“A CNE – Comissão Nacional de Eleições, órgão constituído por partidos políticos com assento parlamentar mais Sociedade Civil (pese embora não haja consensos na designação dos elementos da Sociedade Civil), já deliberou sobre matérias relevantes para as eleições Presidenciais, Legislativas e Provinciais. O CIP detectou irregularidades e as denunciou, contudo, os partidos representados, embora possam vir a ficar afectados, não se pronunciam. O partido Frelimo que, aparentemente, é o beneficiário da tramóia também não se distancia, o que, na minha opinião, é grave. A minha reflexão é no sentido de sensibilizar a tudo se fazer para sanar aquilo que divide opiniões, de modo a termos eleições justas. Se deixarmos tudo para o pós-eleições, as coisas não irão correr bem para Moçambique. Os não parlamentares também são chamados a intervir! Os dados do CIP são públicos, por favor, naquilo que se considere útil, façam uso.”
AB
“A CNE já publicou a colocação das brigadas de recenseamento. E, mais uma vez, haverá mais equipas nas zonas da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) do que nas da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana, maior partido da oposição), dificultando, deste modo, o recenseamento dos eleitores da Renamo, olhemos para as províncias com a densidade populacional semelhante. Nampula e província de Maputo têm uma densidade populacional semelhante, mas, em Nampula, cada brigada deve tentar registar 4.214 pessoas, enquanto na província de Maputo cada brigada tem apenas 2.717 potenciais eleitores”.
In Boletim sobre eleições do CIP citado pela Carta de Moçambique, 07 de Março de 2024.
Está decidido, o recenseamento eleitoral terá início a 15 de Março, próxima quinta-feira, e termina a 28 de Abril, com vista às sétimas eleições gerais de 09 de Outubro de 2024, para a eleição do Presidente da República, Deputados da Assembleia da República e Governadores. Para o efeito, a CNE – Comissão Nacional de Eleições, um órgão constituído por membros designados pelas Bancadas Parlamentares (Frelimo, Renamo, MDM + A Sociedade Civil) deliberou pela constituição de 9.165 postos de recenseamento.
Destes, 8.774 postos serão a nível nacional, 372 para a região de África e 19 para o resto do mundo, sendo que, de acordo com a deliberação da CNE, as províncias que mais postos terão são as seguintes: Zambézia com 1,277, Nampula 1.262 e Tete com 1.137. Para esta ginástica herculeana, a CNE ou STAE deverão mobilizar, aproximadamente, 6.033 brigadas. Trata-se de um autêntico “exército” de mulheres e homens para materializarmos as eleições de 09 de Outubro, lembrando que o recenseamento eleitoral irá decorrer numa altura em que se regista um verdadeiro êxodo da população de Cabo Delgado para as províncias vizinhas de Nampula e Niassa, de entre outras, o que pode confundir os potenciais eleitores!
Dos dados que a CNE produziu, repito, um órgão constituído por elementos indicados pelas Bancadas Parlamentares e pela Sociedade Civil, a Organização da Sociedade Civil, CIP, veio a público denunciar algumas irregularidades que os membros da CNE não conseguiram descortinar e, depois das denúncias, os partidos políticos visados mantêm-se num silêncio sepulcral, sobretudo, quando se fala das zonas de influência política. Este silêncio, na minha opinião, é grave, na medida em que, após a votação e proclamação dos resultados, os partidos afectados é que irão reagir, o que complicará mais a vida normal do País.
Na minha opinião, havendo algo a ser feito, os partidos políticos representativos e, por sinal, afectados pela deliberação da CNE deviam exigir que se fizesse a respectiva correcção. Mais ainda, penso que não é do interesse da Frelimo que a CNE a favoreça, pelo que julgo que a própria Frelimo devia distanciar-se do método usado pela CNE para a determinação do número de brigadas e as metas por província. Mas, mais do que isso, é importante que, no acto de recenseamento, as pessoas sejam agrupadas pelas suas zonas de origem, sobretudo, nos casos das populações que fogem do terrorismo!
Nesta reflexão, pretendo, de forma preventiva, exortar os partidos políticos representados na CNE e as organizações da Sociedade Civil, igualmente representadas, para não deixarem passar a oportunidade de correcção de erros, existindo. Claro, de modo que não seja depois da proclamação dos resultados que se levantam questões que deviam ser resolvidas agora e, desse modo, prevenir-se conflitos futuros. Julgo que nenhum partido deve manter-se indiferente a irregularidades, cujo efeito far-se-á sentir com maior intensidade a breve trecho. Que haja gente, dentro dos partidos políticos, que se ocupa dessas matérias.
