Continuam a indignar o país e o mundo, os níveis de violência protagonizados pela Polícia (através da Unidade de Intervenção Rápida) contra cidadãos civis, no âmbito das manifestações populares convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane.
Ontem, o advogado Custódio Duma exigiu, à Procuradoria-Geral da República, a abertura de um processo de investigação “sério e independente” para apurar os acontecimentos de quarta-feira e de todos outros relatos de violência policial recente, identificando-se os seus perpetradores e assegurando a responsabilização dos culpados.
Em uma carta enviada esta quinta-feira à Procuradora-Geral da República, Duma diz fazer tal exigência na qualidade de primeiro Presidente da Comissão Nacional do Direitos Humanos, órgão do Estado responsável pela defesa dos direitos humanos, em Moçambique.
Segundo Custódio Duma, o atropelamento brutal, violento e covarde de uma manifestante, na quarta-feira, em plena Avenida Eduardo Mondlane, no centro da capital do país, por um blindado das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), foi o “pico” de uma “onda crescente de violência”, perpetrada por agentes das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
“Este episódio não é um facto isolado, mas o ápice de uma série de abusos e violações dos direitos humanos que têm alarmado a sociedade moçambicana e a comunidade internacional. Casos de violência policial, incluindo baleamentos direccionados, detenções arbitrárias e actos de repressão desproporcional, têm sido amplamente reportados nas redes sociais, documentados pela mídia nacional e internacional, e denunciados por organizações da sociedade civil e de direitos humanos”, defende a fonte.
Para o advogado, o padrão da “brutalidade e impunidade” está criando uma “atmosfera de medo” e “descrédito” nas instituições responsáveis por proteger os cidadãos. “Tal situação coloca em risco os pilares do nosso Estado de Direito e pode levar o país a ser objecto de escrutínio por parte de organismos internacionais, comprometendo a nossa soberania e imagem como nação comprometida com a justiça e os direitos humanos”, sublinha.
Na carta, Duma exige ainda que a Procuradoria-Geral da República garanta que “as vítimas de abuso recebam justiça e reparação adequadas”, reafirmando o compromisso do Estado com os direitos humanos; e que se implemente, junto das FDS, medidas estruturais para prevenir novos abusos.
“Não agir diante destas situações seria negligenciar o nosso compromisso com os princípios fundamentais consagrados na Constituição da República e nos tratados internacionais dos quais Moçambique é signatário. Este é um momento decisivo para reafirmar o nosso compromisso como nação de proteger os direitos fundamentais de todos moçambicanos”, considera.
“É imperativo que a Procuradoria actue com firmeza e transparência para restaurar a confiança da população e enviar uma mensagem clara de que Moçambique não tolerará actos de violência e repressão, independentemente de quem os cometa. Por isso, condeno da mesma forma todos os actos de violência praticados pelos manifestantes que também devem ser responsabilizados por lei após serem devidamente identificados”, acrescenta.
Dados divulgados por plataformas das organizações da sociedade civil apontam para a morte de pelo menos 67 pessoas desde o início das manifestações, na sua maioria civis, assassinados pela Polícia. Até ao momento, refira-se, não se conhece qualquer acção do Ministério Público, visando responsabilizar agentes da Polícia responsáveis pelos assassinatos. Algumas vítimas, sublinhe-se, foram assassinadas nas suas residências.
No entanto, o titular da acção penal já instaurou 208 processos criminais, visando responsabilizar os autores morais e materiais (e seus cúmplices) das manifestações, sendo acusados de crimes de homicídio, ofensas corporais, danos, incitamento à desobediência colectiva e conspiração para prática de crime contra a segurança do Estado e alteração violenta do Estado de direito. (Carta)