O desmoronamento do Textáfrica de Chimoio jamais será um caso isolado, está inserido num contexto em que todo o futebol moçambicano perdeu o entusiasmo dos tempos. Ou seja, nos primórdios da independência nacional, o nosso país era um imenso alfobre futebolístico, com tendência a inesgotável, mas é reduntante dizer isso. Era um transbordante estendal com jogadores de topo, talhados naturalmente para grandes exibições em qualquer parte do mundo, e eles mostravam esse talento nos campos sempre abarrotados, e assim, todos nós acreditávamos que na senda de Eusébio, Coluna, Matateu, Vicente, Matine e outros tantos, seriam estes a embarcar em outros voos. Enganamo-nos!
Jogadores como Orlando Conde, Ângelo Jerónimo, Chababe, Luís Siquice, Terezo, Chinguia, Guiló, Cifrónio, Babarriba, Lóngwè, Marcos I, Marcos II, para citar apenas alguns exemplos dentro de um manancial vibrante sem fim que Moçambique já teve, terão sido injustiçados pela história, impedidos de brilhar noutras galáxias. Fecharam-lhes as portas da luz, então não tiveram outra saída que não fosse a resignação, mesmo assim sem perder a dignidade. Levantaram, em ocasiões infinitas, o Estádio da Machava e muitos outros campos espalhados pelo país, até que as pernas sossobraram. Deixando para trás o seu labor indelével, que será recordado para sempre.
Porém, o que nós não sabíamos e nem esperávamos, era que esses “craques” seriam a última carrada, pois, depois deles os dias de sol começaram a fenecer, até hoje que não temos certeza do futuro, a não ser que Reinildo Mandava reacenda a chama da nossa esperança e fazer-nos acreditar, novamente, que Moçambique é um país de grandes jogadores de futebol.
Nesse tempo de ouro nem sequer precisávamos de televisão, não tinhamos. Bastavam-nos os relatos de João de Sousa, Anuar Mussagy, Saíde Omar e o Domingos Naene para que, na impossibilidade de estar no terreno, acompanhassemos tudo em grupos de amigos, gritando em delírio como se também estivéssemos lá. Eram tempos de glória, corporizados por finas coqueluches. Conheciámos a todos pelos nomes e acreditávamos nas suas capacidades de tornar as partidas em poesia que será declamada do Rovuma ao Maputo. Para gáudio do próprio futebol.
Não haverá nenhum jogo no Estádio da Machava que não seja precedido de romaria. As pessoas, na falta de transporte, iam a pé, ocupando literalmente as bermas das estradas que vão dar ao vale do Infulene. A festa era exalada antes de o jogo começar, numa postura de pátria nunca vista. A Federação Moçambicana de Futebol tinha os seus “sócios” com “bancada-sol” reservada para que o remoínho ressurgisse. Outros, que não terão acesso ao recinto, vão se pendurar nos postes de electricidade lá fora. Mas esse é o resultado da força que o futebol tinha nesse tempo.
Depois, provavelmente a partir dos finais de oitenta e princípios de noventa, a euforia que dava sentido à nossa vida começou a esboroar-se. Fomos ficando sem a quem seguir como ídolo. Os campos foram perdendo o chamaris. Mesmo com a construção do Estádio Nacional do Zimpeto, não haverá motivo para lá ir, salvo em pouquíssimas ocasiões, mais por aliciamento da publicidade, do que propriamente pela crença de que teremos os nossos jogadores a cintilarem. Não é o “Zimpeto” que joga, são os jogadores. Que entretanto já não nos fazem acreditar no futuro.
Assinaram-se os acordos gerais de paz, em 1992, e até hoje nunca ouvi uma mínima voz humildando-se e pedindo desculpas pelos horrores dessa estúpida guerra. Ninguém, até hoje, já procurou mediadores para preparem os acordos de pedido de desculpas às milhares de famílias destruídas e fuziladas em nome do desenvolvimento, democracia e marxismo. Ninguém!
Quem já pediu desculpas ao Rogério Dimande, meu antigo professor, que foi higienizado as duas mãos por uma catana, enquanto assistia aos seus pais sendo deslocados vivos por uma corda para as profundezas de uma latrina? Quem já pediu desculpas a mim, pelos setenta e tal familiares meus fuzilados no Massacre de Homoíne?
