de popularidade, basta uma visita rápida à sua página no Facebook para constatar a forma como se tem criado uma narrativa positiva relativa ao antigo governante.

 

Ora, trouxemos a proposta de Síndrome de Estocolmo Política para espelhar o que, no nosso ponto de vista, é a máxima dominante de toda esta situação. Sucede que, de um provável mal-amado no fim do seu mandato (*2015), o Presidente Guebuza parece ter espantado, com mestria, os seus ‘fantasmas’, visando ser o actual ‘bem-amado’ de vários moçambicanos. Para nós, isto revela que estamos diante da presença de uma Síndrome de Estocolmo Política, se considerarmos que o mesmo Presidente é co-responsável directo pelo que o País conhece, desde que este saiu da Presidência.

 

Mesmo que o País não tenha a cultura ou capacidade de realização de pesquisas de opinião de fim-de-mandato, assumimos a ousadia afirmando que o Presidente Guebuza não é, certamente, quem tenha tido bons níveis de aprovação popular quando deixara o poder. O nosso entendimento baseia-se no facto segundo o qual o contínuo martírio social na actual governação, caracterizado por uma aguda mendicidade colectiva na qual os moçambicanos estão expostos, faz com que estes prefiram o que em linguagem popular se considera “menos pior”. Ou seja, o pior a ser equiparado ao péssimo. Dito de outra forma, ambos, antigo e actual Presidente, são os ‘arquitectos’ máximos do desencanto que Moçambique tem vivido nos últimos 18 anos (desde o primeiro mandato de Guebuza até aos dias actuais).

 

Ademais, sem querer menosprezar as suas obras e valiosas acções no passado, para nós, o actual (des)caminho de Moçambique tem uma dose directa proveniente da governação deste Presidente, que tem sido colocado, ultimamente, como o ‘El-Salvador’ da Pátria. Por isso, tentar esquecer, mesmo que de forma incauta, os ‘pecados’ (passados, mas bem presentes na vida dos moçambicanos) do Presidente Guebuza faz parte de um teatro de massas abocanhadas pelas aparentes desavenças dos membros de elite do partido Frelimo. No nosso entender, estamos diante de um cenário que parte de uma elaboração dos media, algo explicado no que, em tempos, Adorno & Horkheim (1984) chamaram de “Indústria Cultural”, ou o que autores como McCombs & Shaw (1972) anteriormente designaram de “Definição de Agenda”.

 

Por conseguinte, não podemos refutar a desgovernação que temos perante o actual Executivo, espelhada pela falta de um horizonte para onde Moçambique segue ou deveria seguir. Contudo, tal não nos pode criar um estado amnésico igual ao que tem imperado neste País desde 1994, ano das eleições fundadoras, todas elas dominadas pelo mesmo partido político. Em outras palavras, o nosso problema não é tentar ‘salvar’ um Presidente que tanto mal causou aos moçambicanos ou insistir que o actual Presidente enverede por um fictício terceiro mandato. É, pelo contrário, uma Refundação dos alicerces que estruturam a nossa forma de governação. Ou seja, precisamos de um tratamento para cuidar da nossa Síndrome. Enquanto tal não suceder, o entretenimento político do que temos visto com a aparente ‘crise das comadres’ continuará a desviar-nos a atenção face ao real (des)caminho governativo que vivemos como País.

 

Num outro cenário, algumas vozes tendem a considerar a actual situação que se vive em Moçambique no que podemos designar “crise intra-partidária”. Podendo-se aceitar tal hipótese, teríamos dificuldades em enquadrar uma realidade que coloca actores do mesmo partido a falarem de forma dessincronizada. Mesmo que se admita a influência do ambiente eleitoral já iniciado, pensamos que não estamos perante uma crise do tipo partidário clássico, mas, provavelmente, um entretenimento discursivo e mediático, tal como se assiste entre os confrades partidários Cyril Ramaphosa e Jacob Zuma, na vizinha África do Sul.

terça-feira, 24 janeiro 2023 06:53

Basta à violência sexual em Moçambique!