Os partidos políticos também devem intervir e entrar em consensos sobre o recenseamento dos deslocados do terrorismo em Cabo Delgado, matéria que, na minha opinião, não pode ser da exclusiva responsabilidade do STAE e da CNE, sob pena de virem a queixar-se extemporaneamente.
Adelino Buque
Por: Jorge Ferrão[1]
O planalto de Mueda, Cristóvão Colombo e o Destacamento Feminino não se relacionam, nem têm nenhuma interconexão. Todavia, são locais e figuras místicas, quase incontornáveis, plenas de indagações, espaços e leitos por onde se estendem outros e tantos segredos.
Cristóvão Colombo, esse explorador cuja pátria tantas terras cobiçam, retornou à Lisboa abraçado pela caravela Niña a 4 de Março. Entre a bravura e heroicidade que o caracterizam, Colombo baptizava as suas embarcações com nomes femininos. Tal gesto não era mera fantasia, mas simbolizava o enigma de outros segredos, intenções ocultas, e tesouros insondáveis que, como efémeros raios de Março, almejavam ressurgir à humanidade. Afinal, ele acabara de desvendar os horizontes da América. A 4 de Março também se celebra o Dia do Destacamento Feminino.
Pelo planalto de Mueda, e na história do célebre “Primeiro Tiro”, encaixam-se vozes, simultaneamente, tão silenciosas e tão estridentes. Por aqueles montes e vales sobressai o belo e o aprazador, o medo e o aterrorizante. Os silêncios. Uma ressignificação do que deve ser visto e escutado entre as abruptas depressões e o cume de cada montanha por onde se observam as restantes aldeias e povoações.
Numa dessas aldeias nasceu Marina Mangedye que, como qualquer criança da sua idade, viveu a epopeia de uma libertação que faria mais tarde um país. Uma nação. Resgatar os relatos de Marina é abrir os alçapões de episódios não arquivados, mas que se entrelaçam a cada jornada, e a cada 4 de Março, quando o seu Destacamento foi, oficialmente, estabelecido.
Muito antes de 1967, Marina Mangedye e algumas amigas foram emboscadas por um grupo de soldados portugueses. Sem que tivesse ainda entendido o sentido de uma guerra, ela foi testemunha da primeira vítima da brutalidade de um exército que atacava, também, para se defender. A sua amiga, Nina, foi mortalmente alvejada. Um tiro para o centro da cabeça e o sangue que jorrou, eternamente, por detrás de um crime que nenhuma história consegue explicar.
Marina foi levada pelos soldados para o quartel mais próximo, sendo, depois, interrogada e submetida à tortura psicológica. O seu estado de choque a impedia de pensar e de balbuciar fosse o que fosse. Como forma de sacar uma confissão, os soldados portugueses colocaram vinho numa caneca de um azeite de oliveira, já muito usada, e forçaram-na a beber. Marina não só não bebeu como se manteve silenciosa. O vinho irrompia nos seus pensamentos. Era a lembrança do sangue da sua amiga. Ela não revelou qualquer segredo que conhecia. Nem sequer os tinha, mas já pensava na liberdade e independência.
Anos mais tarde, ela juntou-se ao Destacamento Feminino e fez parte do grupo das primeiras 20 mulheres de Cabo Delgado que tiveram treino militar ainda no interior de Moçambique e, mais tarde, em Nachingwea. Este episódio faz-nos recordar da história “vinho e sangue”, que remonta de outros tempos onde a apreciação do vinho era, intimamente, ligada a rituais religiosos e culturais. A humanidade sempre recorreu ao vinho, e outras bebidas alcoólicas, para as celebrações e, por conseguinte, o vinho ganhou um estatuto especial e simbólico.
A associação entre o vinho e o sangue pode parecer um tanto enigmática, porque o catolicismo faz a representação do vinho com o sangue de Cristo, como o símbolo da vida, da comunhão e da renovação. Marina aprendeu a lição do vinho e sangue no mesmo momento e, jamais, como celebração de uma festividade, mas como o final de um percurso.
