A presente reflexão aborda sobre a necessária reforma da estrutura da organização académica no subsistema de ensino superior em Moçambique. No seguimento das celebrações dos sessenta (60) anos do Ensino Superior em Angola e em Moçambique, decorridas em 2022, retomamos uma das propostas apresentadas pelo Professor Brazão Mazula. O académico e filósofo da educação, ex-Reitor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Brazão Mazula, participou de uma mesa-redonda que discutia os desafios do ensino superior. Mazula apresentou um diagnóstico geral e propôs uma modesta reforma organizacional da academia.
Nesse contexto, Mazula sugeriu que o departamento e o respectivo chefe, como unidade orgânica primordial na organização da actividade académica, tivessem maior autonomia, autoridade e legitimidade científica do que o director da faculdade, enquanto unidade orgânica académica político-administrativa.
A proposta de Mazula foi mais longe, ao sugerir que o mandato do chefe do departamento académico, em termos de longevidade em anos, fosse mais extensivo do que o do director de faculdade. Mazula propôs também que a nomeação do chefe de departamento académico fosse autónoma e não dependesse da nomeação do director da faculdade.
A proposta de Mazula surge como um contributo para reflectir sobre as condições de possibilidade destas universidades de pesquisa e pós-graduação face aos desafios e perigos no actual contexto.
Mazula apontou alguns pecados da academia que, em parte, são associados ao actual figurino do papel e função do director de faculdade como autoridade académica de gestão administrativa, que toma precedência e maior relevância no poder académico, administrativo e organizacional da academia do que o departamento, e o respectivo chefe, considerado como unidade primordial da actividade académica.
De acordo, mas...!
No geral, concordamos com a proposta Mazuliana e, por isso, pretendemos radicalizá-la. Radicalizar a proposta significa propôr um modelo de estrutura organizacional académica que dê precedência à dimensão académica e não à dimensão administrativa da academia – aliás, uma tendência global resultante das abordagens da Nova Gestão Pública (New Public Management).
A Nova Gestão Pública (NGP) surgiu, inicialmente, em países anglo-saxónicos, tais como Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia, a partir do início dos anos 1980; mas, depois, tornou-se num movimento global com propostas teóricas de reforma da administração pública burocrática de modo a dotá-la de modelos de gestão inspirados na administração de empresas privadas percebidas como menos burocráticas, flexíveis e cujos resultados eram orientados para as necessidades do mercado.
Em países como Moçambique, não existe evidência de que o ascendente da administração pública e burocrática resulte da NGP, mas parece ser mais uma herança da planificação centralizada do Estado e dos vícios de modelos de liderança institucional e organizacional com tendências autoritárias, onde o chefe exerce o poder burocrático de forma discricionária, arbitrária, incontestável e com poucos ou quase nenhum mecanismo efectivo de pesos e contrapesos.
O profanado Templo da Ciência
Mazula defendeu, analogicamente, que uma Universidade de Pesquisa e Pós-graduação é algo próximo ou igual a um templo da ciência. Assim, como que um templo profanado, Mazula apontou aspectos que são incompatíveis com uma Universidade de Pesquisa e Pós-graduação e cujos sinais estão manifestos na nossa academia. Esses aspectos elencados ilustravam o facto das instituições de ensino superior moçambicanas terem sido transformadas em instrumentos de exibição de uma falsa envergadura económica e superioridade intelectual, de rampas de lançamento de carreiras políticas, de casas bancárias onde se mercantiliza currículos e onde o estudante é apenas tido como um mero cliente, de centros de formação rápida e massiva sem o devido acautelamento em qualidade, e de clubes de exaltação da personalidade dos seus dirigentes máximos. Estas referências todas ilustram um Mazula indignado com a profanidade da academia moçambicana. A nossa proposta é radicalizar a proposta de Mazula.