Não falo da Frelimo, da Renamo, do Governo, falo do pedido de desculpas que nunca ouvi, falo das acusações que todos trocam sem se dar um minuto para arrancar a dentadura do silêncio e colocar entre as gengivas uma simples frase: “pedimos desculpas a todos pelas mortes”.
De 1992 até cá, quem já se humildou, quem já condecorou com um pedido de desculpas a milhares de crianças, que hoje são pais, que cresceram sem saber o peso, a doçura das palavras pai, mãe na boca? Como alguém que nunca teve um pai pode ser um pai?
Em outros feriados, assistimos condecorações, distribuição de medalhas de mérito e coragem, graduação infantil de heróis. E hoje, 04 de Outubro, quem merece tudo isso? Haverá coragem de chamar todas as vítimas dessa guerra, sacudi-las o peso da morte e enchê-las de condecorações, medalhas e certificados? Haverá coragem de reconhecer que são heróis as crianças que cresceram sem pais, as viúvas que envelhecem sem saber dos corpos dos maridos e as famílias que até hoje tentam ter paz?
Haverá coragem de pedir desculpas a milhares de crianças que foram armadas e obrigadas a matar, aos massacrados e queimados vivos que nem em Roma foram chamados para pelo menos dizer: “vamos pensar no vosso pedido de desculpas”. Podia falar dos massacres, das mulheres estupradas e assassinadas, das mulheres que hoje criam filhos que fizeram nas matas em troca de um naco de segurança, mas falo de um simples pedido de desculpas.
A guerra civil acabou, mas quem já confessou que matou e pede desculpas? Quem, dos fazedores da guerra civil, já parou um minuto para confessar um pecado, um crime e apontar uma vala comum qualquer que ajudou a cavar? Quem desses chefes já parou um instante para orar, não pela democracia, não pelo desenvolvimento, não pelo marxismo, mas pelas pessoas que matou. Quem, embezerrado de arrependimento, pediu desculpas pelas minas que serraram pernas e transformaram em pó a vida de muitos moçambicanos? Quem já se humildou?
“Em termos mais objectivos, Moçambique não conhece a PAZ desde o ano 1498, altura em que os portugueses escalaram o país, pese embora, a exploração e expansão efectiva se tenha dado no século XIX. A Luta para a Libertação de Moçambique teve início a 25 de Setembro de 1964 e os Acordos para a Independência a 07 de Setembro de 1975.
Depois do Colonialismo Português, seguiu-se a Guerra patrocinada por estrangeiros, mas que eram os moçambicanos a matarem-se uns aos outros. Esta guerra teve início a 30 de Maio de 1977, cujos acordos definitivos foram assinados a 06 de Agosto de 2019 entre o Governo de Moçambique e a Resistência Nacional Moçambicana, o chamado Acordo Definitivo de Paz".
AB
Moçambique conheceu o início da ocupação portuguesa em 1498, mas seria no Século XIX que inicia uma exploração intensiva das colónias africanas, devido à perda de influência no Brasil e na Índia. É preciso notar que desde a ocupação portuguesa em 1498, Portugal nunca tinha enfrentado uma revolta digna desse nome, sendo em 1961 a primeira vez em que há uma insurreição armada em Angola. Em Moçambique, a insurreição armada teve início a 25 de Setembro de 1964, na nortenha província de Cabo Delgado.
A luta de Libertação Nacional teve como seu presidente o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane e seu vice-presidente o Reverendo Uria Simango. Por motivações que, sendo relevantes, não serão abordados nesta reflexão sobre “os difíceis caminhos para a paz em Moçambique”, a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique e o Governo Colonial Fascista Português viriam a assinar o Acordo de Lusaka em Setembro de 1974, que deu lugar à declaração de cessação de guerra a 08 de Setembro de 1974.
Nos acordos de Lusaka, entre a FRELIMO e o Governo Colonial Fascista Português, estabelecia-se o calendário da Independência Nacional, que passava pela criação do Governo de Transição, que teve como líder Joaquim Alberto Chissano. Como disse antes, a insurreição armada foi declarada pelo Dr. Eduardo Chivambo Mondlane e os Acordos de Lusaka foram assinados por Samora Moisés Machel, sendo seu vice-presidente Marcelino dos Santos.
