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Actualizado de Segunda a Sexta

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Carta de Opinião

terça-feira, 07 março 2023 08:13

Ilações de alagamentos e salvamentos

NandoMeneteNovo

Num convívio em que participava, o anfitrião se orgulhava de ter aprendido a nadar na piscina de uma das escolas primárias denominadas por “Unidades”, nos arredores da capital do país, ora com as piscinas soterradas.  

 

Fora o orgulho de saber nadar, o anfitrião ainda falou da grandeza do projecto - uma herança colonial – sobretudo da ligação escola-desporto-comunidade no desenvolvimento do aluno. No final deixou claro de que ele não era um saudosista do colonialismo, mas que quanto ao projecto das “Unidades” ele tirava o chapéu.

 

Entre os convivas um tratou de lembrar ao anfitrião de que a ideia por base das piscinas das “Unidades” fora resultado das ilações das cheias de 1966. Explicou que o objectivo era o de evitar ou o de minimizar mortes nas inundações seguintes quer por haver pessoas que já soubessem nadar, quer na ajuda destes aos que não soubessem.

 

Esta conversava desenrolara a propósito das recentes inundações em Boane. Falo do processo de busca e salvamentos, particularmente da participação, nas missões de salvamento, de actuais e ex-nadadores provenientes de clubes e outras agremiações sociais da capital. Quiçá no seio destes existam os que aprenderam a nadar nas “Unidades”.

 

Trago a terreiro a conversa por conta de uma preocupação que ficara no ar durante a conversa: na estratégia do Governo para o enfrentamento das calamidades naturais, sobretudo de inundações, não se vislumbra a aposta na construção de piscinas em escolas que se encontram em áreas com potencial de alagamento.

 

No mesmo diapasão uma outra aposta seria a construção resiliente de pavilhões desportivos, salões para convívio, entre outros, em recintos escolares dessas áreas, que em momentos de inundações seriam as infraestruturas a serem usadas como pontos seguros de encontro para evacuação e/ou centros de acomodação.

 

Oxalá, para terminar, de que desta vez seja diferente. Tão diferente que a criança recém-nascida em Boane, que fora salva por uma equipa de resgate onde pontificavam nadadores, possa um dia contar com orgulho que aprendera a nadar e desenvolvera outras capacidades graças ao “Projecto Freddy” (nome do ciclone que fustiga a nossa costa).

terça-feira, 07 março 2023 08:11

José Faduco: a homenagem jamais reclamada

AlexandreChauqueNova

Notabilizou-se em Inhambane como árbitro  quando o futebol aqui era de outra jaez. Não se tornava necessário mobilizar as pessoas a abarrotarem os campos, a própria qualidade dos jogadores encarregava-se disso. Mas também Faduco entra em cena numa época em que alinhavam os últimos atletas de um turbilhão de ouro onde pontificavam verdadeiros elegidos, e que podem não ter seguido outros ventos se calhar por capricho do destino. São vários nomes que, mesmo jogando sem grandes pretensões, destilavam todo o talento que merecia maior valorização e reconhecimento.

 

José Faduco é um património cujo nome urge preservar, não se pode negar isso, por tudo o que ele fez enfrentando torcedores descontrolados e jogadores que podiam insurgir-se contra o árbitro com ameaças de violência. Durante a sua carreira foi obrigado várias vezes a sair do campo sob escolta policial para se evitar o pior. Noutras vezes teve que se valer da sua capacidade atlética para fugir. Sozinho, e depois acolhido e protegido em casas vizinhas  como foi aquando de um jogo realizado na Maxixe entre o Nova Aliança e a Associação Desportiva de Pemba, na década de 80.

 

Hoje o homem já não pode dar o seu contributo por limite de idade, todavia nunca abandonou completamente o futebol, sendo agora membro do Conselho Nacional do Desporto em reconhecimento do trabalho desenvolvido ao longo de anos. Faduco é uma pessoa aberta, predisposta a conversar sobre as várias nuances desportivas e apesar de estar na idade de ouro dos idosos, ainda procura ambientes para uma cavaqueira, trazendo memórias construídas nos campos e fora deles.

 

Em tempos perguntavamos-lhe se não se sentia triste por até aqui não ter sido homenageado pelo percurso que fez, Faduco disse que não, não se sente triste. “A minha alegria é encontrar na rua gente que me reconhece e me saúda como alguém que verteu um pouco do seu sangue nos campos de futebol para que houvesse euforia e entusiamo nas pessoas. Há outros ainda que, vendo-me na varanda da minha casa, páram e cumprimentam-me de forma particular.  Essa é a maior homenagem que posso receber”.

