“O Cidadão Raul Domingos, nomeado Embaixador de Moçambique para o Vaticano, goza de grande simpatia e respeito do Presidente Filipe Nyusi, mas no exercício das funções a que foi indicado, Raul Domingos irá relacionar-se com a Senhora Verónica Macamo. Esta será a sua Chefe no dia-a-dia, isto é válido para aqueles que são reintegrados nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique e na Polícia da República de Moçambique. Nos postos a que forem indicados, há hierarquia a respeitar, a inclusão passa por respeito mútuo e não de uma única parte, Filipe Jacinto Nyusi fez a sua parte e cada um deve dar continuidade”.
AB
Temos de reconhecer que o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, tem feito grande esforço no sentido de inclusão política em Moçambique. Mas atenção, inclusão política não pode ser vista como a indicação de pessoas militando na oposição para cargos Governamentais, é preciso que as pessoas da oposição, indicadas para esses cargos, saibam ser neutras em relação às suas políticas específicas na área a que forem indicados. O Presidente da República não pode indicar uma personalidade para o seu Governo e, em contrapartida, fazer-lhe oposição, eu penso que, em relação ao Cidadão Raul Domingos, isto está claro!
A inclusão pressupõe, igualmente, a aceitação do indicado por um grupo de equipe com quem irá trabalhar. No caso de Raul Domingos, na qualidade de Embaixador de Moçambique no Vaticano, pressupõe que se entenda com as pessoas que trabalham no Ministério dos Negócios Estrangeiros, o pessoal afecto à embaixada no Vaticano e outros que, por inerência de funções, poderão se relacionar com o nomeado, ou seja, o sucesso de Raul Domingos no cargo não depende somente dele, mas de todo um saber estar e ser tanto dele como de outras pessoas que passarão a conviver com ele. Raul Domingos não irá reportar a Filipe Nyusi, mas sim a Verónica Macamo, sua Ministra.
Mas dizia no início que Filipe Jacinto Nyusi tem feito muito pela inclusão política em Moçambique. Devo recordar que, antes deste cargo, Raul Domingos desempenhava o cargo de membro do Conselho do Estado em substituição do falecido Daviz Simango. Simango também era Presidente de um partido da Oposição Parlamentar, mas nem com isso deixou de indica-lo para o cargo e acredito existirem outras nomeações e/ou indicações feitas no sentido de inclusão que não são publicitados porque o cargo assim não exige.
O partido Renamo, com actividade conjunta com o Governo, no âmbito da desmobilização e reintegração dos homens residuais da Renamo, pela acalmia que vivemos, quer do ponto de vista de incursões armadas, quer do ponto de vista de revindicações políticas da Renamo entanto que partido político, sugere-nos que o processo está no bom caminho. Recorde-se que a reintegração dos homens da Renamo pressupõe que sejam integrados nas Forças de Defesa e Segurança de Moçambique e na Polícia da República de Moçambique, quer seja como elemento simples, assim como dirigente nesse sector!
Reconhecer estes feitos do Presidente da República e fazê-lo de forma pública é o mesmo que ajudar a consolidar essa inclusão, é ajudar o Presidente da República a criar bases para uma Paz e reconciliação nacional, sobretudo, naquilo a que se refere a reintegração dos homens residuais da Renamo na área militar e na Polícia. A integração destes constitui um esforço enorme, porquanto, as pessoas com quem irão trabalhar devem aceitá-los como tal e, para tanto, é importante um trabalho de base a ser realizado por todos os moçambicanos.
Aquilo que não se deve esperar é vermos um nomeado a abusar dos seus subordinados que, por sinal, estão a trabalhar na área há muito mais tempo e, por razões naturais, aspiram o lugar do nomeado, quer seja no caso em apreço de Raul Domingos, quer no caso dos Comandos na Polícia e nas FADM, os nomeados devem saber se comportar, sob pena de amanhã virem a público alegar que foram mal recebidos, o Presidente da República, neste momento fez a sua parte, você também, o nomeado, deve fazer a sua parte!
