Mais um órgão de Estado fez vista grossa às mortes que se têm registado nas manifestações populares, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio António Bila Mondlane, na sua maioria causadas por agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM).
Depois da Procuradoria-Geral da República e do Governo, ontem foi a vez do Conselho do Estado, órgão político de consulta do Presidente da República, ignorar a chacina de civis em todo o país, alguns assassinados no interior das suas residências. O órgão esteve reunido, esta quarta-feira, em Maputo, para analisar a situação de segurança no território nacional, com enfoque para o combate ao terrorismo e as manifestações no período pós-eleitoral.
Em comunicado de imprensa emitido no fim da reunião, o Conselho de Estado condenou a vandalização de infra-estruturas públicas e privadas, o bloqueio de estradas, os ataques às esquadras da Polícia e a vandalização de estabelecimentos comerciais. Igualmente, não abordou as razões que levaram os cidadãos a ocuparem as ruas desde 21 de Outubro.
Segundo o órgão, tais actos contribuem para a “fragilização da economia nacional”, pelo que “as Forças de Defesa e Segurança devem envidar esforços no sentido de garantir o normal funcionamento das instituições e da vida dos moçambicanos”.
A nota de imprensa enviada pela Presidência da República refere ainda que os membros do Conselho de Estado repudiaram “o envolvimento de crianças e adolescentes em ilícitos criminais”, associados às manifestações, apelando aos pais e encarregados de educação a tomarem medidas que “refreiem” o envolvimento de menores em actos que podem comprometer o desenvolvimento da sua personalidade.
“O órgão considerou que a crise pós-eleitoral desafia o Estado moçambicano a levar a cabo reformas profundas como forma de evitar que, no futuro, tais actos voltem a suceder. Para o efeito, foi proposta a revisão atempada e inclusiva da lei eleitoral, devendo incidir sobre questões tais como a despartidarização e profissionalização dos órgãos de gestão eleitoral, bem como a adopção de medidas conducentes à promoção de transparência e credibilização dos processos eleitorais”, diz o documento.
Para os membros do Conselho de Estado, a sociedade deve reforçar o diálogo conducente à produção de consensos sobre o futuro de Moçambique. Instam igualmente os partidos políticos, as confissões religiosas, a academia e a sociedade civil a buscarem conjuntamente as soluções para os problemas que o país atravessa, tendo como finalidade a promoção e consolidação da coesão social.
Em relação ao terrorismo, na província de Cabo Delgado, o comunicado diz apenas que o Conselho de Estado congratulou as Forças de Defesa e Segurança (FDS) e a contraparte ruandesa pelos resultados alcançados, bem como na melhoria da protecção da população e dos seus bens.
Em jeito de fecho, o comunicado refere que o Conselho de Estado instou as FDS a estarem preparadas “à altura dos desafios que o país enfrenta”, porém, devem aprimorar a sua capacidade de interacção com as comunidades, “privilegiando o diálogo e recorrendo à força somente em casos de extrema necessidade e quando todos os outros mecanismos estiverem esgotados”.
Lembre-se que as manifestações populares já resultaram na morte de pelo menos 100 pessoas, na sua maioria civis. Parte das vítimas, foram assassinadas nas suas residências à queima-roupa. Para além de óbitos, as manifestações já causaram mais 1000 feridos, entre graves e ligeiros, na sua maioria atingidos por balas e botijas de gás lacrimogénio disparados pela Polícia.
No seu comunicado, o Conselho de Estado sequer solidarizou-se com a manifestantes atropelada brutalmente por um BTR das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e muito menos repudiou a atitude das tropas moçambicanas.
Refira-se que este foi o último Conselho de Estado dirigido por Filipe Nyusi, cujo mandato termina no dia 15 de Janeiro de 2025. A sessão de ontem, a VII, foi marcada por muitas ausências, com destaque para Graça Machel, Alberto Chipande e Raul Domingos.
De acordo com o número dois do artigo 163 da Constituição da República, o Conselho de Estado é composto pelo Presidente da República (Filipe Jacinto Nyusi), Presidente da Assembleia da República (Esperança Bias), Primeiro-Ministro (Adriano Maleiane), Presidente do Conselho Constitucional (Lúcia Ribeiro), Provedor de Justiça (Isac Chande), antigos Chefes de Estado (Joaquim Chissano e Armando Guebuza) e pelos antigos Presidentes da Assembleia da República (Eduardo Mulémbwè e Verónica Macamo).
Integram ainda o órgão, sete personalidades eleitas pelo Parlamento (Alcinda De Abreu, Felizarda Paulino, Maria Luísa Massamba, Jamisse Taimo, Juliano Picardo, Sheik Aminuddin Mohamad e Abdul Magide Ibraimo), quatro personalidades designadas pelo Presidente da República (Alberto Chipande, Graça Machel, Eduardo Nihia e Raul Domingos) e o segundo candidato mais votado à Presidente da República (Ossufo Momade). (Carta)