Radicalizar a proposta de Mazula
A proposta de conceder ao chefe de departamento maior autoridade académica do que o director de faculdade nos pareceu pertinente e necessária, ainda que insuficiente como solução para parte dos problemas arrolados por Mazula que concorrem para a profanidade do templo da ciência. Os problemas arrolados, que contaminam o templo, parecem-nos transcender a vida das faculdades, em si, e abrangem comportamentos individuais de académicos e de algumas lideranças das instituições do ensino superior.
No essencial, a proposta de Mazula não é apenas a de uma reforma administrativa conferindo mais poder ao chefe de departamento e um mandato mais longo do que o do director da faculdade; é a de uma reforma da função académica do departamento e do respectivo chefe. Trata-se de uma proposta importante e de uma oportunidade para reflexão que só podia ser trazida ao público, sem receios, por um académico da estatura intelectual de Mazula.
O poder académico e administrativo
Na academia coabitam, cada vez mais em conflito, dois tipos de poder. Por um lado, o poder académico, que radica dos processos académicos de ensino, investigação e extensão, cuja autoridade resulta do reconhecimento do mérito académico e científico legitimado pelos pares. Por outro, o poder político-administrativo na academia, que radica dos processos de gestão administrativa e financeira dos diferentes níveis e unidades orgânicas das instituições de ensino superior.
Estes dois tipos de poder podem, muitas vezes, se confundir na academia. Principalmente na medida em que mais detentores do poder político-administrativo na academia vão adquirindo títulos e graus académicos. Nos países em que a capacidade e mecanismos de controlo do rigor científico e académico não é inteligível e institucionalizado, a possibilidade de distinguir académicos e administradores é ainda menor.
No caso de Moçambique, a estrutura orgânica das unidades académicas e administrativas assemelha-se àquela da administração pública, com Divisões, Secções, Departamentos e outras unidades de cariz especificamente académico, tais como Grupo de Disciplina, Grupo de Pesquisa, Faculdades, Centros de Pesquisa e Extensão, entre outras unidades. Existem também unidades de gestão, estritamente, administrativas e financeiras, como direcções que se ocupam da provisão de bens e serviços académicos, pedagógicos, administrativos e financeiros.
A unidade orgânica que mais se destaca nos processos académicos é a Faculdade. No entanto, a função do gestor da faculdade, ou mesmo do departamento, na configuração das instituições de ensino superior moçambicanas é, fundamentalmente, administrativa e financeira. Para exercer as funções de director de faculdade ou um chefe de departamento, cargos muitas vezes exercidos por académicos, não se requer conhecimento especializado. Na verdade, para se ser director, muitas vezes, basta preencher requisitos burocráticos, político-administrativos e existir uma vaga.
Nalguns casos, abre-se a excepção para os directores de Cursos, mas há muitos casos em que mesmo a este nível não é imperioso que alguém tenha alguma especialização no curso que dirige, o que constitui um verdadeiro sacrilégio académico. Ocorre, porém, que ao ascenderem aos cargos de gestão, mais político-administrativos do que académicos, indivíduos com credenciais académicas questionáveis passam a exercer o poder e autoridade administrativa sobre académicos com autoridade e legitimidade científica nacional e até internacional.
Esta situação tem sido fonte de conflitos e distorções do templo da ciência, propiciando alguns dos vícios apontados por Mazula. Entre a autoridade científico-académica e a autoridade político-administrativa leva vantagem a segunda, concorrendo assim para uma maior politização e perversão da academia. Assim, a luta política para a ascensão aos cargos de chefia e direcção dos processos administrativos e financeiros é inversamente proporcional à luta pelo reconhecimento académico-científico pelos pares nas áreas de especialização.
É um facto que existe a tendência de associar a ocupação de certos cargos político-administrativos à exigência de credenciais académicas. Por exemplo, cada vez mais se admite menos que um director de faculdade não ostente o título de doutor. O pressuposto lógico, mas não necessariamente funcional, é de que um doutorado teria maior discernimento e competência para administrar assuntos académicos.