Adelino Buque
Nunca o conheci de perto, no sentido de estarmos na mesma mesa em abstração, falando de coisas que não têm nada a ver com política. Jamais o entrevistei na minha qualidade de jornalista, embora tenha tido ao longo deste tempo todo – continuo a ter – motivos mais do que muitos para o fazer, sobretudo para ter dele a explicação de determinados assuntos que nos apoquentam, numa cidade elegida para brilhar, mas que , entretanto, esse brilho está a escurecer.
Foi na altura em que concorria para o cargo de presidente do Município de Inhambane, que ouvi falar dele pela primeira vez, e pareceu-me um jovem simpático, de boa educação, capaz de, com a sua humildade, descer até ao nível do chão onde vive a esmagadora maioria dos seus compatriotas. Simpatizei-me com ele de longe, sem reservas, até porque votei nele, sem querer dizer com isso que tenha sido algum compromisso pessoal que me movia. O que me levou à urna não será mais do que o desejo de ver a minha cidade nos escaparates das urbes mais limpas de Moçambique.
A aparente humildade de Guimino e a sua vontade de trabalhar com afinco em benefício dos munícipes, levaram-no a publicar o seu número de celular para quem o quisesse contactar para alguma preocupação ou ideias de melhorar este e aquele aspecto da sua governação, e foi esse o número que usei em algumas ocasiões para apresentar as minhas inquietações em relação às obras que iam sendo feitas pela edilidade, mas o presidente do Município nunca antendeu às minhas chamadas. Fiz várias mensagens – com o meu nome assinado - alertando-o sobre a má qualidade das vias de acesso pavimentadas, mesmo assim, o edil ignorou-me.
Hoje há um problema que roça a violação dos direitos humanos na cidade de Inhambane, e o violador desses direitos é o próprio Guimino. Ou seja, o Banco de Moçambique (BM) pretende construir um monumento no bairro Matadouro onde vivem mais de cinquenta famílias, e para que o projecto do BM seja executado é necessário desalojar aquele conglomerado e reassentar as pessoas noutro lugar. Então, o Banco de Moçambique, consciente disso, desembolsou um valor que até hoje não sabemos muito bem quanto é que é. Fala-se de cerca de cinquenta milhões, entretanto o presidente do Município já veio dizer que não é esse o valor.
Mas o problema surge, independentemente dos valores que tenham sido alocados, quando a edilidade - sob batuta de Guimino – avança com a construção de casebres no bairro Malembwane, sem as mínimas condições de habitabilidade, violando um dos direitos do homem, que é o direito a uma habitação condigna, tanto é que, ao que nos parece, há dinheiro para isso. Os residentes de “Matadouro” recusam-se a sair para aqueles cubículos insultuosos e desprezíveis. Mas Guimino obriga-os, mesmo assim, a abandonar o lugar requerido pelo Banco de Moçambique.
Foi nesta situação que se confirmou – depois de vários outros momentos - a perca de humildade por parte do edil, ao afirmar nos seguintes termos, dirigindo-se à população: “quem quiser sair que saia, quem não quiser, que fique, eu sei o que vou fazer”. Eu não sei se isso não será desprezo pelo povo! Aliás, um dos moradores disse assim a Benedito Guimino: “você está a tratar-nos como se fossemos papel higiénico, você está a ameaçar-nos, e esquece que fomos nós que lhe elegemos”. Na verdade é uma ameaça de um homem que não vai deixar, com certeza, boas memórias por aqui. Até porque seria de bom senso que fosse feita uma investigação sobre este problema do bairro Matadouro.
“O Futuro dos negócios no mundo passa pela agricultura, será a agricultura a criar novos homens ricos no verdadeiro sentido da palavra e, aqui, não me refiro a homens endinheirados, falo de ricos, Moçambique ainda não teve esta visão. O verdadeiro empresário não é quem ganha muito dinheiro com “BOLADAS”, mas aquele que possui obrigações com o Estado, trabalhadores, sociedade onde se encontra inserido. Na verdade, o empresário é um cidadão comprometido com a Nação, um verdadeiro homem de princípios e de valores. Ganha dinheiro, mas tem outras e mais responsabilidades”.
