A Procuradora-Geral da República (PGR) moçambicana, Beatriz Buchili, prometeu, na cidade da Praia, partilhar os documentos ainda a tempo de evitar a anulação do caso das dívidas ocultas em curso no Tribunal Comercial de Londres.
“Eu não sei se está em risco, porque nós neste momento estamos numa tramitação do processo numa fase interlocutória de divulgação de documentos e nós estamos a trabalhar nesse sentido”, afirmou a PGR, na cidade da Praia, onde se encontra de visita oficial a convite do seu homólogo cabo-verdiano, José Luís Landim.
Em março, um juiz britânico admitiu anular o caso das dívidas ocultas em curso no Tribunal Comercial de Londres devido ao incumprimento de Moçambique na partilha de documentos relevantes na preparação para o julgamento em outubro.
Num parecer, o juiz Robin Knowles criticou a falta de envolvimento dos advogados britânicos que representam a República de Moçambique no processo de seleção de documentos oficiais e urgiu a Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana a providenciar maior acesso.
“É verdade que é um processo que tem que fazer recolha em várias instituições e temos prazos processuais, mas nós estamos a fazer face para conseguir cumprir com os procedimentos legais”, prometeu.
Beatriz Buchili informou que a última audiência interlocutória vai ser no fim de julho e disse acreditar que Moçambique vai conseguir cumprir com os procedimentos.
Na altura, durante uma audiência preliminar, o juiz inglês avançou que Moçambique não estava a “cumprir com as obrigações de divulgação, em especial com documentos detidos pelo gabinete do Presidente [da República], pelo SISE [Serviços de Informação e Segurança do Estado] e pelo Conselho de Estado”.
Segundo o magistrado, estes organismos estatais não permitiram nem à PGR nem aos advogados britânicos qualquer acesso para selecionar eventuais documentos relevantes.
A divulgação ('disclosure') de provas documentais por todas as partes, vincou, é essencial para "garantir a justiça do julgamento" e de uma decisão final.
O juiz referiu em particular o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, do qual depende a autorização para o acesso a documentos de Estado confidenciais, mas que também está nomeado neste processo.
“Se precisar de exercer o meu poder de anulação ['strike out'] para garantir o cumprimento das obrigações da República e deveres de divulgação, fá-lo-ei porque é o meu dever para garantir a justiça do julgamento”, vincou.
O magistrado disse que vai reservar o direito de anular o caso a qualquer momento, mas mesmo assim deu a possibilidade à PGR de Moçambique de tentar novamente aceder aos documentos necessários e providenciá-los às restantes partes envolvidas.
O Tribunal Comercial, que faz parte do Tribunal Superior ('High Court') de Londres, tem programado para começar em 03 de outubro o julgamento principal sobre a validade das dívidas.
Na origem está uma ação judicial iniciada pela PGR em nome da República de Moçambique contra o Credit Suisse e a Prinvinvest para tentar cancelar parte dos mais de 2.700 milhões de dólares (2.600 milhões de euros) de dívida contraída entre 2013 e 2014 por empresas públicas para comprar barcos de pesca do atum e equipamento e serviços de segurança marítima.
Os empréstimos foram avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado então pelo presidente Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo, o que levou à denominação de “dívidas ocultas".
No processo estão nomeados vários altos funcionários públicos e figuras de Estado, como Guebuza, o antigo ministro das Finanças Manuel Chang - detido na África do Sul - e o atual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que na altura era ministro da Defesa.
Num julgamento relativo ao mesmo caso que foi concluído em dezembro em Maputo, 11 dos 19 arguidos foram condenados a prisão (10 a 12 anos), e três deles terão de pagar uma indemnização ao Estado equivalente a 2,6 mil milhões de euros.
Os três visados são Ndambi Guebuza, filho do ex-presidente Armando Guebuza, e dois ex-dirigentes do SISE, Gregório Leão e António Carlos do Rosário (ex-diretor-geral e antigo líder da 'inteligência' económica, respetivamente), que receberam uma pena de 12 anos de prisão cada um.(Lusa)