À medida que as unidades orgânicas estão cada vez mais dotadas de indivíduos com doutoramento, e estando os incentivos administrativo-financeiros indexados aos cargos de chefia e direcção, e não às funções académicas, a luta por cargos na académia tornou-se tão, senão mais, politizada do que a luta por cargos políticos noutros sectores da função pública ou nos partidos políticos.
A luta política por cargos político-administrativos na academia passa também pelo controle dos recursos financeiros e adopta, cada vez mais, métodos escrupulosos. Nessa luta, vale tudo para eliminar inimigos, reais ou imaginários, incluindo o uso da autoridade administrativa para perseguir ou obstruir a progressão na carreira, retirar projectos de investigação com financiamento e até mesmo o ataque pessoal e à dignidade, inclusive com recurso ao assassinato público de carácter. Este fenómeno do assassinato público do carácter tornou-se facilitado na era da Internet e das redes sociais, mas também na de uma pseudo-imprensa que sobrevivem do suborno e de sensacionalismo baseado em escândalos fabricados. Este fenómeno, que um de nós designa, nos seus estudos, de economia moral do caractercídio – ou linchamento de carácter – ocorre num país onde a ética e deontologia profissional de alguma imprensa ainda é bastante negligenciada e a difamação impune.
A estética dos conflitos académicos pelo controle dos recursos de poder académico e político-administrativo, particularmente na era das redes sociais e da mídia sensacionalista, atingiu níveis de uma vulgaridade indescritível. O poder político-administrativo na academia moçambicana, do topo à base, funciona de forma bastante discricionária e até mesmo arbitrária. Os chefes, a todos níveis, até mesmo os chefes de departamento, operam numa estrutura burocrática e autocrática que os torna extremamente poderosos a ponto de nem mesmo os órgãos colegiais, altamente manipuláveis e corruptíveis, terem capacidade de contrabalançar esse excessivo poder.
O figurino emprestado da função pública do cargo de confiança, quando introduzido na academia, cria uma cultura perversa de seguidismo, culto de personalidade, compra e venda de lealdade e favores. No geral, a importação do modelo de cargos de chefia e direcção por confiança da função pública para a academia, mas em particular ao nível do director de faculdade, elimina a noção de académicos como pares (iguais) e introduz uma hierarquia administrativa que permite a alguns chefes usar o seu poder discricionário de nomeação dos colegas ‘pares’ para cargos de confiança como moeda de troca, abusar do poder, perseguir colegas e até mesmo exigir favores sexuais às mulheres – nomeando-as para cargos de confiança em nome de suposta igualdade de género.
A questão do género, legítima que seja, também é um campo bastante susceptível à manipulação e usada como arma de arremesso para eliminar opositores com base em falsas denúncias. Numa sociedade onde a lógica do raciocínio assemelha-se a ‘acusação de feitiçaria’, como diria um renomado sociólogo, do tipo não há fumo sem fogo, basta acusar. Assim, se perpetua uma perversa economia moral do género, que alimenta denunciantes, fabrica vítimas e, com efeito, negligencia a verdade.
Para garantir a sua segurança nos cargos, os chefes, principalmente os directores de faculdades, podem cooptar e aliciar jovens, estudantes e docentes no início da carreira académica, sedentos de confirmação como quadros efectivos ou em busca de promoção na carreira, e os colocam como chefes de departamentos ou nos órgãos colegiais onde servem de marionetas do chefe para legitimar processos que não passariam, muitas vezes, ao escrutínio crítico de académicos mais seniores.
Assim, os órgãos colegiais não passam de mais uma fachada democrática na academia, no lugar de serem espaços de análise crítica dos processos de gestão académica. Diante dos problemas estruturais da academia moçambicana aqui descritos, parcialmente, conferir maior autonomia e poder ao chefe de departamento, como propõe Mazula, ou estender o mandato para além daquele do director da faculdade, pode ser parte da solução, mas não é o remédio santo para voltar a sacralizar o templo da ciência. Para ser efectiva, a proposta Mazuliana de reforma académica teria que ousar ir mais longe e ser mais radical.