AB
O meu amigo Rogério Gomes lançou um debate interessante no grupo do “Sector Privado” sob gestão da CTA –Confederação das Associações Económicas de Moçambique, questionando sobre o verdadeiro empresário entre aquele que vive de boladas e aquele que, possuindo armazéns, hectares de terra arável, fábrica com maquinaria obsoleta, queixa-se de forma recorrente da falta de dinheiro o seu alto custo.
Felicitei o Rogério no referido grupo e dei algumas contribuições que, por ser via WhatsApp, achei pouco. Pretendo aqui e agora não rebater aquilo que escreveu e bem, mas trazer uma contribuição ao tema que me parece de actualidade e no interesse da sociedade e dos empresários em particular. Na verdade, fazer boladas por si só não outorga a pessoa a denominar-se empresário e/ou homem de negócios no verdadeiro sentido.
A pessoa que usa as oportunidades que o mercado oferece e por via disso ganha dinheiro, que é denominado “BOLADA” em Moçambique, não é empresário e tão pouco homem de negócios. E porque isso:
Em contrapartida, para realizar o seu negócio, o verdadeiro empresário deve possuir um Alvará que o habilita a seguir um determinado segmento de negócio. O empresário não faz o que quer ainda que o mercado mostre carências, ou seja, se não tem licença para vender por exemplo cimento de construção, o empresário não o fará porque o mercado mostra-se com carência. Para tal, ele terá de requerer nas entidades competentes a Licença e somente depois o poderá fazer, ao contrário do Homem das “BOLADAS” que não tem qualquer obrigação. Se hoje o que dá é feijão, vai comprar e vender feijão, se amanhã descobre que o mercado necessita de ferro de construção irá inclinar-se para o ferro de construção e assim sucessivamente.
O empresário tem obrigações com o Estado, paga impostos, que não são poucos. Sublinhe-se, paga várias taxas Municipais, paga a Segurança Social dos seus trabalhadores, para o Seguro de Acidentes dos seus trabalhadores, possui responsabilidade social com os mesmos e, em caso de despedir um deles, obriga-se a multa de indemnização, o que não ocorre com o homem das “BOLADAS”.
Na verdade, quando se diz que o vendedor informal destorce o mercado, muitos funcionários públicos “torcem o nariz” e apelidam de medo de concorrência. A concorrência de um informal é e será sempre uma concorrência desleal. Tenho dado exemplo de um revendedor de tomate, um é informal e outro formal. Se o informal compra a Caixa de tomate a 100,00 mt e vende a 120,00 mt, ganha um lucro bruto de 20,00 mt. Mas o formal, adquirindo nas mesmas condições, tem a obrigação com o seu empregado, com o IVA que são 17%, com as taxas Municipais entre outros, ou seja, o formal, usando a mesma fonte, acumula prejuízos onde o informal ganha dinheiro!
Esta é a grande diferença entre uns e outros, quando não se tem obrigações com ninguém, você ganha dinheiro que se farta, pode ser tudo menos empresário, pode até subornar tudo e todos num Estado infestado por corrupção, mas não será jamais nenhum empresário, não passara de um indivíduo que foge das autoridades sempre que se verifica a rotação destes, uma vez que, a vida deste baseia-se no suborno. Esta é que é a verdade.
Mas o Rogério Gomes fala de empresários com Fábricas com maquinaria obsoleta, centenas de hectares sem produção agrícola, Armazéns vazios de entre outras realidades que vivenciamos na nossa praça. Temos de ter humildade de fazer este debate com alguma serenidade, este empresário a que se refere o Rogério é produto da reestruturação da economia centralizada para a economia do mercado. Este empresário é produto do PRE – Programa de Reabilitação Económica em Moçambique e aqui não devemos ter receio de colocar o dedo na ferida.