A independência Nacional viria a ser proclamada a 25 de Junho de 1975, pelo Presidente da FRELIMO, Samora Moisés Machel, e a designação do Estado Moçambicano seria a de República Popular de Moçambique. Esta decisão da FRELIMO criou alguma instabilidade no seio da comunidade portuguesa que receava pelas relações com o novo Governo e estima-se que aproximadamente 170 mil portugueses se teriam retirado de Moçambique, sendo que alguns foram para Portugal e outros refugiaram-se nos países vizinhos como a África do Sul, Rodésia de Ian Smith e Malawi. Seria, precisamente, na Rodésia de Ian Smith onde decidem organizar-se para lutarem contra a independência de Moçambique.
Desta decisão, resultara a criação da RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana, que teve como seu primeiro líder André Matade Matsangaissa. Esta guerra tem início a 30 de Maio de 1977 e o apoio logístico foi patrocinado pela Rodésia de Ian Smith. Repare que o início da Guerra entre o Governo da República Popular de Moçambique e a RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana acontece em menos de dois anos de independência nacional. O suporte humano foi totalmente moçambicano, começou com um pequeno contingente e muito rapidamente atingiu números astronómicos!
No ano de 1980, a Rodésia de Ian Smith colapsa e a ZANU proclama a independência. A Rodésia passou a chamar-se Zimbabwe e a RENAMO foi obrigada a retirar-se daquele território para a África do Sul do Apartheid. Com a intensificação dos combates, o Governo de Moçambique decide estabelecer o Acordo de Paz com o Regime da África do Sul do Apartheid, que foi assinado a 16 de Março de 1984. O acordo previa, entre outros, a cessação do apoio à RENAMO por parte da África do Sul, o que não chegou a acontecer, pois, a África do Sul intensificou o apoio e a RENAMO por esta altura chegou aos 20 mil homens. Veja abaixo os alvos preferenciais da RENAMO e o trabalho que o Presidente Samora Moisés Machel realizou em contrapartida.
“A Renamo atacou um grande número de entidades governamentais, tais como administrações distritais, escolas e hospitais. Além disso, destruiu também várias estradas e vias de comunicação. Estas acções tiveram um enorme papel desestabilizador na economia, uma vez que não só obrigaram o governo a concentrar importantes recursos numa máquina de guerra, mas principalmente porque levaram ao êxodo de muitos milhares de pessoas do campo para as cidades e para os países vizinhos, diminuindo assim a produção agrícola.
Em Dezembro do mesmo ano (1986), o presidente Samora Machel teve um encontro internacional em Lusaka, Zâmbia, com Hastings Banda, Kenneth Kaunda e Robert Mugabe, presidentes do Malawi, Zâmbia e Zimbabwe, respectivamente. Machel conseguiu convencer Banda a cessar o seu apoio à Renamo. Na sua viagem de regresso a Moçambique, o Tupolev Tu-134, avião cedido pela União Soviética no qual Machel viajava, junto com muitos dos seus colaboradores, despenhou-se em Mbuzini, nos montes Libombos, localizados em território sul-africano próximo à fronteira com Moçambique. O acidente foi atribuído a erros do piloto russo, mas ficou provado que este tinha seguido um rádio-farol, cuja origem não foi determinada. Este facto levou a especulações sobre uma possível cumplicidade do governo sul-africano. Então, Joaquim Chissano foi eleito como o sucessor de Machel. Chissano era Ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1975”.
In Wilkipedia, Enciclopédia Livre, Guerra Civil em Moçambique
Com a morte do Presidente Samora Moisés Machel e sua comitiva, nas colinas de Mbuzini, na África do Sul, a Frelimo decide indicar Joaquim Alberto Chissano para Presidente da Frelimo e da República Popular de Moçambique e este continua com as políticas de busca de Paz iniciadas pelo Presidente Samora Moisés Machel e intensifica a aproximação com a Renamo, o que culminaria com a indicação de Delegações de Alto nível por parte do Governo de Moçambique, liderada por Armando Emílio Guebuza e da parte da Renamo por Raul Domingos que em Roma trabalharam para o alcance da Paz, cujo acordo seria assinado a 04 de Outubro de 1992.