(continua)
[1] Sociólogo, especialista em Estudos do Ensino Superior
[2] Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo
Chegou à cidade de Inhambane em 1982 com todas as escarpas de um massena que se preza, não tinha medo de nada, nem do desconhecido. Nessa altura a juventude daqui era pura, o que eles queriam era viver livres como o vento que não contorna os obstáculos. Otto também, jovem como os outros, queria viver, não como o vento, mas como um baluarte contra aqueles que porventura o quisessem derrubar, o massena é assim, não demora libertar todas as armas do porco espinho que lhe vai dentro.
Chegou sem nada nas mãos, para além da sacola que cabia debaixo do braço, e em pouco tempo passou a ser conhecido em toda a urbe pelo seu caracter obstinado, em particular na família do desporto onde se fazia valer de forma singular, ele é professor de educação física – agora aposentado -, um dos primeiros formados no tempo de Samora Machel e espalhados pelo país inteiro. Ao otto calhou Inhambane, de onde nunca mais saíu, até hoje, que já ninguém se lembra das suas origens e ele também não fala disso. Para quê?
Nos campos de futebol de salão - em noites memoráveis no recinto do Desportivo ou do Ferroviário de Inhambane - Otto Glória era uma das estrelas mais reverberantes no seio de uma constelação jamais vista por estas terras. Era uma muralha em si mesmo, intransponível para os avançados mais afoitos cujos nomes não vou citar, por fazerem parte de uma lista engrandecida pelo próprio brilho desses jogadores e eu tenho medo de me esquecer, se calhar, dos que nunca devem ser esquecidos.
Otto já era lenha regada de gasolina cá fora – à mínima faúlha ele vai arder – e no campo essa lenha era ainda mais seca, ainda mais pronta a pegar fogo e queimar tudo. Mas esse era ele, uma pessoa desconfiada, atenta aos detalhes daqueles que lhe abordam, examinando-os com os olhos da cabeça aos pés e se você o chateasse ele dizia: eu sou beirense! Mas tudo isso nunca passou das palavras, Otto Glória passou a ser amado pouco a pouco, embora não sendo ele pessoa de muitos amigos.
Digamos que estamos perante um personagem com características próprias. Um ser coerente, no sentido de que a personalidade trazida da juventude ainda é a mesma, não fosse ele do bairro Munhava, e como todos sabemos o beirense “não tem recua”, Otto também “não tem recua”. E quando o vemos caminhar pelas ruas e pelos becos da cidade, no seu estilo inconfundível, costas meio curvadas, andar atento e desconfiado, o reconhecemos imediatamente mesmo em noites sem luar. E vamos dizer assim: aí vai o Otto!
A voz roufenha de Otto Glória é um detalhe muito importante do ser deste homem. Quando fala – segundo Jacob de Melo, também professor de educação física, já falecido – dá a impressão de que alguém lhe está apertando o pescoço. Mas essas são as brincadeiras da juventude que prevalecem na memória. Para sempre. A amizade também vai manter-se cada vez mais forte em cada passo da vida.
E viva o Otto Glória!
14 de Fevereiro. Dia de São Valentim. Ainda cedo, o dia iniciava igual aos outros. À saída, uma excepcção: “Reforce o perfume”. Cumpri à risca. Não era para menos. O calor que se faz sentir, combinado com a crise (do excesso) de água, justificava a advertência.
Embora soubesse a razão implícita no conselho, o risco de perder ou atrasar a agenda árdua do dia levou-me ao silêncio. De toda maneira, a data e os seus propósitos justificavam que se saísse um pouco mais perfumado.