Colocando o dedo na referida ferida diria o seguinte: muitas das privatizações foram feitas na base de “compadrio e amizades” não propriamente, porque a pessoa que ficou com uma determinada empresa, fábrica e ou armazém era a mais indicada. No caso das empresas agrícolas, o próprio Estado chegou ao ponto de aquilo que foi sempre uma Empresa, retalhar e daí resultar, por exemplo, cinco a seis Empresas. Isto trouxe um grave limitante do ponto de vista de continuidade porque, dos cinco ou seis que alienaram, se calhar, um ou dois dominam a área e estão entre os “protegidos” de alguém que está no Estado, essas duas pessoas terão dificuldades reais de trabalhar a sua parcela.
Muitos perguntam porquê! Sim, tem razão, se tu estas a trabalhar numa terra rodeado de terras em poisio não regular, todos os males que advêm dessas terras em poisio irão afectar-te. Dou exemplo de Marracuene, onde a intrusão salina é hoje uma realidade devido a esta atitude, até certo ponto irresponsável dos detentores do poder. O outro problema é do custo de produção, repare que, se tu trabalhas a terra rodeada desse poisio, todas as pragas que aparecerem do capim e outras manifestações de falta de cultivo, irão afectar a machamba em actividade! A pergunta que se pode e se deve fazer é: isto resultou da falta de conhecimento!? Francamente que não sei dizer. Dou mais um exemplo: o bloco 1 da Moamba foi grande produtor de batata reno, visite hoje e diga-me o que tem como produção e quantos proprietários revindicam direito de posse de terra!
Mas a questão não pode ser vista somente por aí, depois das privatizações e porque o grosso dos proprietários não estavam “KITS” com o Estado, até então dono dessas propriedades, essas fábricas, armazéns e ou hectares de terras não poderiam ser usados como colaterais para obter crédito. Aqui retiro a Terra, somente no Governo de Armando Guebuza tornou-se efectiva esta possibilidade, nos casos em que tivesse pago uma determinada percentagem, não tenho em memória, mas julgo não ser relevante.
Na minha opinião, interessava a alguém, não me pergunte quem, demonstrar por A mais B que aquele cidadão que ficou com a Fábrica, armazém e outro negócio intervencionado não possui capacidade para manter o negócio. Deixe-me derivar daqui para as Fábricas de Castanha de Caju, o que são hoje essas fábricas que outrora empregaram milhares de pessoas, o FMI – Fundo Monetário Internacional veio a público reconhecer o erro no processo de liberalização de exportação de castanha de caju e depois...
Adelino Buque
O uso crescente das plataformas digitais resulta de um conjunto de transformações que o mundo conhece desde a criação da Internet. Por hipótese, podemos argumentar que essa lógica é uma característica própria do que pode ser chamado de ‘sociedades modernas’. Para tal, duas razões seriam cruciais para explicar a emergência desta realidade. Por um lado, os partidos políticos e as organizações tradicionais (associações, sindicatos e igrejas) perderam o seu controlo sobre a sociedade, deixando espaço para outras instituições (menos formais e burocráticas) organizarem a acção política dos cidadãos (Gaxie & Pelletier, 2018). Por outro, as ligações sociais têm-se tornado cada vez mais fluidas – os políticos deixaram de ser uma inspiração social e nutrem menos confiança dos seus governados.
Assim, a utilização das redes sociais da Internet acaba por estar intimamente ligada à participação política, especialmente às formas de engajamento cívico ‘não convencionais’, tais como os protestos, petições, boicotes e ocupações. Por exemplo, evidências de fora de Moçambique já mostraram que a utilização do Facebook e Twitter é um forte preditor do envolvimento político (Scherman & Rivera, 2021). Embora estas conclusões sejam determinantes, parte significativa dos trabalhos nesta área revelam que tais estudos foram realizados quando a penetração dos meios de comunicação social era consideravelmente menor do que é actualmente, sobretudo se tivermos em conta a ‘Primavera Árabe’ como exemplo de destaque. Isto leva à questão de saber se os media sociais ainda estão correlacionados com a participação política, num contexto em que tais meios mudaram, nos últimos anos, e novas plataformas foram introduzidas. Contudo, destaque-se que a utilização dos meios de comunicação social está relacionada com o envolvimento dos cidadãos na política, pois essas plataformas não só expandiram as oportunidades para as pessoas se envolverem em actividades virtuais, como também se tornaram um veículo que facilita a participação numa vasta dimensão de acções offline.