Adelino Buque min

“O actual estágio de violação sexual, reportado quase diariamente, mostra que as medidas de prevenção não são eficazes, quiçá, as medidas punitivas demasiado brandas para o tipo de crime. Pior do que isso, são reportados casos cujo seguimento se desconhece, não há a publicitação desses casos pelo Judiciário de modo a desencorajar essa prática. Hoje, 23 de Janeiro de 2023, no programa “Balanço Geral” da Televisão Miramar, reportaram a violação de uma mãe pelo filho, alegadamente, porque a namorada não compareceu! Será que o poder Legislativo tem acompanhado este tipo de reportagens? Não se pode fazer algo mais para dissuadir estes crimes? Mas, afinal, que animais somos nós”.



AB



“Cópula não Consentida (art.17): Aquele que mantiver cópula não consentida com a cônjuge, namorada, mulher com quem tem uma relação amorosa duradoura, laços de parentesco ou consanguinidade ou mulher com quem habite num mesmo espaço, é punido com pena de 6 meses a 2 anos de prisão e multa correspondente. Atenção às Consequências da Violência Sexual! As consequências da violência sexual são muitas, com efeitos físicos e (ou) psicológicos muitas vezes irreparáveis. A discriminação, perda da autoestima, medo, depressão, infecção pelo VIH, Infecções de Transmissão Sexual ou a morte são algumas delas. Estas consequências têm um impacto na condição social e económica das vítimas”.



In VIOLÊNCIA Sexual: Basta ao Silêncio de UNFPA



Os casos de Violência Sexual em Moçambique tendem a subir de forma exponencial e a violência sexual é caracterizada por muitas formas, desde a violação seguida de assassinato. Esta violação tem sido muito frequente e, muitas vezes, reporta-se que a vítima foi violada por mais de uma pessoa. A violação de menores: hoje é possível reportar-se a violação de menores de 10 anos de idade, o que constitui uma grave aberração, fugindo àquilo que deve ser a conduta da sociedade normal.



Há que registar a violência praticada pelos padrastos, em alguns casos consentida pela mãe para não perder o marido e, muitas vezes, a menor sofre ameaças do padrasto caso denuncie a mãe ou outra pessoa familiar. Grosso modo, os violadores são obrigados a pagar valores monetários e deixando a solto, o que pode significar garantias de continuidade de violação sexual, o que é bastante triste.



Um exemplo dessa violação foi recentemente reportado na província de Inhambane, onde um homem amantizava com a irmã da esposa. Os familiares descobriram porque a relação já se tinha transformado em algo normal. O cunhado construiu uma casa para a cunhada onde se encontravam, aliás, a cunhada habitava nessa casa, quando a família descobre, o homem foi obrigado a pagar um valor de 10.000,00 (dez mil meticais) e com a obrigatoriedade de declarar o fim do relacionamento. Sucede que o relacionamento não terminou e, no conceito do homem, passou a ter “direitos” sobre a Mulher, que é sua cunhada!



Quando é que o caso é despoletado?! A mulher, não sei se cansada de uma relação não consistente, decidiu ter um homem, eventualmente para ela sozinha. Quando o cunhado/amante descobre, decide fazer da vida do casal um autêntico “inferno” controlando e exigindo contas à mulher, o que irritou o novo homem que partiu para a violência e o caso reportado à polícia. Quando os repórteres da TV Miramar foram entrevistá-lo, apesar dos duros golpes sofridos, o homem estava firme na manutenção das relações com a cunhada, caso contrário, disse ele: “que me devolvam o meu dinheiro, a casa e a roupa que comprei para ela”. Não é interessante isso!



Por acaso, o homem, depois das relações sexuais continuadas com a cunhada/amante, no caso de cumprir com as exigências deste, ele o que teria de devolver? Sim, porque a exigir a devolução de bens materiais resultantes de oferta por satisfação deste no “amor roubado” ele também teria de devolver o “prazer” que gozou com a mulher. Seria isto possível?! É evidente que não, mas isto mostra que, efectivamente, a mulher entra neste tipo de relação em pé de desigualdade e a constatação do estudo cujos trechos publiquei acima diz e passo a citar:



“Numa sociedade marcada por fortes desigualdades de género, como a nossa, as mulheres são as principais afectadas por este tipo de violência. Contudo, este não é um problema limitado às mulheres. As estratégias de desenvolvimento e combate à pobreza neste país não resultarão se este tipo de violação continuar invisível e impune.” Fim da citação.



