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BCI
terça-feira, 19 julho 2022 06:50

Estudo aponta riscos que possam advir da revisão da Política Nacional de Terras em Moçambique

De acordo com um relatório de investigação do Centro de Integridade Pública (CIP), divulgado esta segunda-feira, num documento denominado “Política Nacional de Terras 2021 (linhas gerais)”, o Governo diz que pretende usar a terra para proteger a população mais pobre, mas não há evidências de que tal lei poderá beneficiar os cidadãos mais carenciados. 

 

Mais adiante, o mesmo documento explica que falar de transmissão de terras é o mesmo que falar de transmissibilidade do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT). Porém, o sistema jurídico em vigor no país mostra que a transmissão só ocorre “por compra-e-venda, hipoteca, penhor, doação, direitos que incidem sobre a coisa e não a coisa em si (viatura, casa, terreno, etc.)”. Entretanto, a transmissibilidade encontra uma barreira no impedimento constitucional que estipula que a terra em Moçambique é propriedade do Estado e não pode ser vendida, hipotecada, penhorada ou por qualquer outra forma alienada. Assim, a Comissão de Revisão da Política de Terra está a propor que, embora seja uma propriedade do Estado, nada impeça que no futuro esse bem seja usado para hipotecas e transações.

 

“O Banco Mundial, a Confederação das Associações Económicas (CTA) e o Governo defendem que é preciso permitir transmissibilidade da terra como forma de passar a ter um valor comercial substancial, o que irá permitir que o cidadão que detém o DUAT o possa usar como moeda de troca para melhorar a sua condição, ou seja, que se um camponês tem 100 ou 1000 hectares possa transacioná-los a um privado sem qualquer conflito. Entretanto, ignoram-se os possíveis problemas que poderão surgir no Estado, tais como, a maior procura de terra pelos ricos e multinacionais, por um lado, e a tentação dos cidadãos pobres em vender as suas terras, por outro”, lê-se no documento.

 

De acordo com o estudo, com a revisão da Lei de Terra em curso, outro risco que se incorre é de que a mesma possa beneficiar as corporações internacionais e do sector empresarial nacional com maior capacidade financeira para aliciar, manipular e adquirir, para os seus investimentos, terras das comunidades com pouco conhecimento sobre o seu valor, a preços baixos enquanto o Estado está na expectativa de obter ganhos através dos impostos e das taxas resultantes das transações de títulos de DUAT e também das receitas provenientes de exploração de terra.

 

O documento do CIP diz ainda que, caso a Lei da Terra não preveja os limites de acesso à Terra, a elite político-empresarial terá maiores facilidades de participar no açambarcamento da terra para posteriormente transacionar a preços mais elevados ao empresariado estrangeiro e às corporações internacionais.

 

O Governo de Moçambique tem vindo a tentar formalmente a revisão da Política Nacional de Terras (PNT), desde Novembro de 2017, mas a vontade é antiga e iniciou em 2002, no último mandato do Presidente Joaquim Chissano. Na altura, a iniciativa teve o apoio do Banco Mundial e da USAID. No mandato de Armando Guebuza, houve também tentativa de se voltar ao assunto com a realização, em 2008, da Conferência de celebração dos 10 anos da Lei de Terras na qual foi analisado/compulsado o quadro legal e identificada a necessidade de ajustamentos de alguns dispositivos legais. O evento culminou com a criação, em 2010, do Fórum de Consulta sobre Terras (FCT), um órgão de consulta governamental sobre questões de terra.

 

Já o Presidente Filipe Nyusi, igualmente apoiado pelo Banco Mundial, retomou a ideia com força, mas sem nunca revelar o que se mostrava desajustado na actual política. No entanto, nisto tudo ficou patente que a intenção do Governo é de formalizar a venda dos títulos de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) como resposta da crescente demanda por este recurso por corporações internacionais aliada aos apetites das elites político-económicas desejosas de tirar vantagens do capital estrangeiro. Sendo assim, esse interesse encontra como barreira o Artigo 109 da Constituição da República de Moçambique que indica que “a terra não pode ser vendida”. (Marta Afonso)

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