O Acordo Geral de Paz teve como protagonistas o Presidente da Renamo, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, e o Presidente da República, Joaquim Alberto Chissano. Um dos passos importantes que o Governo teve de dar foi a Revisão da Constituição da República, abrindo espaço para a economia do mercado e o multipartidarismo em Moçambique. De referir que já estava em curso a implementação do PRE - Programa de Reabilitação Económica, em que o Estado Moçambicano abdicou da gestão da economia, cedendo ao sector privado e, na área de habitação, a APIE- Administração do Parque Imobiliário do Estado vende as casas aos seus inquilinos, de entre vários condicionalismos impostos pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
O Acordo Geral de Paz também abriu espaço para as eleições periódicas, no caso, de cinco em cinco anos. As primeiras aconteceram em 1994, ganhas pela Frelimo e seu candidato Joaquim Alberto Chissano, tendo ficado para atrás Afonso Dhlakama da Renamo. Nas segundas, a Frelimo e Joaquim Chissano voltaram a ganhar e a Renamo e Afonso Dhlakama voltaram a perder. Nas terceiras, o candidato da Frelimo foi Armando Emílio Guebuza e da Renamo continuou Afonso Dhlakama, que voltaria a perde-las mais uma vez, tendo perdido nas seguintes, igualmente, com o candidato da Frelimo Armando Emílio Guebuza.
Na segunda derrota para a Frelimo e Armando Guebuza, Afonso Dhlakama decide retirar-se da Cidade Capital para a Cidade de Nampula e, posteriormente, para as matas de Sofala onde reiniciam as hostilidades militares, em 2012 e viria a assinar o Acordo de Cessação das Hostilidades Militares a 05 de Setembro de 2013 com o Presidente Armando Emílio Guebuza. Nas eleições seguintes, a Frelimo teve como candidato Filipe Jacinto Nyusi, que viria a ganhar copiosamente e a Renamo de Afonso Dhlakama instala um “braço-de-ferro”, recusando reconhecer os resultados e exigindo governar nas Províncias onde, alegadamente, tinha ganho as eleições. Isso não foi aceite pela Frelimo e seguiram-se negociações que culminaram com o Acordo entre o Governo e a Renamo, tendo sido protagonistas Filipe Jacinto Nyusi e Afonso Dhlakama.
Este Acordo não teve muito sucesso, do ponto de vista da sua implementação. Não irei aqui entrar em detalhes, mas o certo é que a Renamo e Afonso Dhlakama continuaram a protestar o que culminou com o retorno às matas da Gorongosa. A circulação Sul-Centro-Norte era quase impossível, funcionava à base de escolta que, não poucas vezes, era atacada e várias pessoas mortas e meios materiais destruídos, entre bens públicos e privados. Ainda assim, o Presidente Filipe Nyusi manteve o compromisso de Paz e continuou à procura de Afonso de Dhlakama para negociar o fim das matanças, tendo iniciado com trégua por tempo determinado, renovado creio que duas vezes e depois viria a trégua por tempo indeterminado, que abriu espaço para encontros entre o Chefe do Estado e Afonso Dhlakama nas matas da Gorongosa.
Enquanto gozávamos as tréguas por tempo indeterminado, o povo moçambicano viria a ser abalado pela Notícia da morte do Líder da Renamo Afonso Macacho Marceta Dhlakama nas matas. Foi uma morte natural, por doença, a 03 de Maio de 2018, e seguiram-se momentos de incerteza. Mas muito rapidamente a Renamo reorganizou-se e indicou o General Ossufo Momade como seu coordenador interino, no Congresso da Renamo, realizado na Gorongosa, com participação de 700 Delegados e 300 Convidados em Janeiro de 2029. Ossufo Momade é eleito presidente, nestas eleições, derrotando Elias Dhlakama que ficou com 238 votos, Manuel Bissopo com sete votos e Juliano Picardo com cinco votos, Herminio Morais retirou a sua candidatura.