No caso de Moçambique, precisamos recordar-se de Setembro de 2010, quando foram colocadas a circular mensagens de texto e algumas publicações em plataformas virtuais sobre uma mobilização social de vulto, onde o País, no geral, e a Cidade de Maputo, em particular, viveu um cenário de mobilização social que marcou uma época (Chaimite, 2014). Exceptuando-se a violência com que tal acto teve lugar, foi notário o papel desempenhado pelas redes sociais da Internet para a difusão ou propagação daquele evento, seja para distorcer o que sucedia ou relatar o respectivo evento em tempo ‘real’. Todavia, se 2010 é um exemplo típico do que podemos designar como mobilização cívico-virtual, o que dizer dos anos seguintes? Nesta opinião, que julgamos inacabada, colocamos algumas hipóteses sobre o evoluir do espaço cívico no espaço virtual em Moçambique nos últimos anos.
Em geral, podemos afirmar, com alguma convicção, que após 2010, o que resta da memória colectiva de uma acção plena de mobilização data de 2015, quando organizações da sociedade civil se juntaram para manifestar contra a insegurança e busca de paz no País. Naquele ano, a mobilização feita por meios digitais pode, no nosso entender, ter sido fundamental. Mas e depois, que exemplos podem ser mobilizados para ilustrar a tendência protestatória por via dos meios digitais? A resposta é ou seria pouca ou quase nenhuma. Na verdade, são esporádicas ou quase inexistentes as acções de mobilização social em Moçambique ou, pelo menos, nas capitais provinciais, seja por meios virtuais ou similares.
De facto, não se tem memória de um acto que, nos últimos 7 anos, tenha marcado o espaço dos repertórios de acção colectiva no País. E a pergunta que se pode colocar é: será por falta de razões? Talvez sim, mas talvez não. Por hipótese, diríamos que o cenário de mobilização social tende a fechar-se em contramão com a própria expansão das redes sociais da Internet, que se tornaram aquilo que designamos de ‘tubos de escape’, dado que o espaço físico (rua) se tornou perigoso para realizar acções públicas de mobilização (Tsandzana, 2020). Embora poucos ou quase inexistentes, os últimos exemplos de que temos memória datam de 2021, quando houve uma tentativa, embora falhada, de se realizar uma mobilização contra a introdução de portagens ao longo das vias rodoviárias da capital e província de Maputo. O caso mais recente incide precisamente ao presente mês de Julho, primeiro no dia 4 e, depois, no dia 14, sendo em relação a este último que incide o nosso comentário.
Para além dos áudios que supostamente davam indicação da provável manifestação, o facto de circularem imagens que sugeriam um pré-posicionamento de viaturas da polícia, que deviam agir em caso de erupção social, representa uma dupla função que as redes sociais da Internet desempenham. Sucede que ao mesmo tempo que esses espaços podem ser vistos como ferramentas mobilizadoras, a sua capacidade de dissuasão – promoção do medo e da incerteza – também é presente de forma consequente. Ou seja, enquanto se fala de mobilização no espaço digital, também devemos mencionar a desmobilização programada, o que foi visto através de uma imagem colocada a circular, no dia 13 de Julho, por via de uma foto cujo teor indicava “Os Cidadãos Agastados e Desempregados com a Crise no País (ADCP) tem a informar a todos os cidadãos de todas as cidades do País que, por motivos organizacionais, não terá lugar a manifestação prevista para amanhã, dia 14 de Julho...”. Aliás, actos de desinformação intencionada, por via de fotos, textos ou vídeos antigos/manipulados ou fora do contexto, são uma prática constante neste tipo de situações.
Por conseguinte, face ao contexto acima, a nossa contribuição passa por compreender o que terá causado o instalar da ‘eutanásia de protestos’ em Moçambique, os quais, em tempos, foram promovidos por via das plataformas digitais. Para uma provável resposta, avançamos três hipóteses as quais devem ser lidas de forma complementar.