Assim, ela carregava consigo essa herança que, sem ser festiva, engendraria a semente da revolta e que serviria de catalisador de memórias negativas para o resto da sua vida. Essa vida ensinou-lhe que o brinde tanto pode ser da magia de degustar um bom vinho, como da nostalgia de perder alguém tão próximo que não provou o vinho, mas fertilizou a terra que o mundo descobriu como Moçambique e não Portugal Ultramarino.
Não existem dúvidas de que, em Moçambique, muitas das iniciativas anticoloniais foram, também, conduzidas por mulheres, particularmente, nas zonas rurais e nas cidades, através de actividades clandestinas que configuraram o próprio processo da independência, a partir do despertar da compreensão política da luta de libertação até à adesão ao movimento, sem nos esquecermos da mobilização da população e no auxílio alimentar aos combatentes.
Os 4 de Março que celebramos, algumas vezes de forma tímida e outras mais exuberantes, são uma homenagem a todo o movimento que antecedeu ao início da luta armada e que juntou estudantes do Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), que mais tarde foram os quadros que estiveram na base do processo de unificação dos movimentos de libertação.
Mas este 4 de Março é, igualmente, a retoma da Liga Feminina de Moçambique (LIFEMO), cujo pressuposto assentava em apoiar as famílias dos combatentes e divulgar os princípios da Frente de Libertação. O Destacamento Feminino, já composto por guerrilheiras, tem que ser assumido como uma iniciativa das próprias mulheres diante da necessidade de defesa e mobilização das zonas libertadas no interior da província de Cabo Delgado.
57 anos depois, muitas destas mulheres permanecem no nosso seio e Marina, do vinho e do sangue, continuava tão activa como era em 1965, quando ela própria e as suas amigas solicitaram treinamento militar. Elas ocuparam, por seu próprio mérito, um espaço reservado aos homens e provocaram a maior revolução que a história da luta precisa de retomar, pois, a coragem destas jovens delimitou o poder e o controlo que os combatentes exerciam sobre a função reprodutiva das mulheres e da produção alimentar.
Neste 57º aniversário, as combatentes se reencontraram e recordaram a frase que mais caracterizou a descrença e o descrédito dos combatentes homens: “aproximar o fogo ao capim”. Este foi o pensamento dominante também dos chefes de família, na altura, que sempre recearam que o envio das suas filhas para a luta de libertação equivaleria a ameaça à tutela paternal e que levantaria divergências internas insanáveis no seio revolucionário.
Tanto Eduardo Mondlane e Samora Machel, quanto Paulo Samuel Kankhomba e Filipe Samuel Magaia, foram uma referência importante na noção e no discurso sobre a emancipação feminina – esta mesma emancipação que esteve presente nos discursos socialistas, no envolvente momento multipartidário e até em épocas do liberalismo e do neoliberalismo.
Marina casou mais tarde com Raimundo Pachinuapa. Virou Marina Pachinuapa. Até hoje, ela não bebe vinho e continua ciente de que a emancipação consistirá em igualar homens e mulheres, e que nem os propósitos da libertação colocaram em risco o decorrer da própria luta.
Estas foram as concepções que atingiram o coração de cada moçambicano e que valorizam, hoje, a equidade e essa essência que criou a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), da qual o tempo e o futuro farão, um dia, essa supra-organização que se sobrepõe aos interesses partidários e que terão como substracto a edificação de uma filosofia que cuidará das crianças, da erradicação dos casamentos prematuros, de uma modernização dos rituais de iniciação e, sobretudo, de uma modernização das estruturas patriarcais que perpetuam a violência doméstica e todos os males associados.
[1] Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo.
“O continente africano e seus dirigentes devem saber tirar dividendos das suas revoluções. África travou a luta para a independência, mas parece que nada mudou para o povo e o Ocidente cada vez mais se beneficia dos recursos africanos, desta feita, via nossos dirigentes. A questão que se coloca é: porque fizeram a revolução? Foi para serem servidos na “cozinha” enquanto o povo mingua! Mais, o Ocidente está numa fase difícil no que diz respeito à matéria-prima para a sua indústria. África é detentora dessas matérias-primas, mas que valor acrescentado tiramos dessa realidade! Reiterem solidariedade ao Presidente do Zimbabwe, não sejam cobardes. Amanhã sois vós”.
AB
“Sanção jurídica deve ser compreendida, modernamente, como uma reacção ou retribuição prevista no ordenamento normativo, blindando-se esta contraprestação de uma feição premial (sanção premial), quando o agente adopta a conduta aprovada ou esperada, ou um carácter punitivo (sanção negativa), quando o acto praticado é indesejado ou dissonante. Diante dessa nova realidade, da mutabilidade e da abertura das regras jurídicas ao progresso e à mudança social, imperioso reformular-se o vetusto e arraigado pensamento jurídico, a fim de abrir-se espaço para a existência e aceitação doutrinária da sanção premial.