As eleições foram contestadas de forma veemente e dessa contestação surgiu a ala militar que desafiou a Renamo de Ossufo Momade e ficou nas matas, considerada a ala dos Generais. Esta ala não teve sucesso político, no entanto, foi usada para “divisão” da própria Renamo, o que fez com que perdesse as eleições de 2019 de forma marcante. Devido a esta continuação das hostilidades, o Governo foi obrigado a assinar outros dois Acordos com a Renamo, tendo sido protagonistas o Presidente da República Filipe Jacinto Nyusi e o General Ossufo Momade. Trata-se do Acordo de Cessação das Hostilidades Militares a 01 de Agosto de 2019 e do Acordo de Paz Definitiva, a 06 de Agosto de 2019.
Não haja dúvidas que o real fim das hostilidades militares é celebrado com a chegada ao fim do processo de DDR – Desmobilização, Desmilitarização e Reintegração dos Homens residuais da Renamo que se encontravam espalhados pelas várias bases criadas durante o período de Guerra. Isso aconteceu a 23 de Junho de 2023, ou seja, a nossa busca de Paz é incessante e continua com a reintegração dos homens da Renamo na sociedade, o que, até hoje, pode-se considerar de bem-sucedido.
Adelino Buque
“Hoje, 02 de Outubro de 2023, valerá a pena evocar o colonialismo português para justificar o nosso atraso? Valerá a pena evocar a guerra dos dezasseis anos para justificar o nosso atraso? É que passam 48 anos da independência nacional, em que foram protagonistas a FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique e o Governo Português. Passam igualmente 31 anos do Acordo Geral de Roma entre o Governo de Moçambique e a Renamo. Os votantes que assistiram à independência nacional com 18 a 20 anos, hoje, andam pelos 70 anos. Já os que assistiram à assinatura do Acordo Geral de Paz têm, aproximadamente, 46 a 48 anos de idade, por isso, no debate político rumo às eleições de 11 de Outubro de 2023 e outras que se seguirão, evocar o colonialismo Português ou a guerra dos dezasseis anos é falar para um público inexistente. Diria, em termos mais simples, é um não debate”.
AB
“Infelizmente, grosso dos jovens moçambicanos morrem de amores pela RENAMO, muito embora tenha praticado espancamentos de civis, violações de mulheres, saques de bens privados e públicos, incêndios de aldeias, raptos, mutilações e morto a tiro, com manchetes, baionetas e paus muitos moçambicanos indefesos. Todo este tipo de matanças e maus tratos são relatados no tal Relatório Gersony de 1988 e há ainda hoje milhões de moçambicanos que sofreram na carne tais maus tratos”.
In Gustavo Mavie, artigo com o título: MILHÕES DE MOÇAMBICANOS DE AMBOS OS SEXOS ESTÃO A SER FACILMENTE DOMINADOS PORQUE NÃO CONHECEM A NOSSA HISTÓRIA DAÍ QUE MORREM DE AMORES POR PARTIDOS RUINS.
Hoje, 02 de Outubro de 2023, estamos a nove dias para exercermos o direito de votar e alguns de serem votados nas eleições Autárquicas de 2023, ou seja, ainda temos à nossa disposição sete dias para o debate político, ao que se seguirão dois dias de reflexão e depois a votação. São regras estabelecidas pela Lei eleitoral em vigor que não permite a votação logo a seguir a campanha eleitoral, abrindo espaço para que o cidadão vote em consciência e não na emoção da campanha, nada mau.
O que não deve ser debate político nesta fase!
Li e compreendo o artigo publicado pelo meu amigo e Makague, Gustavo Mavie. Chegou a minha caixa no dia 30 de Setembro de 2023 e li, igualmente, a reacção do Senhor Damião Cumbane a esse texto de Gustavo, em torno do qual aproveito, também, para fazer a reflexão, trazendo aquilo que, na minha opinião, não deveria servir de base para um debate político hoje, no ano de 2023, a saber:
1) O atraso no desenvolvimento nacional atribuído ao Colonialismo Português;
2) O atraso atribuído à Guerra dos 16 anos entre a Renamo e o Governo de Moçambique;
3) Baixo nível de escolaridade e de saúde atribuído à falta de recursos.