Devo confessar aqui e agora que a inspiração para esta reflexão veio-me da reportagem passada no programa “Balanço Geral” da Televisão Miramar de 23 de Janeiro de 2023, onde um jovem violou sexualmente a sua própria mãe, depois que a namorada não compareceu ao encontro, pelo menos é isso que dizia a reportagem. Ora, a que ponto chegamos?! Já não somos racionais? Somos animais! Mas que animais, meu Deus, isto é de arrepiar o cabelo. Se violar e depois assassinar a vítima é doloroso, imagine a violação da própria mãe? O que vem a ser isto, caro compatriota! Realmente há que dizer basta à violação sexual, chega!

segunda-feira, 23 janeiro 2023 09:33

Cabral ka morri?*, pergunta João Vaz de Almada

JoãoAlmada

Cabral está para a Guiné como Sandino está para a Nicarágua: ambos são hoje os maiores fantasmas nos seus países. Quando visitei a Nicarágua, essa terra “delgada como um látego”, como cantou Neruda num soberbo poema, as paredes e os muros vociferavam:

 

Sandino Vive! Quando me desloquei à Guiné, em Maio de 1999, as paredes de Bissau também gritavam: Cabral Ka Morri – Cabral não morre, em crioulo. Nas silhuetas também se descobre alguma semelhança. Sandino é baixo e o seu chapéu de abas largas é a sua imagem de marca. Cabral é de meia estatura, e na cabeça tem enterrada uma boina de lã tricotada, a sua marca de água. Ambos simbolizam a luta contra o opressor. O primeiro, contra o gigante do norte, os Estados Unidos que, na primeira metade do século XX, tratava a América Central como o seu quintal, “charruando” os governos que não lhe obedeciam cegamente. O segundo, foi o mentor, organizador e iniciador da luta contra o colonialismo português, o mais antigo em África. Ambos estão vibrantemente mortos, permanecendo vivos no coração dos seus povos. Sandino desde 1934, quando um complot entre os EUA e a Guardia Nacional, comandada por Anastácio Somoza Garcia, o atraiu para uma emboscada fatal. Cabral foi morto pelos seus correligionários, sem que até hoje se conheçam os mandantes, na capital da vizinha homónima, Conacri, no dia 20 de Janeiro de 1973, fez na passada sexta-feira, precisamente 50 anos.  

 

Amílcar é um produto do seu sonho. Nascido em Bafatá - a segunda cidade da Guiné - em 1924, é filho de pais cabo-verdianos, que a administração colonial desloca amiúde para o continente, elitizando-os à chegada ao novo território. Nas suas veias corre sangue insular. No seu coração bate uma terra continental que adopta como sua. Muito mais tarde, na sua mente, adensa-se um sonho: reunir as duas, Cabo Verde e Guiné, sob uma única bandeira. Esta é a verdadeira Pátria de Cabral!

 

Cabral tem o típico percurso do assimilado exemplar. Aos 8 anos muda-se com a família para Cabo Verde. No liceu, em São Vicente, é um aluno de quadro de honra. Integra movimentos associativos de carácter cultural ao mesmo tempo que escreve os primeiros poemas. Pelo bom desempenho académico, consegue uma bolsa de estudo e é num navio da Companhia Nacional de Navegação que desembarca na capital do império, Lisboa, no ano em que termina a II Guerra Mundial.

 

Amílcar integra-se bem no “novo mundo”. Ingressa no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, onde cursa Engenharia Florestal, e à noite dá aulas de alfabetização a operários do bairro lisboeta de Alcântara, uma zona industrial desfavorecida. Publica, na conceituada revista ‘Seara Nova’, o poema “A minha poesia sou eu”, começando a conquistar respeito e admiração dos intelectuais opositores do regime de Salazar e dos neorrealistas.

 

Em 1959, é eleito Secretário-Geral da Casa de Estudantes do Império (CEI), uma instituição que acaba por ser um tiro no pé para o regime, sendo um viveiro dos ideais nacionalistas dos futuros movimentos de libertação que então desabrochavam. Aí conhece figuras como Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, Lúcio Lara (Angola), Alda Espírito Santo (São Tomé), Marcelino dos Santos (Moçambique), Aquino de Bragança (Goa). Marcelino foi o nacionalista moçambicano que mais conviveu com o histórico líder guineense.

 

À Guiné regressa já diplomado ao serviço do Ministério do Ultramar para efectuar importantes estudos agrícolas. É nesta altura que percorre toda o território e contacta de perto com a dura realidade que as populações enfrentam. Toma consciência da necessidade de libertar o país.