Marcado o ponto em algumas obrigações matinais, chego a Baixa da cidade. Uma extensa onda vermelha - passe a publicidade partidária - cobria toda a Baixa, lembrando os momentos em que ela fica coberta de uma outra onda, a da água da chuva que, amiúde, por estes dias, tem caído aos cântaros na cidade e província de Maputo.
Por instantes interroguei-me sobre a proveniência de tantas flores se as áreas de cultivo estavam inundadas. Decerto, um cenário que levaria o meu saudoso “amigo” Gaby a reescrever “ O amor em tempos de cólera” para “O amor em tempos de inundações”.
Na Terminal do Chapa, um outro amigo, que a propósito do frenesim das rosas vermelhas na Baixa da cidade e o da água cinzenta das inundações em Boane, segredou-me de que a figura do resgate era o denominador comum das operações em curso, mormente o de populações sitiadas na Bacia do Ùmbeluzi e o de amores sitiados na Baía de Maputo.
Uma vez no destino, e porque ainda restava-me algum tempo para o compromisso, optei por entrar no mercado local. Fui apreciando o que este oferecia, até que uma doce e valentina voz sussurra: “ Estou aqui, amor!”
Era a voz de uma vendedeira de frutas e hortícolas, que diante da concorrência de seus pares, ajustara, valentinamente, o tradicional “Patrão, aqui!” para o inovador e sensual “Estou aqui, amor!”. Não tive outro jeito: comprei tudo e deixei com ela a rosa que levava para o resgate do dia.
Enganem-se aqueles que pensaram que esta é uma crítica a quem está a gerir o processo de apoio às vítimas das cheias nos últimos dias. Não, esta não é uma crítica, é sim uma reflexão sobre a forma como as nossas instituições públicas lidam com situações adversas. Está de parabéns o INGD pela rápida resposta e assistência às populações carenciadas, mesmo com insuficiência de meios e de fundos. Estão de parabéns as centenas de indivíduos que, de forma anónima, despretensiosa e altruísta dão tudo de si para apoiar os seus compatriotas. Mas não deixo de pensar que falhamos. Sim, falhamos mais vez. Falhamos quando, de forma recorrente, não conseguimos minimizar o impacto destes eventos sobre as nossas populações.
Falhamos quando do ponto de vista de comunicação quase ou nada foi feito, para alertar as populações sobre a severidade das chuvas que se abalaram sobre nós. Falhamos quando, de forma preventiva, poderíamos ter reduzido o número de pessoas afectadas por estas chuvas. Alguns podem dizer e perguntar? Era possível parar a chuva, a água ou que os rios transbordassem. Não, claramente que não, mas claramente era possível reduzir o impacto estes eventos sobre as populações.
No caso particular do INGD, a sua visão determina ou orienta a actuação dos seus colaboradores, para a “A institucionalização e consolidação, a todos os níveis, de uma postura preventiva e proactiva de gestão do risco de desastres, perante um cenário irreversível de mudanças climáticas”. Esta visão do INGD coloca na génese da sua actuação a necessidade de uma resposta proactiva aos vários eventos que ocorrem ou possam ocorrer. No meu entender, proactividade significa agir por antecipação. Portanto, significa que, porque já tínhamos conhecimento antecipado da possibilidade de ocorrência destes eventos, havia necessidade de desenvolver um trabalho aturado de sensibilização, envolvendo vários meios de comunicação, para convencer as populações a retirarem-se das zonas de risco, minimizando assim o impacto e a severidade dos fenómenos.
Ao postular uma visão orientada para uma postura preventiva e proactiva de gestão do risco de desastres, alicerçado nos princípios definidos pelo Marco de Acção de SENDAI, que coloca o foco da acção dos países na redução do risco de desastres e não apenas a resposta aos fenómenos, podemos considerar a comunicação como uma ferramenta estratégica para o alcance dos objectivos definidos pelo Marco, na medida em que ela antecede a ocorrência de um desastre, uma vez que permite o repasse de informações com foco na minimização dos riscos.