 

O ex-árbitro diz ainda que há colegas seus que foram muito melhores que ele e que nunca foram homeganeados. “Porquê que eu devo reclamar?” O que reconforta José Faduco é olhar para trás e sentir que fez alguma coisa pelo futebol, embora hoje olhe com tristeza para aquilo que está a acontecer. “O nosso futebol baixou muito de qualidade, não sei o quê que está a acontecer. Acho que não há motivação”.

 

Na verdade há pouca gente que tem ido aos campos. Aliás, desde que o “Dineu” rebentou com o muro do Clube Ferroviário de Inhambane, todo aquele monumento histórico tornou-se um mamarracho. No campo de Muelé não acontecem muitas coisas com nível e isso entristece profundamente José Faduco, que olha com frustração para este declínio.

 

quinta-feira, 02 março 2023 07:32

Em prelo o “Direito à Clandestinidade”?

NandoMeneteNovo

Existem personalidades, dentro e fora do país, que se orgulham de terem recorrido, e com sucesso, a uma espécie de “Direito à Clandestinidade” – actuar (politicamente) fora da legalidade vigente – quando o espaço democrático fora limitado ou fechado.

 

Por conta da proposta da lei das “Organizações Sem Fins Lucrativos”, vulgo Organizações da Sociedade Civil, cujo conteúdo, segundo a crítica, estrangula o espaço de intervenção da Sociedade Civil, tenho pensando em personalidades nacionais ex-clandestinos, hoje parte da elite que governa ou que ainda dita as ordens neste país.

 

Não me encaixa que esta elite queira legalmente fechar o espaço democrático, sabendo, a prior, de que tal fomentaria a clandestinidade, um recurso de alguma eficácia pelo mundo fora.

 

Por outro lado, creio que a aprovação desta proposta não significa o óbito automático da sociedade civil. Esta, em meados da década passada, quando do aperto oficioso do espaço democrático, provou que não vacila e que encontra alternativas.

 

Nesse período tenso, e a título de exemplo, a participação em certas reuniões carecia de uma senha (código). Procedimento que em contexto similar de limitação democrática fora usado, na então Lourenço Marques, hoje Maputo, nas vésperas, e determinante, para a independência.

 

Especulo – para demover os que defendem esta proposta – de que os que inventaram a democracia nos moldes ocidentais que a conhecemos, seguramente que o fizeram, entre outros, para eliminar o recurso à clandestinidade para efeitos políticos e cívicos. Aliás, é mais fácil controlar o adversário em terreno aberto do que em fechado.

 

Por estas parcas razões tenho dúvidas de que a iniciativa primária desta proposta tenha sido da elite de que falei. Esta não me parece tão distraída a esse ponto. Porém, o que me parece, e típico dela, são apenas três simples palavrinhas: ela não lê!

 

De toda a maneira, fica a questão: a ser aprovada a actual proposta de lei das “Organizações Sem Fins Lucrativos”, nos moldes em que se apresenta e/ou na forma criticamente interpretada pela sociedade civil, não será um caminho para o “Direito à Clandestinidade”?

 

PS: Provavelmente esteja a pensar que mesmo em espaço democrático aberto haja quem, politicamente, recorra à clandestinidade para lograr os seus intentos. Não é desta que se aborda, pois esta é do fórum da má-fé ou simplesmente: batota!

quarta-feira, 01 março 2023 07:16

O canhu interrompido!

MoisesMabundaNova3333

Estávamos em fim de uma manhã em pleno Janeiro, onze e tal. Sol e calor eram intensos. Era dia 20!... Em casa do amigo Nhambire, algures na Matola Rio, para saborearmos um canhu. Era o primeiro do ano a ser tomado em grupo. A malta toda convidada, quase todos eles amigos, já estava ali, no primeiro copo… os mais gulosos já no segundo! A tecnologia… ultimamente, sempre a tecnologia, lembra que estou a perder um evento. Tinha-o posto na agenda, mas, ávido da bebida sagrada na zona sul do país, dele me esquecera. Abro o link, acedo ao canal e dou de caras com o evento: Simpósio Armando Emílio Guebuza, 80 anos!

 

Uma obra de arte, parecia uma sala de grande exposição. Excelente cenário, sala maravilhosamente bem concebida e decorada, wall banner artisticamente maravilha, um regalo à vista; o alinhamento do programa, anunciado pelo nosso confrade Chavana, magistral e oradores de primeira água. Continuei fisicamente no canhu, mas… concentradamente no peqenino ecrã do celular a acompanhar o simpósio. Na prática, abandonei a sessão do canhu do Nhambire! Era impossível ficar indiferente! Como o mundo mudou! Antigamente, só a presença física é que valia e, para tal, era preciso andar bem atrás dos convites… vimos de longe!

