Apesar de a fuga ao fisco no sector cervejeiro em Moçambique ser de apenas um por cento, conforme constatou um estudo da Euromonitor Consulting, a Autoridade Tributária de Moçambique (AT) mostra-se decidida em avançar com o processo de selagem da cerveja, supostamente como forma de se combater a entrada ilegal de “grandes quantidades” de cerveja no país.
Em declarações ao jornal Notícias desta quarta-feira, 4 de Março, a presidente da AT, Amélia Muendane, referiu que a instituição por si dirigida tem sensibilizado as cervejeiras presentes em Moçambique sobre a necessidade de se avançar com a selagem da cerveja, uma vez que “a medida também contribui para a redução da concorrência desleal”.
Entretanto, Muendane omitiu um aspecto central: que as cervejeiras não apoiam, segundo apurou “Carta” de fontes da própria AT, a referida selagem, por conta de vários factores, de entre os quais se destacam, além da irrelevância relacionada com os baixíssimos níveis de fuga ao fisco acima referidos (apenas um por cento), o facto de uma acção nesse sentido demandar avultados investimentos por parte das fábricas de cerveja, ao que se alia uma incontornável baixa de produção e consequente corte nos empregos.
“Com a introdução da selagem nas cervejas, a velocidade de produção, que é em grande escala, se veria inevitavelmente revista em baixa, o que afectaria negativamente a própria cobrança de receitas em sede do Imposto sobre Consumo Específico. Com isso, naturalmente que mesmo a estabilidade da mão-de-obra ora empregue pela indústria seria afectada”, disse-nos a mesma fonte da AT.
Aliás, pelo mundo são raros exemplos de países que observam a selagem da cerveja, precisamente pela sua insustentabilidade. Em cerca de 200 países existentes no mundo, menos de 10 alguma vez ensaiaram a selagem de cerveja.
O nosso jornal sabe que, diferentemente do que sucede no domínio da cerveja, no contexto das espirituosas os elevados níveis de fuga ao fisco, neste momento situados em 73 por cento, justificam a selagem. “Mas nas cervejas essa decisão é de viabilidade duvidosa”, sublinhou a nossa fonte.
Uma redução na produção das cervejeiras, concretamente a Heineken Moçambique e a Cervejas de Moçambique (CDM), afectaria, por outro lado, uma emergente naipe de empresários agrícolas nas regiões Centro e Norte do país, dos quais as duas empresas compram matéria-prima como milho e mandioca para a produção de algumas das suas marcas de cerveja.
Paradoxalmente, a mesma AT que se mostra decidida em avançar com a selagem, com suporte num falso problema, possui quadros seus baseados nas fábricas da Heineken e da CDM, precisamente com o propósito de controlarem as quantidades de cerveja que são nelas produzidas, para efeitos de tributação.
Nesse quadro, parece não ser difícil concluir que mesmo a maior promessa do Presidente Nyusi para o quinquénio iniciado há dois meses, nomeadamente a criação de pelo menos três milhões de empregos, seria afectada.
“Carta” sabe que a chave para o sucesso dessa promessa de Nyusi está precisamente no sector agrícola, nomeadamente através da melhoria dos níveis de renda no sector familiar e consequente registo de empregos.
É assim: se, nos próximos três anos, pelo menos 75% das cerca de dois milhões de famílias que se dedicam à agricultura subirem as suas rendas líquidas de cerca de 12 mil meticais/ano para cerca de 60 mil/ano, as mesmas já poderão ser objecto de registo tributário (a iniciar pela atribuição de Número Único de Identificação Tributária, NUIT), com o que, só nesse sector, haverá registo de mais de 2.5 milhões de emprego, se se assumir que cada família tem pelo menos dois membros activos na produção agrícola.
“Carta” vai continuar a seguir este assunto, ouvindo todas as sensibilidades envolvidas, incluindo a própria AT e as cervejeiras. (Carta)