Nesta perspectiva, a comunicação torna-se crucial para reduzir a vulnerabilidade e motivar as pessoas a actuar na redução dos riscos de desastres, enquanto desempenha um papel fundamental no processo de formação de uma cultura de redução de desastres, através de um conjunto de actividades que podem ser realizadas no período pré-desastre, com impacto directo nos resultados a alcançar. A minha análise não é sobre a actuação específica do INGD do ponto de vista de comunicação, mas é de forma geral sobre o posicionamento das instituições públicas moçambicanas, do ponto de vista de comunicação. Não podemos continuar a ter Gabinetes de Comunicação, que tem como finalidade primária produzir camisetes, bonés, capulanas para datas festivas, produzir e distribuir comunicados de imprensa para órgãos de comunicação. Grande parte das crises reputacionais pelas quais passam as nossas instituições nos últimos anos são derivadas de um problema de comunicação ou da gestão da comunicação. Basta lembrar o recente caso do porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, que é o reflexo daquilo que não se pode fazer do ponto de vista de relacionamento com os meios de comunicação, acredito que muitos colegas meus irão usar ou já usam aquela situação como um estudo de caso, nas suas formações ou aulas sobre os “dos e dont’s” na relação com os meios de comunicação social.
Reconhecemos o excelente progresso que o Governo tem demonstrado, na forma como interage com os seus stackholders, mas também é preciso ser-se honesto e assumir que há áreas específicas com oportunidades significativas para avanço, onde o Governo pode melhorar as suas capacidades de comunicação. Precisamos pensar e refundar a actuação dos nossos Gabinetes de Comunicação ou o papel e o lugar da comunicação nas instituições públicas. É preciso que as instituições públicas e não só olhem para comunicação como uma ferramenta estratégica, como um elemento importante para o alcance dos seus objectivos estratégicos.
Num contexto em que as organizações têm de lidar com os avanços tecnológicos, multiplicidade de actores (públicos), com necessidades e condições sócio-psicológicas diferenciadas, que demandam por maior informação, transparência, as organizações, através dos seus gabinetes ou departamentos de comunicação, devem revolucionar a forma como lidam com seus processos de comunicação, porque um dos atributos fundamentais de instituições de sucesso reside na sua capacidade de comunicar de forma eficaz e da ligação que estabelecem com as suas partes interessadas, tanto internas como no exterior. Mais uma vez, não se trata de uma crítica leviana, mas sim uma pequena reflexão que tem como propósito fundamental contribuir para a comunicação e os profissionais de comunicação tenham a devida valorização ao nível das organizações e desta forma contribuam para o fortalecimento das nossas instituições.
1 Especialista e Consultor de Comunicação
“Passados trinta e nove anos, desde que a Depressão Tropical Domoina se abateu sobre a região Sul de Moçambique, com destaque a Província de Maputo, depois que as famílias se reergueram, comprando e criando novo gado, quer Bovino, Suíno, Caprino e Aves, hoje, a água volta a levar essa produção. As lições da passagem de Domoina não serviram para absolutamente nada! As Populações transferidas da zona de Mazambanine para se criar a Aldeia de Campoane sabem da lição, mas, hoje, teremos outras populações por reassentar, constituídas por aqueles que reocuparam as terras antes ocupadas por aqueles que estão em Campoane, com o olhar impávido e sereno de quem de direito e esse de direito não é o Município porque a Aldeia 25 de Setembro foi criada antes do Município”
AB
A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique, para a região Sul de Moçambique, está a materializar-se em forma, em alguns casos, de “dilúvio”, lembrando os acontecimentos do remoto ano em que a região de Maputo Província foi atingida pela Depressão Tropical Domoina que aconteceu no mês de Janeiro de 1984. Passam exactamente 39 (trinta e nove anos), com a diferença do mês em que o fenómeno se deu.