Ora, em 1975, Moçambique ascendia à independência nacional, fruto da Luta de Libertação desencadeada pela Frente de Libertação de Moçambique, FRELIMO, que durou 10 anos. Hoje, 2023, passam 48 anos após esta data histórica da nossa libertação dos mármores coloniais. Depois do 25 de Junho de 1975, tudo que se passou de lá a esta parte resultou de opções do Governo de Moçambique, cabendo a esse Governo assumir os sucessos e fracassos desta nova era.
A Renamo, Resistência Nacional Moçambicana, surge logo no período pós-independência nacional e foi criada, segundo reza a história, por um grupo de portugueses que não estavam de acordo com a independência de Moçambique e tiveram como base de suporte moral e logística a África do Sul do Apartheid, donde receberam treinos militares e suporte em armas para destruírem o Governo de Samora Machel. Para os sul-africanos bóeres, estavam a defender-se do perigo “Comunista” que a FRELIMO trazia com a independência nacional. Até aqui, tudo bem.
No entanto, com o tempo e reconhecendo que a Guerra não traria solução para o diferendo entre a Renamo e o Governo de Moçambique, aqui excluo as motivações da Guerra por não representar absolutamente nada de interesse, o Governo de Moçambique procurou a aproximação com a Renamo, mas, antes de tudo, tratou de rever a Constituição da República com dois objectivos essenciais a saber:
a) Abertura da economia centralizada para a economia do mercado, cujas regras seriam ditadas pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional e;
b) Abertura para a existência de mais do que um partido, ou seja, abertura para o Multipartidarismo.
Deste modo, para efeitos de implementação da abertura para o mercado livre, o Governo adoptou o PRE – Programa de Reabilitação Económica. Desenhado e implementado por nós moçambicanos, este programa retirou das mãos do Estado toda a base económica e privatizou. Hoje, a maioria da indústria deixada pelos colonos desapareceu, quer por incapacidade de concorrer num mercado cada vez mais exigente, quer porque as políticas do Governo não favoreciam para o crescimento destas indústrias nacionais e na mão de novos donos, diga-se. Grosso modo sem o conhecimento adequado e nem capital que requeriam para se manterem no mercado.
Ora, pode-se trazer vários argumentos, de acordo com a pessoa que argumenta, mas a nossa falência na área da indústria deveu-se às políticas que o Governo concebeu no âmbito do PRE – Programa de Reabilitação Económica e subsequentes. Hoje, o sector privado tem vindo a queixar-se de algumas políticas fiscais que não favorecem o desenvolvimento, políticas de Terra, políticas de investimento bastante penalizadoras, políticas monetárias, com juros a roçarem a agiotagem de entre outras e o nosso Governo não tem feito absolutamente nada para reverter a situação. Amanhã, iremos atribuir a quem a culpa! Vamos aprender a assumir as nossas responsabilidades como nação.
Por outro lado, com a Constituição de 1990, Moçambique abre-se para a emergência de mais partidos políticos, lembrando que a Constituição de 1975 dizia que em Moçambique só poderia existir um e único partido, a Frelimo. Repare que aqui não estou a fazer qualquer que seja a crítica, estou a constatar apenas. Se a decisão era correcta ou não, esse é outro debate em outro Fórum e não cabe nesta reflexão. A abertura para a emergência de mais do que um partido permitiu ao Governo de Moçambique aproximar-se da Renamo e estabelecem um Acordo de Paz, que veio a ser designado Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, Itália, entre a Renamo e o Governo de Moçambique, tendo sido protagonistas o Senhor Afonso Macacho Marceta Dhlakama, Presidente da Renamo, e o então Presidente da República, Joaquim Alberto Chissano a 04 de Outubro de 1992.
Em 1994, fruto desse acordo de Paz, realizaram-se as eleições Gerais Multipartidárias, para a eleição do Presidente da República e os Deputados da Assembleia da República, iniciando uma nova fase do Moçambique independente. Com esta nova fase, estavam abertos os caminhos para a reconciliação nacional e o enterrar do “machado de guerra”. Ora, se isso aconteceu ou não, devemos nos questionar a nós próprios e não a terceiros, o processo é dos moçambicanos e devo recordar que o dia 04 de Outubro está consagrado no nosso calendário como o dia da PAZ, exactamente porque marca o fim da guerra dos 16 anos em Moçambique.