Por fim, diante de todo este cenário, surge uma questão que não podemos deixar de mencionar. Sucede que falar de mobilizações sociais, seja em Moçambique ou em outras realidades, remete-nos a invocar a presença ou a capacidade do sector associativo e sindical. Ora, no caso nacional, são essas entidades que, mesmo sem certeza do que realmente poderá suceder, adiantam-se em propalar comunicados desmentidos, como se as manifestações fossem actos anti-democráticos.
Mais ainda, facto similar aconteceu com a Associação dos Estudantes Universitários da Universidade Eduardo Mondlane (AEU-UEM) em 2021, bem como, recentemente, através de um desmentido posto a circular no dia 13 de Julho de 2022, assinado conjuntamente pela Organização dos Trabalhadores de Moçambique, Confederação Nacional dos Sindicatos Independentes, pelo Sindicato Nacional de Jornalistas, Sindicato Nacional de Professores e pela Associação Médica de Moçambique. Porém, estranho é que estas últimas organizações tenham emitido, no dia 11 de Julho, através do Jornal Notícias, um comunicado que ia de encontro com a convocação de uma possível ‘greve geral’, em virtude das reivindicações por elas feitas junto do Governo. Contraditório ou não, este pode ser um exemplo que ilustra a orfandade a que estão expostos os associados em Moçambique, a qual, certamente, é um tema para um futuro comentário.
Referências
Chaimite, E. (2014). Das revoltas às marchas: a emergência de um repertório de acção colectiva em Moçambique. Maputo. IESE.
Feldstein, S. (2021). The Rise of Digital Repression: How Technology is Reshaping Power, Politics, and Resistance. Oxford. Oxford University Press.
Gaxie, D., & Pelletier, W. (2018). Que faire des partis politiques ? Paris. Éditions du croquant.
Scherman, A., & Rivera, S. (2021). Social Media Use and Pathways to Protest Participation: Evidence From the 2019 Chilean Social Outburst. Social Media + Society, 7(4), 1-13.
Tsandzana, D. (2020). Redes Sociais da Internet como “Tubo de Escape” Juvenil no Espaço Político-Urbano em Moçambique. Cadernos de Estudos Africanos, 40(2), 167-189.
FIM.
Integrei, em Janeiro de 2004, na qualidade de jornalista, a Comitiva Presidencial que participou, na cidade de Sirte, na Líbia, duma cimeira da União Africana (UA), na qual a presidência rotativa daquela organização continental passou de Joaquim Chissano para Muammar Gaddafi.
Durante a minha estadia em Sirte, pude traçar uma “agenda paralela” e conversar com cidadãos líbios, em particular jovens. Alguns casados de fresco, e que, por via disso, acabavam de receber, do Governo, casas devidamente recheadas, depois do acondicionamento de emprego e por aí além.
Todos os líbios com quem conversei por aqueles dias (uns 20, incluindo motoristas das viaturas protocolares que tinham sido colocadas à disposição dos integrantes da comitiva e alguns trabalhadores do hotel onde me hospedei) não esconderam estar de certa forma felizes com o “estado social” que tinham, mas…nem tudo era um mar de rosas!
Contaram ser inconcebível que todos os direitos civis e políticos de que eram supostos usufruir, enquanto humanos, estivessem sob tutela e vontade dum único homem, no caso Muammar Gaddafi. “Não podemos livremente dizer o que pensamos”; “não podemos nos manifestar livremente”; “nem sempre temos a sorte de escolher a profissão que queremos”; “nem podemos beber legalmente um copo”, etc., etc.
Por falar em copos, os requintados banquetes que eram servidos aos visitantes, naqueles hotéis ‘cinco estrelas’ em que tínhamos sido hospedados, ‘perdiam graça’ porque, mesmo depois do trabalho, ninguém podia consumir bebidas alcoólicas. Nem uma taça de vinho, meu Deus!!!