Tanto Pape quanto Porter (1978) definem as sanções económicas como um mecanismo que busca reduzir o bem-estar económico geral do país sancionado através da imposição de restrições à actividade económica e ao comércio internacional do país para forçar uma mudança de comportamento político do governo alvo. As sanções podem assumir diversas formas, como proibições de viagens, congelamento de bens, embargos de armas, restrições de capital, reduções de ajuda estrangeira e restrições comerciais.”
Pesquisa Internet
Realmente, as relações entre países são determinadas pelo interesse que um determinado País tem para com o outro e, no caso das relações entre África e Ocidente, regra geral, conta o interesse dos ocidentais, porque África só tem de cumprir, sob pena de sofrer sanções atrás de sanções, até vergar-se aos interesses ocidentais.
O exemplo de Sanções Económicas mais longas é da República de Cuba, que sofre o embargo económico dos Estados Unidos da América desde Janeiro de 1961, após a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro. Vale recordar que, antes do triunfo da Revolução, Cuba era Governada por um regime militar dirigido por Fulgêncio Baptista, que mantinha as relações com os Estados Unidos da América, desde 1898, quando Cuba se tornou independente da Espanha, com o apoio dos EUA.
Com o triunfo da Revolução Cubana, em 1959, os Estados Unidos da América perderam os benefícios económicos que detinham no regime de Fulgêncio Baptista e, com o tempo, o Governo de Fidel Castro decidiu seguir o caminho Socialista, o que irritou os EUA, que seguidamente, decidiram seguir o caminho Socialista, modelo Soviético. Veja o que aconteceu no parágrafo abaixo.
“Em janeiro de 1961, os Estados Unidos rompem relações diplomáticas com Cuba e, em Abril do mesmo ano, um ataque contrarrevolucionário que contava com apoio da CIA foi realizado contra o governo de Fidel na Invasão da Baía dos Porcos. As tropas de Fidel Castro conseguiram neutralizar o ataque, porém, Fidel Castro alinhou Cuba à União Soviética, declarando Cuba como uma nação socialista”.
Mas a minha reflexão de hoje é sobre o Zimbabwe que sofre sanções económicas e financeiras desde 2001, impostas pelo Governo norte-americano e pela União Europeia. As sanções incluem restrições no apoio financeiro, banimento de viagens de determinadas personalidades zimbabueanas, de trocas comerciais de bens e serviços de defesa, bem como a suspensão de todo o apoio governamental não humanitário.
Em jeito de solidariedade, na 39ª Cimeira Ordinária dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), realizada nos dias 17 e 18 de Agosto de 2019, em Dar-es-Salaam, na República Unida da Tanzânia, os líderes desta organização regional manifestaram a sua solidariedade para com a República do Zimbabwe, devido às sanções económicas prolongadas a este impostas pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, tendo apelado ao seu levantamento imediato, de modo a permitir a recuperação socioeconómica do país. Esses apelos não surtiram efeito desejado, como é óbvio.
A República do Zimbabwe, bem como outros países da região, estão seguindo outras vias para contornar as cada vez mais exigentes condições Ocidentais. A República da China, Índia e Brasil são os caminhos a apontar, com a entrada dos BRIC,s. Então, as coisas tendem a tomar outro rumo economicamente e o ocidente não está alheio a essas movimentações. Apercebendo-se disso, conhecido o Zimbabwe como celeiro da região, do ponto de vista de produção agrícola, os EUA, através do Presidente Joe Biden, decidem levantar o embargo ao Zimbabwe, mas decretam sanções contra o seu Presidente e pessoas próximas, ou seja, dão com uma mão e tiram com a outra!
Será que os líderes dos Países da SADC tiveram tempo de reflectir sobre a medida americana, que permite a entrada dos Europeus e Americanos no Zimbabwe, para fazerem negócios, mas, em contrapartida, os dirigentes daquele País não se podem deslocar para esses Países! Que relações são estas!? Quem deve zelar pelos direitos humanos do Zimbabwe não são os Zimbabueanos!? Qual é o real papel dos Americanos e Europeus nisto.