 

O evento levou toda a tarde, painel atrás de painel, orador/a atrás de orador/a. Houve de tudo: desde grandes interpretações artísticas como a de Xico Antônio, a excelentes comunicações e ou apresentações de acadêmicos de topo. Lá se ouviu de tudo: desde abordagens mais ou menos equilibradas a adorações, adulações, sacralizações ou endeusamentos. Houve quem chamou de simpósio de guebuzistas para adulação a Armando Guebuza, uma verdadeira procissão de endeusamento ao antigo chefe de estado! Opiniões e opiniões!

 

Um dos momentos mais altos, senão o mais alto, foi a intervenção algo enigmática do próprio homenageado. Naquela sua contundência verbal peculiar, não se fez de rogado nem piedoso: “...se o colonialismo português não conseguiu calar-nos, vencer as nossas convicções, não são os nossos camaradas que vão conseguir fazer…” - disparou um… B21!, para os estudiosos decifrarem. Eixxxi!... - como diria alguém indignado.

 

Podemos comparar o colonialismo aos camaradas do partido? Talvez. O ex-presidente terá muito provavelmente elementos suficientes para uma inusitada comparação. Não será algo exagerada? Talvez, mas, uma vez mais, o ex-chefe de estado terá as suas razões!

 

Agora, olhando para o conteúdo da proposição, será que é possível calar alguém? Será possível arrancar de alguém as suas convicções íntimas? Em devido tempo, Ernest Hemingway já contribuiu para uma possível resposta a esta pergunta: “Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado”! - disse o grande escritor americano. Acredito profundamente que, de facto, um homem com convicções pode ser destruído, sim, mas nunca vencido.

 

Mas, mais ainda: será que é possível calar a um antigo chefe de estado? É possível calar alguém com milhões e milhões de seguidores, alguns dos quais vimo-los no simpósio despindo-se até de suas personalidades e academicidades e endeusa-lo freneticamente? Não acredito. Não creio que seja possível calar a um homem modelo para meio mundo. Não creio que seja possível calar um homem de convicções muito fortes quanto Armando Guebuza, que, como disse, nem o colonialismo o conseguiu, menos os seus camaradas (incluindo Samora Machel) ao longo destes anos todos de militância.

 

Outrossim, também acredito que nenhum dos seus camaradas tenha a mais pequena intenção de calar Guebuza, ou arrancar-lhe as convicções. Pode haver divergências de todo o tamanho, mas… calar-lhe! I don’t think so! Visão míope?... talvez!

 

Compreendo e muito bem que o antigo chefe de estado, humano afinal de contas, peregrino, com sentimentos e emoções, esteja profundamente abalado com muitos desenvolvimentos de vária índole ocorridos após a sua saída do poder. Quem não estaria? Alguns de nós muito provavelmente colapsariam. Mas ele (e a família) aguentaram e continuam aguentando. São fortes, como bem o disse. Por isso, compreende-se perfeitamente o desabafo, não tanto mais do que isso... Não acredito que, com a idade que tem, ainda queira continuar a falar alto, ou muito alto.

 

Já falou alto bastante. Mais ou menos 80 anos, dado que começou muito cedo a… falar! Merece descanso. Mas merece também não ser calado!

 

segunda-feira, 27 fevereiro 2023 08:16

Magafusso: “Três dedos três cores”

AlexandreChauqueNova

Em Maio do ano passado, o artista plástico Magafusso saíu da Maxixe com os seus quadros no regaço e foi expô-los na Fundação Fernando Leite Couto, em Maputo, um espaço que ele considera uma montra importante e impresicindível no mundo cultural em que vivemos. E o título da mostra é esse mesmo: “Três dedos três cores”.

 

Pode ser  a súmula da própria vida, e a vida são as cores que Magafusso explora nos seus quadros para reivindicar, com olhar profundo, a liberdade, ou para nos dar a luz e o amor. De graça. Ele tem a consciência da responsabilidade que lhe cabe como artista, ou seja, sabe que é um candelabro indispensável. Uma bóia luminosa que nos vai sinalizar a direcção certa a tomar no  imenso mar existencial. Que nos acolhe a todos.

 

O título desta exposição tem uma ligação inabalável entre esses três elementos: os dedos da mão que segura o pincel, a mente e a pintura. Então, ao longo das obras ora patentes e agora recolhidas para a sua galeria na Maxixe, e outras tantas vendidas no local e a posterior, podemos perscrutar um sentimento radical de Magafusso perante a arte. Teremos, em algum ponto do andamento da exibição, não propriamente um grito, mas um rito, porque quem apela a permanente vigilância sobre a identidade africana, cumpre um rito.