E, em 2011, o povo líbio disse “enough is enough”, não sendo os detalhes do sucedido relevantes para os propósitos destas breves notas…
Vem este longo intróito a propósito do tema manifestações pacíficas em Moçambique. Embora estejam expressamente consignadas na Constituição da República de Moçambique (CRM) e em lei ordinária (Lei das Manifestações), não carecendo, por integrarem o escopo da dignidade da pessoa humana, de autorização, mas de mera informação às relevantes autoridades, em Moçambique as autoridades públicas (à excepção dos municípios onde o partido Frelimo é oposição) se não coíbem de “rasgar” a CRM sempre que cidadãos devidamente identificados e organizados pretendam organizar manifestações pacíficas.
Toda vez que cidadãos organizados e devidamente identificados pretendam, no quadro da CRM e da lei, se expressar democraticamente por via de manifestações pacíficas, vê-se um inusitado contingente policial, às vezes até militar, a ser accionado para obstar que os cidadãos usufruam dum direito fundamental que mereceu, em sede da aprovação da CRM e da Lei das Manifestações, “apoio incondicional” de todas as forças políticas representadas na Assembleia da República.
Sendo o ser humano “escravo da liberdade”, mesmo onde o Estado o bafeja de tudo mais alguma coisa, menos esse valor essencialíssimo, ele, o ser humano, acaba, ou acabará, tarde ou cedo, por dizer basta, com o que jamais será a construção do ainda incipiente Estado de Direito Democrático a ganhar.
Por incrível que pareça, até manifestações pacíficas contra fenómenos como raptos são sistemática e ostensivamente obstaculizadas por quem deveria, por dever de ofício, apoiar esse tipo de iniciativa, com todo amparo legal.
Se até quem recebe “casa recheada” do seu pretenso “estado social” num certo momento diz basta, em nome da sua dignidade, não será, por maioria de razão, quem se esbarra com todo o tipo de dificuldades, inclusive para ter acesso a um terreno “30 por 15” não infraestruturado, a resignar eternamente da luta pelos seus direitos.
Com a óbvia racionalidade que cada um tem pela sua defesa, pode ser que, com as abusivas e ilegais proibições ao exercício do direito fundamental à manifestação pacífica, os que, mesmo assim, se recusam a resignar, recorram a “vias ocultas”, quais contas falsas ou disfarçadas em redes sociais, para efeitos de viabilização desse direito fundamental.
Com o que se verificou na última quinta-feira, sobretudo nas cidades de Maputo e Matola, sem cartas informando as autoridades públicas relevantes da realização de manifestações pacíficas e, como seria de supor numa situação tendencialmente de “Estado Policial”, sem rostos conhecidos, perde-se a oportunidade de coordenar, com eventuais promotores, rotas e ‘regras de jogo’, nos termos da CRM e da lei.
E, sem surpresa, numa situação de exercício à força de um direito constitucionalmente consagrado, cujo gozo conforme as Leis da República se recusa ostensiva e abusivamente, a passividade acabou andando distante do que se viu semana passada.
E depois?
Acho terem ficado lições bem claras, sendo mais do que urgente que se não insista no impedimento abusivo e a todos os títulos ilegal de manifestações pacíficas, porque algo normal numa democracia digna desse nome. Anormal seria um país que se diz democrático não conviver com esse tipo de expressão de ideias, de posições e de sentimentos.
Não parece ser necessário recorrer aos que se auguram de ter o “dom da profecia” para se prever um quadro em que a proibição de manifestações pacíficas possa ter como resposta “manifestações ocultas”, nas quais a economia perde por demais, ainda que seja por conta do mero “efeito psicológico” de situações tais.
E os que impedem esse direito fundamental pregarão no deserto o apelo à boa conduta!
Claro que será sempre possível identificar um e outro “gato pingado” como tendo sido o “criador” da primeira mensagem sobre “greve geral” posta a circular, e talvez até sancioná-lo, mas a sustentabilidade desse tipo de arranjo estará, à partida, condenada ao fracasso.
É isto que julgo constituir prováveis lições da “greve oculta” de 14 de Julho, uma data muito curiosa: simboliza a determinação do povo francês nos chamados anos da revolução, no que pontificam valores como liberdade, igualdade e fraternidade.