Os Africanos, de um modo geral, devem levantar-se contra isto, mas as lideranças africanas devem, cada vez mais, estar atentas ao desenvolvimento das economias do mundo. Os Europeus já esgotaram as suas matérias-primas, precisam da África para continuarem a laborar. África deve tirar benefício disso e não continuar com o “síndroma” de colonizados, o que, no fim do dia, é o que acontece. Portam-se como verdadeiros “moleques” do Ocidente, ainda que vos tire o dinheiro e outros bens que guardam lá. Não aprendem, que pessoas sois vós!
Adelino Buque
Estamos a voar sem escala no carrancudo 737 da LAM há mais de seis horas, numa viagem que devia levar pouco mais de 120 minutos, mesmo assim os comissários de bordo não páram de sorrir. A informação que temos é de que chove torrencialmente em Pemba, com descargas atmosféricas de grande magnitude. Apagaram-se as luzes da pista e de toda a cidade.
Mas porquê que não desviam a rota para outro aeroporto aqui perto? Também chove a cântaros em Nampula, com granizo em todo o lado, e na Zambézia os ventos que fustigam trazem poeiras de mau agoiro. E agora como é que vai ser? É só esperar, isto vai passar, não obstante a autonomia de voo poder estar em causa.
Estamos por cima das nuvens numa máquina cujo motor é imperceptível aqui dentro. Há um silêncio de morte no bojo, e deste modo pode ser que estejamos numa câmara de gás à espera de ser acionada pelos verdugos para que o cianeto goteje, e ainda assim trazem-nos taças de vinho em carrinhos leves para irmos bebendo, mas ninguém aceitou aquela bebida da cor de sangue, e eu então lembrei-me da música de Chico Buarque e Milton Nascimento “pai, afasta de mim esse cálice...”.
A minha cadeira está por cima da asa, que tremilica, e já atingi o limite do medo. Restam-me, todavia, as últimas reservas de esperança.
“Apertem os cintos por favor, estamos para aterrar no aeroporto de Pemba”! A ansiedade e o medo não desvaneciam, aumentavam. A voz feminina soava a música sinistra, provavelmente o comandante tenha decidido fazer o poiso sobre a própria morte, os pássaros morrem no chão. Ninguém sabe o que vai acontecer, mas seja como for, se for para morrer, já estamos mortos. Morremos todos os dias. Moçambique vive de morte em morte.
De qualquer das formas parece termos saído, após aquela voz cantante vinda dos altifalantes roufenhos que mais parecem megafones, da antecâmara do diabo. Pemba estende-se na plenitude aos nossos pés como um paraíso, entretanto essa vista será ilusória, Pemba treme em toda a placa. Senti isso quando saí do avião: todos olham para os passageiros que desembarcam com olhar profundamente inexpressivo como quem diz, o quê que eles querem aqui?
Neste momento em que chegamos, há muitos aviões que partem. De meia em meia hora uma máquina busca os ares, até não haver mais nenhum aeroplano para descolar, a não ser o “nosso” que igualmente vai voltar ao espaço daqui a pouco, com gente entulhada como no “My love” onde somos tratados tipo gado de abate.
Quando embarquei em Maputo, o meu plano era hospedar no Wimbe e ir desfrutar da vida no restaurante Dolphin, mas alguém, que está fugindo como os outros em massa, diz-me que o Dolphin está fechado, o Nazaré não está lá. Fugiu da chuva que penetra pelo tecto sem fissuras e janelas fechadas molhando tudo. O peixe conservado nas arcas ressuscitou e voltou para o mar ensanguentado. O arquipélago das Quirimbas está a tremer, as aves marinhas sucumbiram ao cheiro da pólvora e das baionetas e das facas.
Mas eu quero ir ao Wimbe, mesmo assim. Sentir a brisa no Dolphin e ouvir a música da natureza cantada pelas gaiovotas que não estarão nos galhos, fugiram inesperdamente, deixando para trás os mangais transformados em matadouros de homens. Então lá fui em contramão daqueles que deixavam o mítico Paquitequete, o Metuge e toda Pemba, e todo o Cabo Delgado.
No Dolphin não está ninguém, a não ser um homem longelíneo vestido de turba negra, que me estende a enorme bandeja de prata contendo uma cabeça humana acabada de ser decepada.
Eu ia receber a bandeja pensando tratar-se de cabeça de peixe, de xerewa. Afinal era um pesadelo, numa noite com temperaturas jamais sentidas em Inhambane.