Lembro-me como se fosse hoje, na altura trabalhava no Umbeluzi, Mazambanine, como Técnico e tinha sob minha responsabilidade a produção agrícola (Hortícolas) e Criação de Porcos e Patos que, com a depressão, a água tudo levou. Nunca mais voltamos aos níveis de produção de então, em relação à criação de Suínos e Patos. Pura e simplesmente a empresa desistiu, não recomeçou com o negócio, que não era negócio na altura, mas servia para abastecer o Centro Social.
Este episódio lembra-me também que foi no ano de 1983 que conheci o Dr. Hélder Muteia, na altura Director da Pateira, ali onde hoje cresce um condomínio imponente. Aquele espaço, para quem não sabe, foi o centro de produção de patos. A Pateira tinha uma máquina de chocar ovos a que muitos produtores recorriam para a sua produção de aves. Creio que Hélder Muteia deixou de ser Director e a Pateira esfumou-se, não tenho certeza. Tenho certeza que naquele lugar não se produz mais patos e tenho a certeza que jamais se produzirá patos por conta do Condomínio que ali nasceu.
Triste é saber que, desde Janeiro de 1984, altura em que se deu a Depressão Tropical Domoina, que assolou o Sul de Moçambique, com realce nos Distritos de Matutuine, Boane, Moamba e Magude nada se fez para alterar ou prevenir os próximos eventos, para além da recepção, claro, dos donativos resultantes de apoio dos parceiros de Moçambique. Digo isto com tristeza, por exemplo, a ponte de Mazambanine, de que se fala quase sempre nos princípios de ano como intransitável, poderia ter beneficiado de elevação, não é uma ponte cumprida, localiza-se numa zona vital para a Cidade de Maputo e Matola, que é o Centro de Tratamento de Água, para além de empreendimentos agrícolas e pecuárias na zona.
Estou em crer que a situação piorou, ali no Bloco 2, onde se produzia Citrinos e tinha o Centro de empacotamento de Citrinos para a exportação. Virou uma garagem de viaturas e os campos de Citrinos “retalhados” a pedaços que não sei quem tira maior benefício daquilo. Para piorar, ergue-se por ali residências e/ou outros empreendimentos de cimento que hoje devem estar submersos na água, tal como se deu há 39 anos. Infelizmente, sempre que passo por ali olho com tristeza, como uma zona eminentemente agrícola pode ser transformada em tudo menos em lugar de produção agrária!
Devido às condições meteorológicas, não sei ainda como estará a zona de Umbeluzi. Ali, antes da entrada da vedação dos pequenos Libombos, uma zona igualmente agrícola por excelência, lembro-me que nos tempos áureos de produção de Citrinos, aquele bloco era reservado à produção de hortícolas pela mesma Empresa de Citrinos de Maputo. Hoje, há ali algumas residências que, na minha opinião, constituem um autêntico atentado às zonas de produção alimentar para alimentar as cidades de Maputo e Matola e isto mostra uma coisa muito simples, que nunca tivemos um plano claro e objectivo de zonear as áreas de produção, de habitação, para indústria, Pecuária e outros serviços, qualquer espaço serve para qualquer coisa.
Devo recordar também que, por causa da Depressão Tropical Domoina, nasceu a aldeia de Campoane, com os préstimos da Helvetas, na altura, o Director era o meu amigo Dinis que liderou o projecto da mesma Organização para o empoderamento das famílias através da criação de patos e de burros, os burros mais para a zona de Matutuine e Namaacha, na altura, o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades sob direcção de Mahanjane identificaram, com outras estruturas claro, aquele espaço e não propriamente a zona do Belo Horizonte e havia razões fortes para isso.