 

São (eram) 22 obras que nos levarão, num determinado compasso, ao limbondo, dança dos macondes, que usam, mais do que a boca, o corpo para falar. Magafusso inclina-se aqui, neste quadro particular onde a dança parece ser a síntese da humanidade, perante o movimento mágico do esqueleto revestido de carne, lembrando-nos que toda a beleza passa pelo corpo, que não tem limites. De forma que o artista estampa isso como quem diz: depois de todas as batalhas e de todas as guerras e de todas as fomes e de todas as mortes, é preciso dançar.

 

“Três dedos três cores” não é um porto de partida, muito menos de chegada. Até porque a jangada de Magafusso não tem âncora. Desde que apresentou a sua primeira exposição individual (Silingo) em 1989 na cidade de Inhambane, nunca mais dormiu. Está sempre acordado, ou melhor, é constantemente acordado pelas obras que falam alto sobretudo nas noites, quando ele está deitado na cama dormindo em sono profundo.

 

Esta é a nova página do artista nascido na Maxixe, sem saber que já no ventre da sua mãe tinha sido escolhido para reverberar como ponto de orientação. É por isso que tem essa capacidade de descortinar o oculto, e remover os escolhos do caminho por via do pincel. E, na verdade, sentimos nesta mostra a grande vénia que Magafusso tem pelo belo. Por isso, com a leveza dos dedos, todo este manancial artístico é tratado com delicadeza.

 

O resto fica por conta de quem vai contemplar o estendal de várias arestas (agora na galeria do artista, na Maxixe), que incluem a fome, a guerra, o arrebatamento das mulheres fazendo tranças livremente, a caça furtiva destruitiva da fauna, a música e, se calhar, teremos a dança no cume de tudo. Mas como onde há luz há amor, o amor vai prevalecer acima de todos os quadros. Porque as guerras – segundo o próprio Magafusso - são sinónimo de que a cegueira habita as nossas mentes.. “Temos que ser curados na piscina de Siloé”.

segunda-feira, 27 fevereiro 2023 07:33

O Direito à Ilusão

NandoMeneteNovo

Durante a campanha pelo perdão da dívida de países pobres altamente endividados, que incluía Moçambique, era comum considerar que os países nórdicos eram os credores benevolentes e de que os maus da fita eram os credores tradicionais ocidentais.

 

Os primeiros porque emprestavam/doavam e não violentavam e os segundos porque violentavam, atendendo os condicionalismos para a recepcção do apoio que, até certo ponto, beliscavam a soberania dos devedores.

 

Esta ideia foi desconstruída numa palestra organizada por uma coligação nacional da sociedade civil criada para os esforços do perdão. O palestrante socorreu-se do facto dos países nórdicos também condicionarem a ajuda a um acordo com as instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial) - as que capitaneiam, segundo a crítica feita, o capitalismo pelo mundo – para inferir de que eles eram tão iguais ou piores quanto os credores tradicionais ocidentais. Foi o degelo.

 

Em reacção, Irâe Lundin, saudosa académica, professora universitária e activista social, agradeceu os ensinamentos, mas, no entanto, referiu que preferia continuar a acreditar na ilusão de que os nórdicos eram os benevolentes, pois, concluindo o pensamento dela, também nos assistia uma espécie de “Direito à Ilusão”.

 

Este direito veio-me à memória em pleno jantar de São Valentim quando perguntado se alguma vez, na vida, já derretera o coração de alguém. “Sim” foi a resposta, acrescentando que fora durante uma viagem à Europa.

 

No destino, enquanto o avião rolava para o estacionamento, fui dobrando com mestria, ginga e pinta a manta do avião, tendo, em seguida, colocando-a elegantemente na bolsa da poltrona. Nesse instante oiço um arrebatador “Wonderful!” (Maravilhoso) que me corta a profundeza da espinha. Era a voz, por coincidência, de uma bela nórdica e ocasional companheira de viagem.

      

Desde então - passam mais de 15 anos - tenho relatado este episódio a amigos como o apogeu da arte na esfera da conquista, tanto é que derretera o coração da bela nórdica. Um gostinho posto em causa, mal acabara de contar, com a acusação de que o “Wonderful” fora, na verdade, por eu não ter furtado a manta do avião. Que maldade!

 

À luz do (meu) “Direito à Ilusão,” ainda que o “Wonderful” fosse por uma outra razão, prefiro continuar a pensar que a bela nórdica se apaixonara por mim. Gosto e soa bem!

 

Decorrente do exposto, e para terminar, dei-me conta de que possa ser por isso, o “Direito à Ilusão”, que se justifica que ainda haja quem acredite nas promessas de nossos governantes, suas políticas públicas e, até, de que haja mesmo Governo.

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