Dito isto, evocar a guerra dos 16 anos para justificar seja lá o que for pode constituir uma atitude de má-fé por parte de quem o faz. Não estou ignorando os efeitos que causou na vida económica e social dos moçambicanos, mas porque assumimos que a guerra acabou e tudo quanto tem com ela relação é que, se não fazemos isso, significa que a guerra continua a ser a causa da nova desunião e a reconciliação estará longe do nosso alcance, o que não pode ser verdade. Nós moçambicanos estamos nos reconciliando e o exemplo é o sucesso do DDR – Desmobilização e Desarmamento e Reconciliação.
Posto isto, estamos independentes há 48 anos, assinamos o Acordo Geral de Paz há 31 anos e isso significa que os cidadãos nacionais de hoje, com 50 anos, não conheceram o colonialismo Português, que os cidadãos nacionais com 35 anos não conheceram a Guerra dos 16 anos entre o Governo de Moçambique e a Renamo. Para estes cidadãos, a Renamo, Frelimo, MDM, Pahumo, Partido Trabalhista e outros são partidos que concorrem para a Governação de Moçambique em pé de igualdade, se tem AMORES pela Frelimo, pela Renamo, pelo MDM é apenas uma questão de opção e nada mais…
Adelino Buque
Tenho seguido a campanha eleitoral em curso, particularmente a que ocorre nas autarquias da área metropolitana de Maputo. Por ora, e já passa uma semana de campanha, o que me ressalta mais são duas observações.
A primeira: o incómodo generalizado provocado pelo lixo estético por conta da colagem de cartazes, sobretudo em locais inapropriados. A segunda: até agora os concorrentes já prometeram de tudo menos cerveja. Por acaso faz algum sentido, tendo fé de que não se promete um dado adquirido.
Sobre a primeira observação, cito, em jeito de amostra do incómodo, o que duas crianças de onze e nove anos disseram na manhã do primeiro dia de campanha: “Meu deus a que horas sujaram a cidade? Oxalá que quem tenha feito isto seja também rápido a limpar”. Em seguida, a outra criança acrescentaria: “O importante é que quem tenha feito isso não suje nunca a cidade”.
No que tange (risos) a segunda observação, a de que nesta campanha tudo está a ser prometido menos cerveja, não será de admirar se alguém concluir que a avaliar a quantidade holística das promessas, este país (simbolizado pelas autarquias em pleito) não existe. Caso exista, provavelmente seja no quadro dos efeitos do que não se promete.
Seguramente que num país nestas condições o mais provável, depois da data de votação, é a ocorrência de uma amnésia total e completa quer por parte dos que prometem quer por parte dos prometidos. Na verdade, a urna do voto, que deveria simbolizar o pacto entre eles, acaba por ser o túmulo das promessas.
Para a posteridade, e desta vez com alguma serventia – a do tipo o crime deixa sempre rastos - fica o lixo estético a sinalizar responsabilidades, cabendo aos (com)prometidos agir. Mas lá está: alguém sóbrio nessa altura? Ou caberá aos petizes citados? Se sim, ainda ter-se-á que aguardar por alguns pleitos eleitorais.
Nando Menete publica às segundas-feiras.
Há dias, e poucos, estive numa casa de pasto para um encontro com o Marutissa, meu primo. Fui o primeiro a chegar. A ele, que vinha a caminho, respondi de que estava na “cadeira 38”. “Ok” foi a resposta.
Este sábado, 23 de Setembro de 2023, ainda pela manhã, recebo uma chamada da empresa de transporte que me informa o cancelamento da reserva da cadeira 38, sugerindo como alternativas a 36 ou a 40, caso quisesse ficar em lugar próximo. Optei pela 40. O telefonema termina com a informação de que eu seria “logo logo” contactado para alguns detalhes que ainda careciam de confirmação.