Uma das razões é que a zona denominada hoje de Belo-Horizonte comporta áreas de passagem natural de água. Para o conhecimento de muitos, Belo-Horizonte não era o lado esquerdo para quem vai de Boane a Maputo, na verdade esse lado não oferece um Belo-Horizonte, o Belo-Horizonte é o lado direito na mesma direcção e era simbolizado pelo então Restaurante Belo-Horizonte. A área de delimitação da Aldeia de Campoane situa-se ali onde à esquerda na mesma direcção está implantada a Barraca Relva, do lado de Campoane e porque, exactamente por ali, entrando um pouco para o interior do Bairro, havia uma passagem de água natural que o projecto tratou de deixar e não parcelar.
Hoje, esse espaço encontra-se habitado e as consequências não se fizeram esperar. Para quem vai a Campoane e entra daquela Rua, o lado direito, depois de uns 150 metros, há o referido curso de água. Daquele lado, quando se está na zona da Igreja Universal, olhando para a frente, as pessoas que vivem por ali, por estas alturas, carecem de ajuda porque as suas residências estão inundadas das chuvas e da corrente de água que teima em por ali passar, são coisas que as autoridades competentes deixam acontecerem e nestas alturas não sabe o que fazer com os habitantes desses lugares, o que se seguirá depois desta calamidade? É a pergunta que não se quer calar e a resposta, eventualmente conhecida, nada!
Numa altura em que as referências da cidade de Inhambane se vão esbatendo na morte, o que resta é encontrar um lugar onde se possa exaltar essas memórias, e um desses sítios é Ngwatitunu, ou “A sombra da vergonha”. Aqui reúnem-se diariamente, regra geral, homens cultos com muita informação deste tempo e do tempo de outrora, informação essa que é partilhada e impulsionada pelo copo que se bebe para aclarar as ideias.
Ngwatitunu vem de Ngwati, nome que se dá ao tamarindo, árvore gigantesca que se ergue no bairro Liberdade “3”, mais concrectamente na zona da “Estação”, agora tornada – a dita árvore - esplanada sem que ninguém saiba a idade desta enorme planta resistente a todos os abalos, mas o mais importante é que este ngwati transformou-se numa espécie de santuário, onde muitos gostam de estar, não apenas para beber um copo, mas para beber um copo e conversar sobre vários temas interessantes, defendidos sob vários ângulos, dependendo do orador de circunstância.
Em Ngwatitunu há clientes “residentes”, do tipo “donos do lugar” e quando eles não estão, sente-se um vazio, mais pelo seu porte cultural ou teimosia, do que pela capacidade financeira. Aliás, a maioria dos melhores conversadores dali, aqueles que dominam a plateia, não respira saúde pecuniária. Têm algum dinheiro que dá para beber algumas, o resto é “papo” que não acaba, levando-nos a recordar grandes figuras que deixaram “baba” no desporto e na música e na sociedade no geral. Até na política.
Ngwatitunu é também um desaguadouro de frustrações, de jovens e adultos e idosos que já chegaram a conclusão de que lá mais para frente não há muita coisa que se espere. Então para se materem-se vivos enquanto o último comboio não chega, vão rebuscando histórias que são contadas com muito entusiasmo, impulsionados pela euforia do copo que não pára de descer goela abaixo, pelas gargantas que não se fartam, mesmo sabendo-se que amanhã o fígado pode não aguentar mais.
Seja como for, Ngwatitunu tem o condão de ser um espaço aglutinador, é aí onde reside o valor social de todo o fervor. Todos se conhecem, por isso se toleram uns aos outros quando as falhas acontecem. Todos sabem das capacidade de encaixe de cada um . Mas há ainda aqueles que vão a Mgwatitunu apenas para delirar com as conversas que ouvem, sem que entretanto participem nelas, ou por incapacidade, ou por caracter e esses também fazem parte do mosaico.
Dá prazer passar por Ngwatitunu, onde você será acolhido como se fosse da família. E se fizer isso num dia de alta voltagem, pode ser que lhe fique a vontade de voltar de novo à “A sombra da vergonha”.