Uma análise do Instituto de Estudos e Segurança (ISS) sediado em Pretória, África do Sul, defende que todas as tropas em Moçambique devem concordar com uma visão compartilhada para acabar com a crise naquela província.
O estudo da autoria de Liesl Louw-Vaudran, Pesquisadora Sénior do ISS, aponta que as tropas de Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) alcançaram alguns resultados importantes no norte de Moçambique, onde uma insurgência está em curso desde o fim de 2017. Algumas estradas foram reabertas e uma aparente calma retornou em locais-chave para projectos de gás natural liquefeito, como Palma e Mocímboa da Praia.
No entanto, diz a investigadora, ainda há ataques em toda a província de Cabo Delgado e a Agência das Nações Unidas para os Refugiados disse que seria prematuro encorajar os deslocados a regressarem às suas casas.
Para resolver a crise, é necessária uma visão conjunta de estabilidade a longo prazo que inclua todas as forças em Moçambique. Actualmente, cerca de 2.000 soldados ruandeses estão protegendo os distritos de Palma e Mocímboa de Praia, que são locais dos projectos de gás. A Missão da SADC em Moçambique (SAMIM) está sediada em outros três distritos, cabendo às forças moçambicanas o resto da província.
Divisão territorial do trabalho entre a SAMIM e as forças ruandesas
O destacamento da SADC é referido em documentos oficiais da União Africana (UA) como parte da Força Africana de Alerta da UA. Mas, até agora tem havido pouca comunicação entre a SADC e a UA a este respeito.
O bloco da África Austral só recentemente se aproximou da UA – seis meses após o destacamento para Moçambique e quando os fundos começaram a esgotar-se. Ao fazê-lo, a SADC deixou de lado a sua desconfiança histórica da UA e a sua insistência no princípio da subsidiariedade – o que significa, neste caso, que a SADC lidera em questões de segurança.
A SADC também não teve discussões de alto nível com o Ruanda sobre a sua presença em Cabo Delgado. Ruanda acredita que erradicar o terrorismo na província é vital para sua própria segurança. As tensões entre a SADC e o Ruanda remontam a divergências sobre os resultados das eleições na República Democrática do Congo no início de 2019. Apesar das propostas do presidente Paul Kagame aos principais países da SADC, as preocupações persistem.
No passado dia 3 de Abril, os ministros do Órgão da SADC para Política, Defesa e Segurança reuniram-se em Pretória para discutir a missão com representantes dos principais países contribuintes de tropas e Moçambique.
Como tem sido hábito em todas as reuniões da SADC sobre o norte de Moçambique, o Ruanda não foi convidado. O chefe da SAMIM, professor Mpho Molomo, assegurou aos Estados-membros que as tropas da missão e as forças ruandesas estão coordenando no terreno. Mas não houve conversações políticas de alto nível entre os chefes de Estado dos países envolvidos.
Elaborada em Março último, sem ter em conta a Cimeira Extraordinária da Troika do Órgão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, (SADC) mais os países contribuintes com efectivos (PCC) e a República de Moçambique, realizada ontem (12 de Março) virtualmente, a pesquisa do Instituto de Estudos e Segurança revela profundas divisões em Moçambique sobre a implantação do Ruanda e da SADC. Organizações da sociedade civil no país questionam a transparência e o financiamento do contingente ruandês.
A UA pode ajudar a garantir que as 'soluções africanas' para Moçambique sejam bem-sucedidas. Tem experiência nesse sentido e a maioria das suas resoluções destaca a necessidade de lidar com questões que travem o extremismo violento. Mas os estados-membros raramente aderem a essas políticas e alguns vêem a coordenação entre as comunidades económicas regionais (como a SADC) e a UA como um obstáculo ao invés de um benefício.
Segundo o documento do (ISS) que faz uma avaliação integrada das forças presentes no terreno, a primeira discussão do Conselho de Paz e Segurança da UA (PSC) sobre SAMIM só aconteceu em Janeiro de 2022, seis meses após a sua implantação. O PSC endossou retroactivamente a missão e pediu financiamento e assistência material para a força.
A UA considera a SAMIM como um dos primeiros desdobramentos da Força Africana de Alerta – uma engrenagem vital na sua máquina de paz e segurança. Os protocolos da Força Africana de Prontidão estipulam que a coordenação, particularmente do presidente da Comissão da UA, é necessária durante os seus desdobramentos. Isso ainda não aconteceu no caso de Moçambique.
A SADC apenas procurou o apoio da UA quando precisou de financiamento para prolongar o mandato da missão para além dos primeiros seis meses. No início deste mês, finalmente recebeu um montante inicial de 2 milhões de euros da União Europeia através do Mecanismo de Resposta Rápida da UA. A SADC também espera ter acesso ao financiamento do Fundo de Paz da UA, que tem mais de 230 milhões de dólares de contribuições dos estados-membros.
A SADC está empenhada em procurar soluções holísticas e de longo prazo para a crise. No mês passado, uma missão de avaliação da SADC visitou Cabo Delgado para discutir projectos de capacitação com actores locais e organizações internacionais. A SADC também instruiu o chefe da SAMIM a coordenar a ajuda humanitária aos deslocados internos, e os estados-membros prometeram alimentos e assistência humanitária às vítimas da violência.
Dado o seu foco regional e as tentativas de uma abordagem multifacetada, a implantação da SAMIM é salutar e inédita para a região. Porém, o estudo do ISS alerta que, para ter sucesso, precisa de adesão local e coordenação com Moçambique e Ruanda.
A concentração de vastos recursos naturais em Cabo Delgado aumenta as apostas. As ameaças da insurgência aos investimentos em gás natural liquefeito no valor de cerca de 60 biliões de dólares levaram a TotalEnergies a suspender as suas operações no ano passado. A empresa quer um raio de segurança de 30 km ao redor dos projectos antes de considerar o retorno.
À medida que a UA lida com várias opções para abordar o terrorismo em toda a África, os contextos locais devem informar as decisões e as respostas precisam de ser flexíveis. A coordenação entre todas as partes também é vital.
As tropas em Moçambique estão posicionadas numa área relativamente pequena onde grupos extremistas violentos e moradores locais se movem constantemente. Estratégias conjuntas com forças de segurança puxando na mesma direcção levariam a um resultado muito melhor.
Entretanto, a Cimeira Extraordinária da Troika do Órgão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, (SADC) mais os países contribuintes com efectivos (PCC) e a República de Moçambique, realizada virtualmente, aprovou ontem a transição da SAMIM, do Cenário 6 (Capacidade de Desdobramento Rápido) para Cenário 5 (Força Multidimensional) com um mandato robusto.
Sem revelar o número de vítimas mortais ou de feridos, a Cimeira expressou solidariedade com o Botswana, África do Sul, Lesotho e Tanzânia pela morte dos soldados em Cabo Delgado em confrontos contra os terroristas.
Lembre-se, o exército moçambicano também sofreu baixas em Cabo Delgado. A Cimeira felicitou também o Zimbabwe e o Malawi, pelo espírito de solidariedade expresso através da entrega de alimentos para aliviar o sofrimento dos deslocados em Cabo Delgado. (F.I.)