Por conta do fim-de-semana longo, programara que o passaria na terra natal, Inhambane. Enquanto esperava pelo retorno da chamada veio-me à memória de que era a primeira vez, em 22 anos, que não viajaria na cadeira 38. À boleia da lembrança, também a da razão do hábito de viajar na cadeira 38.
“Lamentamos informar de que a partida do autocarro foi reprogramada para o próximo dia 26 de Setembro pelas 11H30”. O prometido telefonema que me comunicava a amarga notícia, acrescentando que me assegurava que era a única alteração. Resumindo: não viajaria na cadeira 38.
Porque a ida à “Terra da Boa Gente” era mais do que passar um fim-de-semana longo, prontamente anui. Na verdade a mente já havia iniciado uma outra viajem: a da lembrança da razão de sempre viajar na cadeira 38.
Natal de 1969. Dois irmãos viajam de Inhambane à então Lourenço Marques, hoje Maputo, ou no trajecto inverso. O mais velho (Lázaro) ia sentado na cadeira 37. O mais novo (Abel) ia ao lado do motorista. O mais velho, uma hora depois da partida, e de forma insistente, sinalizava com o indicador para que o mais novo chegasse a ele.
“O que será que o mano Lázaro quer?”. Interrogava-se o mais novo à medida das chamadas. A insistência fora tal que acabou por aproximar. “Sempre que viajares de autocarro sente na cadeira 37 ou 38. É mais seguro em caso de acidente ou de qualquer emergência”.
Soube desta recomendação nas exéquias fúnebres de quem ia sentado na cadeira 37. Desde então, passam 22 anos, que estar numa “Cadeira 38” é o mesmo que dizer que estou bem instalado, em lugar seguro e que se recomenda. Daí o “OK” do primo Marutissa, por sinal o caçula de quem era recomendado a escolher um lugar seguro para viajar.
Esta terça-feira, 26 de Setembro, chego a terminal na hora prevista. Não era o ambiente normal de azáfama de uma terminal de transportes terrestres. Estava com áurea de proximidade e aconchego. No semblante de cada presente a sensação de celebração da despedia de alguém querido que partia pela primeira vez para o estrangeiro.
Cerca das 09H00 entro no autocarro carregado de curiosidade sobre quem estaria sentado na cadeira 38. A térrea-moça confere o assento no meu bilhete e a caminho da cadeira 40, na 37 estava o seu eterno ocupante. Estranhamente não me disse o habitual “Tenha a bondade” enquanto indica a cadeira 38. A razão: a cadeira 38 já estava ocupada pelo seu companheiro de viajem do natal de 69, o seu irmão Abel.
“Estimados, a vossa atenção. Vamos iniciar a viajem e o ponto de partida será o regresso ao passado com a duração de 99 anos, prevendo que a chegada seja no dia 16 de Setembro de 1924”. Era a térrea-moça que em seguida pediu que se fizesse silêncio.
No silêncio da viajem ao passado foram passados em revista, na forma e no conteúdo, a nobreza das 99 primaveras do ocupante da cadeira 38: Abel Lopes Menete.
No dia 16 de Setembro de 1924, na chegada a Jangamo, Inhambane, o momento foi de alegria contagiante pelo regresso de quem, 15 anos depois do seu nascimento, deixara a terra natal rumo à então Lourenço Marques, a terra prometida.
10H30. A térrea-moça anuncia a derradeira partida e de que se fariam duas paragens antes do destino. A primeira no Bairro 700, a saudosa morada térrea do ocupante da cadeira 38, e a segunda no cemitério da Texlom. E daqui a decolagem final até ao reino dos céus. E assim aconteceu por volta do meio-dia.
Por algum motivo fiquei em terra na primeira paragem. Da madrugada de chuva que corre, e que abençoara a viajem, soube de que a viagem correra bem e que o ocupante da cadeira 38 fora recebido com uma honrosa e estrondosa salva de palmas durante 38 segundos. No final, a saudação: Cadeira 38, Saravá!
Maputo, 27 de Setembro de 2023.
Texto em jeito de homenagem a Abel Lopes Menete (16/09/1924 – 23/09/2023), familiar, amigo e antigo quadro do Ministério da Informação (1974-1983) e Administrador da Escola Central do Partido Frelimo (1983-2003).