 

Os acontecimentos no cais de Pidjiguiti, em Bissau, no dia 3 de Agosto de 1959, quando as forças coloniais reprimem barbaramente uma greve de estivadores deixando no chão cerca de 50 cadáveres, constitui o botão detonador para o início da Luta Armada, que irá começar em 1963, sete anos depois da fundação do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), dirigido por Amílcar.

 

Ao contrário de outros companheiros de luta como Nino Vieira ou Osvaldo Vieira, Amílcar não tem uma natureza militarista. É um intelectual, um teórico, um humanista, um ávido leitor dos grandes da Negritude: Césaire, Senghor, Fanon. Sabe que o seu trabalho é sobretudo diplomático, e aí ele é a principal rosto do anticolonialismo português. O texto “Guiné e Cabo Verde frente ao Colonialismo português”, redigido em julho de 1962, logo após a independência da Argélia, não deixa dúvidas sobre as intenções do PAIGC.

 

A partir de 1962, Cabral tem no seu vizinho Ahmed Sékou Touré, o seu maior aliado e a Guiné-Conacri está para o PAIGC como a Tanzânia está para a Frelimo: é quartel-general. É lá que a guerrilha assenta toda a sua rectaguarda, sobretudo a logística.

 

Cabral é um andarilho diplomático e as suas diversas dimensões como político, teórico, ensaísta e humanista, a partir de meados da década de 60, excedem largamente os pequenos territórios de Cabo Verde e da Guiné. Torna-se o principal rosto do luta anticolonial que entretanto evolui nos territórios da Guiné, Angola e Moçambique, e a nível do continente ombreia com nomes como Mandela, N’krumah, Lumumba, Senghor, Oruka. Intervém em grandes fóruns internacionais, dá entrevistas sobretudo na midia francesa, língua que domina na perfeição. Tem o cuidado de colocar sempre a sílaba tónica da sua luta não no povo português, mas no regime colonial fascista de Salazar. Os seus textos e discursos são editados em francês e inglês, correndo as principais capitais europeias e a Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Nova Ioque.

 

O ponto alto da diplomacia atinge-o no dia 1 de Julho de 1970, quando o papa Paulo VI, numa audiência no Vaticano, recebe Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos. É um golpe duríssimo para o poder colonial português, agora liderado por Marcelo Caetano. As relações entre os dois Estados, Vaticano e Portugal, entram numa fase de azedume que só a revolução de 25 de Abril de 1974, normalizará. Do encontro retira-se uma conclusão: o chefe da Igreja Católica no Mundo abençoa a independência das colónias portuguesas.

 

O protagonismo de Cabral acaba por traí-lo na noite do dia 20 de Janeiro de 1973. Era um sábado e o PAIGC havia tido uma reunião com uma delegação da FRELIMO, chefiada por Samora Machel. Após a encontro, Cabral foi a uma recepção na embaixada da Polónia. No regresso a casa, depois estacionar o carro, é morto a tiro por um grupo de correligionários. O dedo que prime o gatilho é do camarada de armas Inocêncio Kani. Os verdadeiros mandantes nunca serão descobertos. Aventou-se muitas hipóteses:  a ala guineense do PAIGC desconfiada das intenções dos cabo-verdianos; os serviços secretos soviéticos; a PIDE; e até Sékou Touré que começava a ter ciúmes do protagonismo de líder guineense.

 

Cabral cumpriu a sua promessa: “Jurei a mim mesmo que tenho de dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a minha capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde.”

 

A Pátria de Cabral, já libertada do jugo colonial, morreria na manhã de 14 de Novembro de 1980, quando Nino Vieira liderou um golpe de Estado – chamou-lhe “Movimento Reajustador” - que apeou Luís Cabral –  meio-irmão de Amílcar – do poder, encetando uma purga aos dirigentes cabo-verdianos do PAIGC. A separação entre irmãos estava consumada. Em Cabo Verde nascia o PAICV (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde) para dirigir a sociedade, como era comum naquele tempo aos partidos únicos.

 

Enquanto isso, a Guiné enveredou por uma vida de faroeste, sem rei nem roque, feita de golpes e contragolpes, assassinatos políticos, dominada por traficantes de droga, gente sem o mínimo de escrúpulos que põe e dispõe do país e da sua gente a seu bel-prazer, distanciando-se cada vez mais do sonho de Cabral.    

 

*Cabral não morre, em crioulo da Guiné-Bissau.

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